Educação elemento indispensável para consciência ambiental

A perspectiva ambiental consiste num modo de ver o mundo em que se evidenciam as interrelações e a interdependência dos diversos elementos na constituição e manutenção da vida. Em termos de educação, essa perspectiva contribui para evidenciar a necessidade de um trabalho vinculado aos princípios da dignidade do ser humano, da participação, da co-responsabilidade, da solidariedade e da equidade.
À medida que a humanidade aumenta sua capacidade de intervir na natureza para satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgem tensões e conflitos quanto ao uso do espaço e dos recursos em função da tecnologia disponível.
Nos últimos séculos, um modelo de civilização se impôs, trazendo a industrialização, com sua forma de produção e organização do trabalho, além da mecanização da agricultura, que inclui o uso intenso de agrotóxicos, e a urbanização, com um processo de concentração populacional nas cidades. A tecnologia empregada evoluiu rapidamente com consequências indesejáveis que se agravam com igual rapidez. A exploração dos recursos naturais passou a ser feita de forma demasiadamente intensa. Recursos não-renováveis, como o petróleo, ameaçam escassear. De onde se retirava uma árvore, agora retiram-se centenas. Onde moravam algumas famílias, consumindo alguma água e produzindo poucos detritos, agora moram milhões de famílias, exigindo imensos mananciais e gerando milhares de toneladas de lixo por dia. Essas diferenças são determinantes para a degradação do meio onde se insere o homem. Sistemas inteiros de vida vegetal e animal são tirados de seu equilíbrio. E a riqueza, gerada num modelo econômico que propicia a concentração da renda, não impede o crescimento da miséria e da fome. Algumas das conseqüências indesejáveis desse tipo de ação humana são, por exemplo, o esgotamento do solo, a contaminação da água e a crescente violência nos centros urbanos.
À medida que tal modelo de desenvolvimento provocou efeitos negativos mais graves, surgiram manifestações e movimentos que refletiam a consciência de parcelas da população sobre o perigo que a humanidade corre ao afetar de forma tão violenta o seu meio ambiente. Em países como o Brasil, preocupações com a preservação de espécies surgiram já há alguns séculos, como no caso do pau-brasil, por exemplo, em função de seu valor econômico. No final do século passado iniciaram-se manifestações pela preservação dos sistemas naturais que culminaram na criação de Parques Nacionais, como ocorreu nos Estados Unidos.
É nesse contexto que, no final do século passado, surge a área do conhecimento que se chamou de Ecologia. O termo foi proposto em 1866 pelo biólogo Haeckel, e deriva de duas palavras gregas: oikos, que quer dizer “morada”, e logos, que significa “estudo”. A Ecologia começa como um novo ramo das Ciências Naturais e seu estudo passa a sugerir novos campos do conhecimento, como, por exemplo, a ecologia humana e a economia ecológica. Mas só na década de 1970 o termo “ecologia” passa a ser conhecido do grande público. Com freqüência, porém, ele é usado com outros sentidos e até como sinônimo de meio ambiente.Nas nações mais industrializadas passa-se a constatar uma deterioração na qualidade de vida que afeta a saúde tanto física quanto psicológica dos habitantes das grandes cidades. Por outro lado, os estudos ecológicos começam a tornar evidente que a destruição e até a simples alteração de um único elemento num ecossistema pode ser nociva e mesmo fatal para o sistema como um todo. Grandes extensões de monocultura, por exemplo, podem determinar a extinção regional de algumas espécies e a proliferação de outras. Vegetais e animais favorecidos pela plantação ou cujos predadores foram exterminados, reproduzem-se de modo desequilibrado, prejudicando a própria plantação. Eles passam a ser considerados então uma “praga”. A indústria química oferece como solução o uso de praguicidas que acabam, muitas vezes, envenenando as plantas, o solo e a água.
Problemas como esse vêm confirmar a hipótese, que já se levantava, de que poderia haver riscos sérios em se manter um alto ritmo de ocupação, invadindo e destruindo a natureza sem conhecimento das implicações que isso traria para a vida no planeta. Até por volta da metade do século XX, ao conhecimento científico da Ecologia somou-se um movimento ecológico voltado no início principalmente para a preservação de grandes áreas de ecossistemas “intocados” pelo homem, criando-se parques e reservas. Isso foi visto muitas vezes como uma preocupação poética de visionários, uma vez que pregavam o afastamento do homem desses espaços, inviabilizando sua exploração econômica. Após a Segunda Guerra Mundial, principalmente a partir da década de 60, intensificou-se a percepção de que a humanidade pode caminhar aceleradamente para o esgotamento ou a inviabilização de recursos indispensáveis à sua própria sobrevivência. E, assim sendo, que algo deveria ser feito para alterar as formas de ocupação do planeta estabelecidas pela cultura dominante. Esse tipo de constatação gerou o movimento de defesa do meio ambiente, que luta para diminuir o acelerado ritmo de destruição dos recursos naturais ainda preservados e busca alternativas que conciliem, na prática, a conservação da natureza com a qualidade de vida das populações que dependem dessa natureza.
