Brasil precisa repensar suas restrições ao mercado de carbono
Durante as negociações sobre o
clima nas Nações Unidas no fim de novembro 2016, nós ouvimos uma clara mensagem da
ciência: o aquecimento global está aumentando em uma escala alarmante, mais
rápido do que o previsto.
Os cenários são bastante
preocupantes, com o derretimento de calotas polares, maior frequência de super
tempestades e outros eventos climáticos extremos. Eles têm sido responsáveis
por grandes ondas migratórias humanas para cidades com pouca capacidade de
absorvê-las, resultando em conflitos, guerras civis e até o colapso de
sociedades inteiras como o que temos visto na Síria.
Os compromissos feitos pelos
países participantes do Acordo de Paris, se totalmente implementados, podem
reduzir as tendências atuais pela metade. Isso não é, entretanto, suficiente.
Precisamos multiplicar esses compromissos por dois. E isso requer novas
abordagens e pensamentos inovadores agora mesmo.
O Brasil poderia se posicionar
como líder em desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. Reduzir o
desmatamento é a chave para alcançar as enormes reduções em curto prazo que a
ciência demanda. Ele pode ser reduzido rapidamente como o caso da Amazônia
brasileira bem ilustra.
O desmatamento caiu de 27.000 km²
para 6.000 km² no período de 2005 a 2015, resultando na redução de emissão de
5,6 bilhões de toneladas de CO2 – mais do que o alcançado pelo sistema de
comercialização de emissões da União Europeia.
O problema é que reduzir o
desmatamento custa dinheiro – não se trata de simplesmente reforçar a
legislação. Mudar de uma era de expansão da agricultura como meio para o
desenvolvimento econômico para uma onde florestas valem mais em pé do que
derrubadas é extremamente caro.
Dezenas de bilhões de dólares são
injetados na criação de gado e na agricultura todo ano. Enquanto isso, do lado
da floresta, populações extremamente pobres precisam melhorar suas condições de
vida, especialmente em termos de educação e saúde.
Neste cenário, o desmatamento
voltou a crescer na Amazônia, com números que não eram vistos desde 2010.
Estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que o
crescimento foi de 29% em 2016. No período de agosto de 2015 a julho deste ano,
o instituto registrou uma taxa de 7.989 km² de remoção total da cobertura da
floresta.
O estado do Pará teve 3.025 km²
de sua área devastada, o que representa a maior área de desmatamento na
Amazônia Legal. O Amazonas é o estado que teve o maior aumento, com uma
devastação 54% superior à registrada no ano anterior.
Precisamos agregar valor aos
serviços ambientais oferecidos pelas florestas, como a sua habilidade de
capturar e armazenar o carbono que está aquecendo nosso planeta. A Redução de
Emissões por Desmatamento e Degradação, além da conservação da floresta e da
valorização dos estoques de carbono, é conhecida no sistema ONU como REDD+. Os
projetos de REDD+ previnem que o desmatamento aconteça onde há ameaças como a
agricultura.
Investir na proteção das
florestas tem sido comprovadamente muito mais vantajoso para o planeta e para
as pessoas do que outras abordagens. Os projetos REDD+, por exemplo, ajudam a
manter os regimes de chuvas tropicais, conservar a diversidade biológica e
gerar oportunidades de renda. REDD+ é, portanto, um condutor de desenvolvimento
sustentável em áreas florestais.
Trabalhamos com centenas de
comunidades tradicionais cujas vidas têm sido transformadas desde que foram
capacitados para conservar a floresta e ganhar dinheiro da agricultura
sustentável. Além disso, a redução das emissões pode acontecer de forma muito
mais rápida e a custos mais baixos do que qualquer outra alternativa.
O desafio é desbloquear o
financiamento privado para atividade de REDD+. O maior fundo operacional para
REDD+ é o Fundo Amazônia (1,8 bilhão de reais), financiado majoritariamente
pela Noruega, com suporte adicional da Alemanha e da Petrobras. O Fundo captou
cerca de 6% do total de emissões verificadas pelo Brasil. Mas é improvável que
muitas outras “Noruegas” participem para preencher a lacuna de financiamento.
É por isso que não podemos
ignorar o potencial que um regime de mercado de carbono bem estruturado pode
ter para o financiamento desses projetos de conservação vitais na Amazônia,
África Central e Sudeste Asiático. Nossos vizinhos com quem dividimos a
floresta Amazônica reconhecem a importância desse mecanismo de financiamento. O
Brasil não atingirá seus compromissos sem ele.
E é também por isso que a
Fundação Amazonas Sustentável (FAS), o Estado do Amazonas e a BV Rio lançaram
um novo registro online de projetos REDD+ para o Amazonas. A plataforma também
inclui um sistema de negociação para reduções de carbono, que poderia gerar o
financiamento que projetos de conservação da floresta tanto precisam.
Aproveitamos a oportunidade das
negociações na ONU para entusiasmar o governo brasileiro para que mude sua
posição e permita mecanismos de mercado mais amplos para REDD+. Isso foi feito
em uma carta aberta, assinada por diversas organizações como a FAS, o Instituto
de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Fundação SOS
Mata Atlântica e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Investir na mitigação por meio de
REDD+ pode servir para preencher a lacuna entre compromissos nacionais para
redução de emissões e os exigidos pela ciência. REDD+ deve ser visto como uma
forma complementar a todos os setores para um avanço à descarbonização
profunda.
Para garantir reduções efetivas,
devem ser executados com rigor técnico e científico, evitando dupla contagem.
Devem ser direcionados a setores específicos como aviação e ter salvaguardas
tanto sociais quanto ambientais, para que os benefícios alcancem adequadamente
populações indígenas e tradicionais, as guardiãs da floresta.
Em contraste com outras opções,
REDD+ também oferece co-benefícios que são importantes para impulsionar a
resiliência e reduzir as desigualdades sociais globalmente. Tornar mais “verde”
o setor energético não será o suficiente e leva muito tempo. Precisamos tomar
atitudes corajosas e inovadoras agora enquanto ainda há tempo. E o Brasil deve
liderar essa transição para economia verde, sendo um dos países com a maior
biodiversidade do mundo.
Fonte: Virgilio Viana – Fundação Amazonas Sustentável
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