Reserva legal: as regras sobre vegetação nativa em áreas rurais


As reservas legais, áreas de preservação obrigatórias na zona rural, reconhecidas em lei desde os anos 1960, têm sido alvo de propostas legislativas que as flexibilizam e, no limite, procuram eliminá-las, apesar do avanço que elas representam para a manutenção do ambiente.
O senador Marcio Bittar (MDB-AC), em março de 2019, apresentou um projeto de lei que elimina as menções às reservas legais mínimas em propriedades rurais, algo que, se aprovado, deve acabar com sua obrigatoriedade em fazendas e outros imóveis do tipo no país. A justificativa para a eliminação, segundo o senador, é que a exigência de seu manejo é um “entrave” para a agropecuária e o crescimento do país, além de denotar interferência do Estado sobre a propriedade.
68,3% - da vegetação nativa no Brasil, em 2012, estava em áreas privadas voltadas para a produção agrícola; são 367 milhões de hectares. A tramitação do projeto de Bittar está em fase inicial — ele foi encaminhado na quarta-feira (4 de março 2019) a um relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. A proposta é alinhada com ideias difundidas no Executivo por Jair Bolsonaro (PSL) e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que defendem o fim de suposto “excesso” de proteção ambiental no país e apoio à agropecuária.
O que é uma reserva legal
A reserva legal é uma área com vegetação nativa (típica, natural do lugar onde fica o terreno) que todo imóvel rural deve manter a fim de preservar a fauna e a flora local, segundo o Código Florestal. A área pode ser explorada para fins econômicos, desde que de modo sustentável. A definição de reservas legais como elas são hoje existe desde 1965, quando passou a vigorar uma lei que havia atualizado o antigo Código Florestal, de 1934. Desde então, a manutenção dessas áreas se manteve em atualizações posteriores, até a última versão do código, de 2012. As reservas legais são consideradas um marco legal importante por seu papel no combate ao desmatamento em áreas privadas, na opinião de ambientalistas. Na lei de hoje, proprietários que o fazem em seus terrenos estão sujeitos a multa, apreensão (dos produtos da infração, por exemplo) e suspensão de suas atividades, entre outras sanções.
O que diz a legislação
As regras sobre reservas legais no Brasil estão definidas no quarto capítulo do novo Código Florestal (lei federal n. 12.651, de 2012), que estabelece a definição dessas áreas a partir de sua localização (Amazônia Legal ou não) e bioma (floresta, cerrado, campos). A Amazônia Legal é uma região de nove estados — Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão — onde há área da bacia e de vegetações amazônicas. Ela recebe diferente tratamento na lei por sua riqueza ambiental.
80% - da vegetação nativa deve ser preservada em imóveis rurais, na Amazônia Legal, situados em área de florestas.
35% - da vegetação nativa deve ser preservada em imóveis rurais, na Amazônia Legal, situados em área de cerrado.
20% - da vegetação nativa deve ser preservada em imóveis rurais, na Amazônia Legal, situados em área de campos gerais.
20% - da vegetação nativa deve ser preservada em outros quaisquer imóveis rurais, em todos os biomas, nas demais regiões do país.
As áreas são definidas no interior dos imóveis a partir de fatores como a bacia hidrográfica na localidade, a possibilidade de formação de corredores ecológicos com outras áreas protegidas, a fragilidade ambiental e a importância de cada trecho da terra para a biodiversidade.
Algumas regras acima podem variar em casos específicos — elas não valem para imóveis adquiridos para a construção de rodovias e podem ser mais flexíveis em casos em que o proprietário inclui seu imóvel no Cadastro Ambiental Rural, sistema federal de monitoramento, controle e combate ao desmatamento no país.
A exploração econômica nas reservas é permitida se houver manejo sustentável (ou seja, racional, com impacto ambiental mínimo), cuja atividade deve ser previamente declarada ao Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente) do Ministério do Meio Ambiente.
Nos casos de exploração para fins comerciais (e não para consumo), não basta declarar ao Sisnama — o sistema deve autorizar as atividades. É preciso garantir, segundo a lei, que a exploração não descaracterize vegetação na reserva, não prejudique a diversidade e esteja acompanhada de medidas para regenerar espécies nativas.
Além das reservas legais, o Código Florestal criou as APPs (áreas de proteção permanente), áreas que devem permanecer “intocadas”, sem exploração de nenhum tipo. São geralmente regiões sensíveis em um terreno, como nascentes e bordas de rios, entornos de lagos, topos de morros, manguezais, bordas de chapadas e tabuleiros, entre outras.
Qual o debate em torno da proposta
A propriedade - Para o senador Marcio Bittar, cuja proposta elimina por inteiro o quarto capítulo do Código Florestal, as regras sobre reserva legal são “excessivamente drásticas” e colidem com o direito à propriedade (um direito fundamental, inscrito no artigo 5º da Constituição), ao atribuírem ao Estado uma decisão sobre como um terreno comprado por seu proprietário deve ser administrado. Ele fala ainda que as regras ferem objetivos de crescimento econômico e geração de oportunidades. O senador não propõe a extinção das áreas de proteção permanente.
O meio ambiente - Eliminada a obrigatoriedade das reservas, o Código Florestal deve ser mais permissivo ao desmatamento em áreas rurais privadas — medida que, na prática, prejudica os ecossistemas (com menos árvores, há menos biodiversidade, menos chuvas, mais erosão do solo) e contraria o direito coletivo dos brasileiros ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da Constituição Federal). O Código Florestal define ainda que florestas e outras formas de vegetação nativa (artigo 2º) “são bens de interesse comum a todos os habitantes do país”.
A flexibilização do novo Código Florestal
Aprovado em 2012, o novo Código Florestal, que substituiu uma versão de 1965, ainda hoje recebe críticas de ambientalistas por ter, segundo eles, flexibilizado regras antes mais rígidas de proteção vegetal nativa. As principais críticas estão sobre aspectos como a anistia de multas para quem tenha desmatado áreas protegidas antes das novas regras, a diminuição da recomposição da vegetação desmatada e a redução das áreas de reservas legais e APPs em casos antes não previstos.
40 mil km² - foi a perda de mata nativa que o desmatamento causou na floresta amazônica em 2018, segundo o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia); área equivale a 13 cidades de Belo Horizonte.
83% - das derrubadas se converteram em áreas de pasto e agricultura; destruição atingiu mais áreas privadas ou sem destinação, assentamentos e unidades de conservação, segundo o instituto.
Um exemplo foi a inclusão de um trecho (artigo 15, parágrafo 5), a pedido do Amapá, durante a elaboração do novo código, que permite aos estados amazônicos reduzirem as reserva legal de 80% para 50% de suas propriedades rurais se mais de 65% dos territórios estaduais estiverem protegidos por unidades de conservação ou terras indígenas.
Anos depois, em 2018, um estudo publicado na revista Nature Sustainability, de pesquisadores da Universidade de São Paulo e de duas universidades suecas, afirmou que até 15 milhões de hectares de floresta tropical na Amazônia correm o risco de perder proteção se um artigo como esse for implementado nestes e nos próximos anos.
O desmatamento é um dos principais desafios do Brasil do ponto de vista ambiental — por causa dele, o país está entre os maiores emissores (7º) de gases do efeito estufa do mundo. Para cumprir com suas metas no Acordo de Paris, tratado internacional do clima de 2015, o Estado prometeu reflorestar 12 milhões de hectares até 2030. 

Fonte: Mariana Vick

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