Crise ambiental ou crise civilizatória?
Para uns, a maior parte dos problemas atuais, decorrentes do modelo de desenvolvimento, economia e sociedade, pode ser resolvida pela comunidade científica. Confiam na capacidade de a humanidade produzir novas soluções tecnológicas e econômicas a cada etapa, em resposta a cada problema que surge, permanecendo basicamente no mesmo paradigma civilizatório dos últimos séculos. Para outros, a questão ambiental representa quase uma síntese dos impasses que o atual modelo de civilização acarreta. Consideram que aquilo a que se assiste, no final do século XX, não é só uma crise ambiental, mas uma crise civilizatória. E que a superação dos problemas exigirá mudanças profundas na concepção de mundo, de natureza, de poder, de bem-estar, tendo por base novos valores individuais e sociais. Faz parte dessa nova visão de mundo a percepção de que o homem não é o centro da natureza. Para outros ainda, o homem deveria se comportar não como dono do mundo, mas, percebendo-se como parte integrante da natureza, resgatar a noção de sacralidade da natureza, respeitada e celebrada por diversas culturas tradicionais antigas e contemporâneas.Tanto uns quanto outros, porém, reconhecem que a forma clássica criada pela ciência ocidental para estudar a realidade, subdividindo-a em aspectos a serem analisados por diferentes áreas do conhecimento, não é suficiente para a compreensão dos fenômenos ambientais. A complexidade da natureza exige uma abordagem sistêmica para seu estudo, isto é, um trabalho de síntese, com os diversos componentes vistos como um todo, partes de um sistema maior, bem como em suas correlações e interações com os demais componentes e seus aspectos. Fazendo-se uma analogia entre um sistema natural em estudo e uma rede de pesca, da mesma forma que para conhecer a rede não basta observar os seus nós mas é fundamental iluminarem-se os fios que interligam esses nós, para se conhecer um sistema não basta observar suas partes, mas é preciso enxergar como elas se interligam e se modificam, em sua própria estrutura e sentido de ser, por causa dessas interações. De todo modo, os recursos naturais e o próprio meio ambiente tornam-se uma prioridade, um dos componentes mais importantes para o planejamento político e econômico dos governos. Passam então a ser analisados em seu potencial econômico e vistos como fatores estratégicos. O desnível econômico entre grupos sociais e entre os países, tanto em termos de riqueza quanto de poder, criam vetores importantes de pressão sobre as políticas econômicas e ambientais em cada parte do mundo. E, além do mais, o poderio dos grandes empreendimentos transnacionais torna os capazes de influir fortemente nas decisões ambientais que governos e comunidades deveriam tomar, especialmente quando envolvem o uso dos recursos naturais. A interdependência mundial se dá também sob o ponto de vista ecológico: o que se faz num local, num país, pode afetar amplas regiões ultrapassando várias fronteiras. É o que acontece, por exemplo, com as armas atômicas. Se um país resolve fazer um experimento atômico, o mundo todo sofre, em menor ou maior grau, as conseqüências dessa ação. Um desastre numa usina atômica contamina, num primeiro momento, apenas o que está mais próximo. Pessoas, alimentos, todas as formas de vida são afetadas. Num segundo momento, pelas correntes de água, pelos ventos e pelas teias alimentares, dentre outros processos, a contaminação pode chegar a qualquer parte do mundo. Com a constatação dessa inevitável interferência que uma nação exerce sobre outra por meio das ações relacionadas ao meio ambiente, a questão ambiental torna-se internacional. Portanto, ao lado da chamada “globalização econômica”, assiste-se à globalização dos problemas ambientais, o que obriga os países a negociar, a legislar de forma a que os direitos e os interesses de cada nação possam ser minimamente limitados em função do interesse maior da humanidade e do planeta. A ética entre as nações e os povos deve passar então a incorporar novas exigências com base numa percepção de mundo em que as ações sejam consideradas em suas conseqüências mais amplas, tanto no espaço quanto no tempo. Não é só o crime ou a guerra que ameaçam a vida, mas também a forma como se gera, se distribui e se usa a riqueza, a forma como se trata a natureza. A questão ambiental, isto é, o conjunto de temáticas relativas não só à proteção da vida no planeta mas também à melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida das comunidades compõe a lista dos temas de relevância internacional. É nesse contexto que se iniciam as grandes reuniões mundiais sobre o tema , em que se formaliza a dimensão internacional das questões relacionadas ao meio ambiente, o que leva os países a se posicionarem quanto a decisões ambientais de alcance mundial.
