Microplásticos - Um problema mundial
Há microplásticos na água da
torneira de todo o mundo, inclusive no Brasil. A água de torneira de cidades ao
redor do mundo está contaminada com fibras microscópicas de plástico, de acordo
com levantamento inédito da organização Orb Media no qual a Folha participou.
De 159 amostras de água potável coletadas em cinco continentes 83% continham
plástico.
A Folha colheu dez amostras
adicionais na capital paulista e as enviou para análise na Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de Minnesota (EUA), que centralizou o trabalho de
laboratório da iniciativa global.
Descobriu-se que 9 das 10
garrafas com 500 ml de água extraída de torneiras paulistanas continham fibras.
É uma proporção semelhante à encontrada no levantamento realizado fora do
Brasil.
A amostra com mais fibras saiu de
uma torneira de cozinha na região oeste de São Paulo. Depois vêm as garrafas de
água obtida em torneiras de banheiro do parque Ibirapuera e do Masp.
Os fragmentos de plástico já
haviam sido encontrados em quase todos os locais pesquisados: nos oceanos, no
gelo marinho, em lagos e rios remotos e na atmosfera. Mas, até agora, a água
potável, não tinha sido examinada.
De Nova York a Nova Déli, o
plástico está jorrando das torneiras. Cientistas dizem que não sabem como essas
fibras chegam até os encanamentos domésticos ou quais são os riscos reais para
a saúde humana.
Embora brasileiros não costumem
beber água de torneira, ela é empregada aqui para cozinhar, o que levaria à
ingestão das fibras. Além disso, o aquecimento pode liberar substâncias
aderidas à superfície do microplástico.
Os aparelhos empregados na
análise por Mary Kosuth, de Minnesota, com supervisão de Sherri Ann Mason, da
Universidade do Estado de Nova York em Fredonia, permitiam detectar somente
partículas maiores que 100 micrômetros de comprimento (o equivalente à
espessura de dois fios de cabelo).
SABESP
A Sabesp, empresa de saneamento
que atua em São Paulo e outros 366 municípios paulistas, não faz análises para
constatar a presença de microplásticos na água que trata. A companhia ressalva
que segue as exigências da portaria 2.914, baixada pelo Ministério da Saúde em
2011, que não faz menção a microplásticos.
No entanto, das 28 estações de
tratamento de água da Sabesp na região metropolitana de São Paulo, duas estão
equipadas com membranas de nanofiltração capazes de reter partículas.
Uma é a do Alto da Boa Vista
(sistema Guarapiranga), que abastece as regiões sul e sudoeste da capital mais
Itapecerica da Serra, Embu das Artes e Embu-Guaçu. Dos 16 mil litros por
segundo que processa, só 2.000 l/s passam pela membrana.
A outra estação com membranas é a
do sistema Rio Grande, que provê cidades como Diadema, São Bernardo do Campo e
Santo André. Ali, um décimo da água –500 l/s da vazão total de 5.000 l/s– é
submetido à nanofiltração.
A produção total de água potável
na região metropolitana é da ordem de 60.000 l/s, em média.
CONTAMINANTES
Especialistas suspeitam que as
fibras de plástico possam transferir produtos químicos tóxicos quando
consumidas por pessoas. São poucos fragmentos por litro, mas esse plástico
minúsculo é levado pelos rios até o mar, onde se acumula em animais que
ingerimos, como ostras.
Segundo Felipe Gusmão,
oceanógrafo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em Santos que não
participou do levantamento Orb, materiais plásticos têm grande afinidade
química com contaminantes presentes no ambiente, como pesticidas e metais pesados.
Gusmão diz que o programa
internacional Pellet Watch, que monitora plásticos em praias ao redor do
planeta, registrou algumas das amostras mais contaminadas entre as provenientes
do mar de Santos.
Um estudo de seu grupo na Unifesp
demonstrou que os contaminantes liberados por esses fragmentos, quando
recolhidos na areia de praias de Santos, são tóxicos para larvas de mexilhão.
