ESPIRITISMO & ECOLOGIA: Construindo pontes de afinidade


Não é difícil perceber o primeiro traço comum entre Ecologia e Espiritismo: são ciências sistêmicas que procuram investigar, cada qual com sua ferramenta de observação, as relações que sustentam e emprestam sentido à vida. Essa visão sistêmica da realidade se revela de forma tão explícita nas duas ciências, que o que aparece em certas obras espíritas poderia perfeitamente embasar alguns postulados ecológicos.
Em A Gênese, uma das obras básicas da doutrina espírita, a relação de interdependência preconizada pelos ecologistas aparece descrita da seguinte maneira por Allan Kardec: “Assim, tudo no universo se liga, tudo se encadeia, tudo se acha submetido à grande e harmoniosa lei de unidade”.
Em outro trecho, afirma: ”De sorte que as nebulosas reagem sobre as nebulosas, os sistemas reagem sobre os sistemas, como os planetas reagem sobre os planetas, como os elementos de cada planeta reagem uns sobre os outros, e assim sucessivamente, até ao átomo”.
A percepção de uma realidade sistêmica em um universo onde a figura de Deus está presente é traço comum em todas as doutrinas ou tradições religiosas, e isso também inclui o Espiritismo. O físico austríaco Fritjof Capra afirma que: “A percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou religiosa. Quando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem a percepção de pertinência, de conexidade, com o cosmos como um todo, torna-se claro que a percepção ecológica é espiritual na sua essência mais profunda”.
Por espírito se entende a capacidade das energias primordiais e da própria matéria interagirem entre si, de se autocriarem (autopoiese), de se auto-organizarem, de se constituírem em sistemas abertos, de se comunicarem e formarem teias cada vez mais complexas de inter-retro- relações que sustentam o universo inteiro. O espírito é fundamentalmente relação, interação e auto-organização em diferentes níveis de realização.
No Livro dos Espíritos, Kardec afirma que “é assim que tudo serve, que se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo”. Na visão espírita, esse encadeamento de todos os seres se resolve de uma maneira que lembra, por vezes, o Evolucionismo de Darwin.
O darwinismo inspirou uma das perguntas feitas ao Espírito Emmanuel no livro O Consolador. A resposta se deu através da psicografia do médium Francisco Cândido Xavier: “A idéia de evolução, que tem influído na esfera de todas as ciências do mundo, desde as teorias darwinianas, representa agora uma nova etapa de aproximação entre os conhecimentos científicos do homem e as verdades do Espiritismo? E a resposta foi: “Todas as teorias evolucionistas no orbe terrestre caminham para a aproximação com as verdades do Espiritismo, no abraço final com a verdade suprema”.
A resposta sugere que, se não há plena identificação entre as diferentes correntes, há sinergia. Ou que a ciência da Terra avança na direção daquilo que a Espiritualidade afirma como verdade. Nas obras espíritas explica-se como a jornada evolutiva se desdobra pelos três reinos da natureza. O pesquisador Jorge Andréa dos Santos, médico e professor do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, traz informações importantes sobre este assunto: “O mineral possui tanto a vida quanto o vegetal e o animal. O princípio unificador, a essência que preside as formas e o metabolismo da flora e fauna existe também no reino mineral, presidindo as forças de atração e repulsão em que átomos e moléculas se unificam e equilibram. Do simples fenômeno químico até as manifestações humanas de nossos dias, existe o princípio espiritual regendo e orientando; claro que sob formas variáveis, elastecendo-se e ampliando-se à medida que a escala evolutiva avança.
A ideia de que os reinos da Natureza se apresentam como degraus da escada evolutiva também é elucidada pelo Espírito Áureo, através da psicografia de Hernani T. Sant’Anna: “Tais princípios sofrem passivamente, através das eternidades e sob a vigilância dos Espíritos prepostos, as transformações que hão de desenvolver, passando sucessivamente pelos reinos mineral, vegetal e animal e pelas formas e espécies intermediárias que se sucedem entre cada dois desses reinos. Chegam, dessa maneira, numa progressão contínua, ao período preparatório do estado de espírito formado, isto é, ao estado intermédio, da encarnação animal e do estado espiritual consciente. Depois, vencido esse estado preparatório, chegam ao estado de criaturas possuidoras do livre-arbítrio, com inteligência capaz de raciocínio, independentes e responsáveis pelos seus atos”.
A afirmação espírita de que todos nós passamos pelos diferentes reinos da natureza em uma progressão contínua determina o aparecimento de uma nova ética em relação a todas as criaturas existentes. Os demais seres vivos poderiam ser considerados nossos “irmãos em evolução”, que hoje estagiam em níveis inferiores já experimentados por nós. Francisco de Assis conversava com borboletas e pássaros há 800 anos, e deixou eternizado o “Cântico das Criaturas”. Seria ele um precursor desse novo olhar interligado, que reconhece as relações de “parentesco” entre todos os seres vivos? Pesquisas genéticas recentes confirmam esses surpreendentes graus de parentesco através do exame do DNA. Temos 30 mil genes e, embora no topo da cadeia evolutiva, nossa diferença para os ratos é de apenas 300 genes. Em relação aos vermes, são apenas 10 mil genes a mais.