A educação como elemento indispensável para a transformação da consciência ambiental
Uma das principais conclusões e proposições assumidas internacionalmente é a recomendação de se investir numa mudança de mentalidade, conscientizando os grupos humanos para a necessidade de se adotarem novos pontos de vista e novas posturas diante dos dilemas e das constatações feitas nessas reuniões. Por ocasião da Conferência Internacional Rio/92, cidadãos representando instituições de mais de 170 países assinaram tratados nos quais se reconhece o papel central da educação para a “construção de um mundo socialmente justo e ecologicamente equilibrado”, o que requer “responsabilidade individual e coletiva em níveis local, nacional e planetário”. E é isso o que se espera da Educação Ambiental no Brasil, que foi assumida como obrigação nacional pela Constituição promulgada em 1988. Todas as recomendações, decisões e tratados internacionais sobre o tema evidenciam a importância atribuída por lideranças de todo o mundo para a Educação Ambiental como meio indispensável para se conseguir criar e aplicar formas cada vez mais sustentáveis de interação sociedade-natureza e soluções para os problemas ambientais. Evidentemente, a educação sozinha não é suficiente para mudar os rumos do planeta, mas certamente é condição necessária para tanto. A Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental de Tbilisi estabeleceu princípios que constam deste documento, no item “Orientação didática geral”. O Brasil, além de ser um dos maiores países do mundo em extensão, possui inúmeros recursos naturais de fundamental importância para todo o planeta: desde ecossistemas importantes como as suas florestas tropicais, o pantanal, o cerrado, os mangues e restingas, até uma grande parte da água doce disponível para o consumo humano. Dono de uma das maiores biodiversidades do mundo, tem ainda uma riqueza cultural vinda da interação entre os diversos grupos étnicos americanos, africanos, europeus, asiáticos, o que traz contribuições para toda a comunidade. Parte desse patrimônio cultural consiste no conhecimento importantíssimo, mas ainda pouco divulgado, dos ecossistemas locais: seu funcionamento, sua dinâmica e seus recursos. É preocupante, no entanto, a forma como os recursos naturais e culturais brasileiros vêm sendo tratados. Poucos produtores conhecem ou dão valor ao conhecimento do ambiente específico em que atuam. Muitas vezes, para extrair um recurso natural, perde-se outro de maior valor, como tem sido o caso da formação de pastos em certas áreas da Amazônia. Com freqüência, também, a extração de um bem (minérios, por exemplo) traz lucros somente para um pequeno grupo de pessoas, que muitas vezes nem são habitantes da região e levam a riqueza para longe e até para fora do país, deixando em seu lugar uma devastação que custará caro à saúde da população e aos cofres públicos. Além disso, a degradação dos ambientes intensamente urbanizados nos quais se insere a maior parte da população brasileira também é razão de ser deste tema. A fome, a miséria, a injustiça social, a violência e a baixa qualidade de vida de grande parte da população brasileira são fatores que estão fortemente relacionados ao modelo de desenvolvimento e suas implicações socioambientais. Nesse contexto, fica evidente a importância de se educar os futuros cidadãos brasileiros para que, como empreendedores, venham a agir de modo responsável e com sensibilidade, conservando o ambiente saudável no presente e para o futuro; como participantes do governo ou da sociedade civil, saibam cumprir suas obrigações, exigir e respeitar os direitos próprios e os de toda a comunidade, tanto local como internacional; e, como pessoas, encontrem acolhida para ampliar a qualidade de suas relações intra e interpessoais com o ambiente tanto físico quanto social. A preocupação em relacionar a educação com a vida do aluno, seu meio, sua comunidade ,não é novidade. Ela vinha crescendo especialmente desde a década de 60 no Brasil. Exemplo disso são atividades como os “estudos do meio”. Porém, a partir da década de 70, com o crescimento dos movimentos ambientalistas, passou-se a adotar explicitamente a expressão “Educação Ambiental” para qualificar iniciativas de universidades, escolas, instituições governamentais e não-governamentais pelas quais se busca conscientizar setores da sociedade para as questões ambientais. Um importante passo foi dado com a Constituição de 1988, quando a Educação Ambiental se tornou exigência constitucional a ser garantida pelos governos federal, estaduais e municipais (art. 225, § 1º, VI).
Hoje, de acordo com o depoimento de vários especialistas que vêm participando de encontros nacionais e internacionais, o Brasil é considerado um dos países com maior variedade de experiências em Educação Ambiental, com iniciativas originais que, muitas vezes, se associam a intervenções na realidade local. Portanto, qualquer política nacional, regional ou local que se estabeleça deve levar em consideração essa riqueza de experiências, investir nela, e não inibi-la ou descaracterizar sua diversidade. É necessário ainda ressaltar que, embora recomendada por todas as conferências internacionais, exigida pela Constituição e declarada como prioritária por todas as instâncias de poder, a Educação Ambiental está longe de ser uma atividade tranqüilamente aceita e desenvolvida, porque ela implica mudanças profundas e nada inócuas. Ao contrário, quando bem realizada, a Educação Ambiental leva a mudanças de comportamento pessoal e a atitudes e valores de cidadania que podem ter fortes consequências sociais.  




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