Em estudos com animais, como
esse, "ficou claro desde cedo que o plástico liberaria esses produtos
químicos e que, de fato, as condições do intestino facilitariam uma liberação
bem rápida", disse Richard Thompson, pesquisador da Universidade de
Plymouth, no Reino Unido que foi um dos pioneiros na pesquisa de microplásticos
no oceano.
As fibras se juntam a uma longa
lista de poluentes que ameaçam as águas do mundo. Porém, os governos não sabem
ao certo o que os microplásticos significam para o bem-estar da população.
"Isso deve servir de
alerta", diz Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz de 2006. "Sabíamos
que esse plástico voltava para nós por meio da cadeia alimentar. Agora vemos
que está voltando para nós na nossa água de beber."
"Estudos sobre microplásticos
no ambiente de água doce ainda são incipientes, mas a informação disponível
sugere que a poluição por eles é ampla", alerta Gusmão, da Unifesp.
TRUMP
TOWER
A contaminação desafia a
geografia: o número de fibras encontrado em uma amostra da água de torneira do
Trump Grill, na Trump Tower de Manhattan (Nova York), foi igual ao encontrado
nas amostras de Beirute, no Líbano.
Em Washington foram detectadas 16
fibras em garrafas de água coletada em lavatórios no Capitólio, sede do
Congresso americano, e até da agência ambiental EPA. Ou seja, o triplo da pior
amostra de São Paulo.
A Orb também encontrou plástico
em água engarrafada e em casas que usam filtros de osmose reversa (aparelhos
que empregam membranas semipermeáveis para retirar partículas do líquido,
bactérias inclusive).
As agências reguladoras dos
Estados Unidos também não estabeleceram normas de segurança para partículas de
plástico na água potável.
"Não se pode decidir se esse
é um problema real até entender como ele afeta o organismo humano", disse
Albert Appleton, ex-superintendente do departamento de água da cidade de Nova
York.
"Temos dados suficientes,
vindos da análise da vida selvagem e dos impactos que ele está tendo sobre os
animais selvagens", diz Sherri Ann Mason. "Se isso está afetando [a
vida selvagem], como podemos achar que não vai nos afetar de alguma
forma?"
A cada ano, 270 milhões de
toneladas de plástico são produzidos no mundo. Mais de 40% é usado uma vez e
descartado, mas o plástico persiste no ambiente por séculos.
Pesquisadores encontraram fibras
de plástico em peixes do sudeste da Ásia ao leste da África e à costa da
Califórnia. Os microplásticos são tão densos em algumas partes dos Grandes
Lagos, na fronteira entre Estados Unidos e Canadá, quanto nos oceanos. "Ele
está em todos lugares", diz Mason.
ROUPAS
Existe apenas uma fonte
confirmada de poluição de fibras de plástico: as roupas de tecido sintético.
Elas soltam até 700 mil fibras por lavagem. Nos EUA, estações de esgoto retiram
mais da metade delas. O resto é despejado nas vias fluviais públicas –29
toneladas por dia.
Outra fonte pode ser o ar. Um
estudo de 2015 estimou que 3 a 9 toneladas de fibras sintéticas se depositam
sobre Paris a cada ano.
Isso pode explicar por que as
fibras são encontradas em fontes de água remotas ao redor do mundo. Mas a Orb
também encontrou fibras em amostras de águas subterrâneas. As fibras
microscópicas de plástico são realmente pequenas o suficiente para contaminar poços
e aquíferos? Estamos diante de um mar de incógnitas.
As fibras se acumulam no
intestino humano? São prejudiciais? Qual é o perigo, por exemplo, se as fibras
de plástico absorverem desreguladores endócrinos, moléculas capazes de alterar
o sistema hormonal, antes de chegarem à água de torneira? "Nunca pensamos
seriamente nesse risco antes", disse Tamara Galloway, ecotoxicologista da
Universidade de Exeter.