O fato é que espíritas e ecologistas têm motivos de sobra para defender a mesma causa: a proteção da biodiversidade. Se para o ecologista a expressão “equilíbrio ecológico” revela a capacidade de um ecossistema se manter perene por si mesmo, sem que o homem interfira nesse software inteligente da vida comprometendo sua resiliência, para os espíritas há que se reconhecer algo mais: a importância da “escada” cujos degraus precisam suportar a evolução de outros que, como nós, têm o mesmo direito de existir e seguir em frente. Enquanto o abate de animais para a alimentação humana ainda for visto como uma necessidade, que se considere a forma mais ética de realizar esse procedimento, sem crueldade, eliminando ao máximo os riscos de dor e sofrimento.
O planeta está dentro de nós
Somos feitos rigorosamente dos mesmos elementos que constituem o planeta. A palavra homem, de onde vem “humanidade”, tem origem no latim húmus. A palavra Adão, que aparece simbolicamente no Velho Testamento como a primeira criatura humana, significa “terra fértil” em hebraico. Essa mesma terra – que empresta o nome ao planeta e à nossa espécie – se revela no mais rudimentar dos exames de sangue, quando descobrimos que por nossas veias transportamos minérios que jazem nas profundezas do solo. Ferro, zinco, cálcio, selênio, fósforo, manganês, potássio, magnésio e outros elementos são absolutamente fundamentais à nossa saúde e bem-estar. Se descuidamos da ingestão desses nutrientes – presentes em boa parte dos alimentos – nosso metabolismo fica exposto a diferentes gêneros de desequilíbrio e doenças.
O mesmo ocorre em relação à água. As primeiras estruturas microscópicas de vida do planeta apareceram nas águas salgadas e quentes dos mares primitivos. Também quente e salgado é o líquido que nos envolve durante todo o período de gestação no útero materno. O soro fisiológico – bem como o soro caseiro – salva vidas quando recompõe a tempo nossa necessidade deste precioso líquido. Por um capricho divino, a proporção de água no planeta (70%) é a mesma com que esse elemento se resolve em nosso corpo físico. Precisamos ingerir pelo menos 2,5 litros de água por dia para assegurar o bom funcionamento do metabolismo, irrigando células, glândulas, órgãos, tecidos. Também precisamos de uma quantidade mínima de água no ar que respiramos.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), se a umidade relativa do ar oscilar entre 20% e 30% deve-se considerar estado de atenção; entre 12 % e 20%, é estado de alerta; abaixo de 12%, é estado de emergência. É absolutamente desagradável – e ameaça a saúde – respirar num ambiente com pouco vapor d’água misturado ao ar.
O elemento fogo se revela simbolicamente em diferentes fenômenos fundamentais à manutenção da vida. Vem do sol a energia que sustenta todas as estruturas vitais do planeta, cujo núcleo é composto de uma grande massa de magma incandescente. O que se convencionou chamar de efeito estufa é a capacidade de a atmosfera reter parte do calor irradiado pelo sol. Trata-se de um fenômeno natural, que assegura a manutenção da temperatura média do globo na faixa de 15ºC. Não fosse possível reter esse calor através dos gases que compõem a atmosfera, a temperatura média do planeta seria de 23ºC negativos, reduzindo-se drasticamente a presença da vida na Terra. O aquecimento global é o agravamento do efeito estufa, causado principalmente pela queima progressiva de petróleo, carvão e gás, que gera inúmeros problemas à Humanidade através das mudanças climáticas. Por fim, somos animais de sangue quente graças ao trabalho ininterrupto de um poderoso músculo do tamanho de uma mão fechada, que irriga vida para todas as partes do corpo humano. O coração é a grande usina de calor do organismo, símbolo maior do amor e da nossa capacidade de doar, de nos entregar e de manifestar os mais nobres sentimentos.
O ar é o elemento mais urgente para a nossa existência. Podemos passar vários dias sem ingerir alimentação sólida, um número menor de dias sem líquidos, mas apenas alguns poucos instantes sem ar. Na milenar tradição mística da Índia, o prana – ou força vital – é absorvido através da respiração. Numerosas práticas de meditação preconizam a necessidade de respirarmos com consciência, entendendo a inspiração e a expiração como importante ferramenta de troca de energia com o meio que nos cerca. A respiração profunda regula o batimento cardíaco, harmoniza os centros de força (ou chacras) que acumulam e distribuem a energia vital, ajuda a clarear o raciocínio e a apaziguar as emoções.
Considerando a importância estratégica de todos esses elementos para nossas vidas, é forçoso reconhecer que sem água potável, terra fértil, ar respirável e incidência adequada de luz e calor nosso projeto evolutivo encontra-se ameaçado. As condições cada vez menos acolhedoras de nossa casa (oikos) tornam o ambiente hostil à vida humana por nossa própria imperícia, imprudência ou negligência. Sofremos as consequências dos estragos que determinamos ao meio que nos cerca porque, na verdade, o que está fora também está dentro. Não é mais possível separar a Humanidade do planeta. “O meio ambiente começa no meio da gente”.  

Fonte: André Trigueiro

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