Como o lixo que produzimos consegue chegar ao lugar mais isolado da Terra
Se você um dia já pensou em dar
um tempo em algum lugar remoto, longe de tudo, provavelmente ficou surpreso com
o fato de que existem poucas alternativas. O ponto mais distante da terra
firme, por exemplo, é conhecido como “polo oceânico de inacessibilidade”. Fica
a 1,6 mil km equidistantes das costas de três ilhas já bem isoladas: a ilha
Ducie (um atol que integra as ilhas Pitcairn), ao norte; Motu Nui (posse
chilena perto da Ilha de Páscoa), a nordeste; e a ilha de Maher (na costa da
Antártida), ao sul.
Como o nome parece pomposo
demais, o lugar recebeu o apelido de “Ponto Nemo”, em homenagem ao famoso
anti-herói dos romances de Júlio Verne, o Capitão Nemo. O nome significa “ninguém”
em latim, o que cai bem para um local raramente visitado por humanos.
Trata-se de um lugar peculiar: o
Ponto Nemo é tão distante da terra firme que os seres humanos mais próximos
dali são, em geral, os astronautas. A Estação Espacial Internacional percorre a
órbita terrestre a uma distância máxima de 416 km do nível do mar. Já o pedaço
de terra habitado mais próximo de Nemo fica a 2,7 mil quilômetros dali.
Cemitério espacial – Por causa disso, toda a região em torno do lugar
é bastante conhecida dos astrônomos. As agências espaciais da Europa, da Rússia
e do Japão o utilizam há muitos anos como “lixão” porque é o ponto do planeta
com menos habitantes humanos e uma das rotas de navegação mais tranquilas.
Cientistas acreditam que mais de
cem naves e equipamentos espaciais descontinuados agora ocupem esse
“cemitério”, de satélites expirados à falecida estação espacial Mir.
Segundo a arqueóloga espacial
Alice Gorman, da Universidade Flinders, na Austrália, esses destroços estão em
pedaços e espalhados pelo leito do oceano.
“Naves espaciais não sobrevivem
inteiras à reentrada na atmosfera”, afirma. “A maioria se incendia por causa do
intenso calor. Os componentes que resistem melhor são tanques de combustível e
veículos de pressão, geralmente feitos de liga de titânio ou fibra de carbono.”
Enquanto os fragmentos menores da
Mir acabaram pegando fogo, as partes maiores teriam sido levadas pelas
correntes marítimas até as praias das ilhas Fiji, enquanto o resto da nave de
143 toneladas afundou.
“Assim como navios naufragados,
esses destroços criam habitats que acabam sendo colonizados por seres que vivem
naquela profundidade”, diz ela. “A menos que haja vazamento de combustível
residual, não há riscos para a vida marinha”.
Habitat extremo – E quem é que realmente vive no Ponto Nemo?
Segundo o oceanógrafo Steven
D’Hondt, da Universidade de Rhode Island (EUA), provavelmente não muitos seres.
Isso ocorre porque o ponto fica
dentro do giro do Pacífico Sul, uma enorme corrente oceânica rotatória que é
limitada pela Austrália e pela América do Sul, pela linha do Equador e pela
forte corrente circumpolar antártica.
As águas do giro são estáveis,
com uma temperatura de 5,8ºC na superfície, segundo dados coletados pela Nasa
(agência espacial americana). A corrente rotatória impede a entrada de águas
mais quentes e ricas em nutrientes.
Além disso, como a região é tão
isolada da terra firme, o vento não leva muita matéria orgânica até lá. Por
isso, há pouco alimento disponível. O leito também é praticamente desabitado.
“Trata-se da região menos biologicamente ativa de todos os oceanos do mundo”,
afirma D’Hondt.
Mas algumas criaturas peculiares
conseguem sobreviver em pontos da região.
O Ponto Nemo fica próximo ao
extremo sul de uma linha submarina de atividade vulcânica que marca a fronteira
entre as placas tectônicas do Pacífico e de Nazca. Uma boa quantidade de magma
se instala nas fissuras e cria sistemas de ventilação hidrotermal que expelem
água quente e minerais.
Trata-se de um ambiente de
condições extremas, mas propício à proliferação de bactérias. Estas, por sua
vez, sustentam criaturas maiores como o caranguejo-yeti (Kiwa hirsuta),
observado pela primeira vez em 2005.
Lixão da humanidade – Infelizmente, o que mais parece estar se
acumulando por ali é lixo. Estudo publicado em 2013 confirmou a presença de uma
faixa de lixo dentro do Giro do Pacífico Sul. O maior acúmulo ocorre no centro,
a 2,5 mil km do Ponto Nemo.
Os resíduos são essencialmente de
plásticos carregados das áreas costeiras e de navios. A corrente rotatória
acaba aprisionando o lixo e fragmentando tudo em pequenos pedaços.
Especialistas há muito discutem o
desafio geográfico de encontrar o “meio” do oceano. Mas com novas tecnologias,
eles conseguiram solucionar o problema. O polo oceânico de inacessibilidade foi
descoberto oficialmente em 1992 pelo engenheiro de campo Hrvoje Lukatela, com o
uso de um software especializado, que leva em conta o formato elíptico do
planeta para ter precisão máxima.
É pouco provável que o ponto mude
de lugar no futuro próximo. A localização equidistante de três pontos é algo
bastante singular, e não há outros pontos na superfície da Terra que possam, em
princípio, substituir o Ponto Nemo, explica Lukatela. É possível que novas
ferramentas de medição – ou até a erosão costeira – acabe modificando
ligeiramente a exata posição do local, por uma questão de metros.
Fonte: G1
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