As cidades estão apenas começando
a atentar para a poluição por fibras de plástico. Uma diminuição da velocidade
do processo de tratamento de esgoto permitiria a captura de mais fibras de
plástico, disse Kartik Chandran, um engenheiro ambiental da Universidade
Columbia (EUA). Isso também poderia aumentar o custo.
O desafio é criar substâncias
mais seguras, mas que sejam tão convenientes quanto os plásticos de hoje.
As soluções iniciais incluem
bioplásticos, polímeros feitos de fontes como amido de milho ou raiz de
mandioca, e AirCarbon, um plástico biodegradável produzido a partir da coleta
de gases de efeito estufa. Em outros lugares, empresas estão usando proteínas
feitas de teia de aranha para fiar um tecido que talvez seja mais durável que
os sintéticos.
Enquanto isso, filtros domésticos
e para máquinas de lavar roupas, específicos para microfibras, estão ganhando
popularidade como forma de reduzir a poluição dos microplásticos.
"Já que o problema do
plástico foi criado exclusivamente pelos seres humanos, por causa da nossa
indiferença, ele pode ser resolvido pelos seres humanos, se prestarmos atenção
nele", recomenda o nobelista Yunus.
"Agora, o que precisamos é
de determinação para resolver isso antes de sofrermos as consequências."
A parceria entre a Orb Media e a
Folha busca analisar, mundialmente, o impacto dos microplásticos no ambiente e na
saúde humana.
DE ONDE
VEM E O QUE FAZER
Quantidades enormes de plástico
são ejetadas para o ar ou lançadas em rios e oceanos. Segue aqui dicas para
evitar que os microplásticos sejam problema ainda maior:
Menos saquinhos - As sacolas duram até 500 anos no oceano; a dica é
apostar nos recipientes reutilizáveis para transportar ou guardar comida.
Sem canudinho - Estima-se que todos os dias 1 bilhão de canudinhos
são descartados diariamente, e raramente é um aparato indispensável.
Tchau, lã sintética - Centenas de fibras sintéticas são produzidas
a cada lavagem. O ideal é lavá-las com menos frequência ou procurar filtros
para as máquinas de lavar. Há plástico na atmosfera, provavelmente proveniente
das roupas sintéticas. Em Paris, estima-se que há mais de 3 toneladas sendo
ejetadas no ar a cada ano.
Escova natureba - Alternativas à escova de dente de plástico, que
raramente é reciclada corretamente, incluem escovas de material alternativo,
como bambu ou linho.
Tinta na lata - Látex e tinta acrílica são plástico líquido. Ao
lavar pincéis, vão ralo abaixo e poluem as águas. Pode-se buscar um descarte
alternativo ou tintas não plásticas. As tintas, além de marcar o asfalto e
revestir navios e paredes, tintas também se acumulam. Elas totalizam cerca de
10% do total da poluição do tipo.
Carregue a garrafa - É preferível que se use garrafas de vidro ou
que se reutilize uma mesma garrafa de plástico várias vezes para evitar a
decomposição em microplásico.
Carona - Ao pegar carona e utilizar transporte público, além de
incentivar amigos a fazerem o mesmo, atenua-se o impacto dos microplásticos
produzidos por pneus, pois os mesmos são levados pela água para os bueiros,
segue para córregos, rios e oceanos. A cada 100 km rodados, são produzidos mais
de 20 gramas de pó.
Microplásticos secundários - 7 milhões de toneladas de plástico são
depositadas anualmente em rios, lagos e oceanos. As partículas até entram na
cadeia alimentar. Alguns produtos de limpeza nos EUA e no Canadá continham
microplásticos, mas foram banidos. Segundo estimativas, 8 trilhões de
microesferas poluíam vias fluviais americanas.
Fonte: Marcelo Leite, Dan Morrison, Chris Tyree, Phillippe
Watanabe, Gabriel Alves e Beatriz Izumino - Folha UOL
Gente adorei o a alerta, não sabia de tudo isso, vim ao site procurando a palavra-chave liberação dos mesopredadores e acabei lendo essa reportagem! Obrigada!
ResponderExcluirContinuem postando matérias interessantes como essa!
Abraço!