Saneamento fica sem medalha
Rio de Janeiro, Brasil, 26/7/2016 – Perdeu-se a oportunidade de dar um empurrão
decisivo na descontaminação da emblemática baía de Guanabara e das lagoas da
cidade, tal como estabelecia o plano com que a cidade ganhou o direito de ser
sede da Olimpíada 2016.
É um fracasso que possivelmente
terá escassa repercussão para moradores e visitantes, diante da maior
visibilidade dos projetos de transporte urbano e revitalização do centro
carioca. O fato confirma uma tradição nacional de relegar o saneamento nas prioridades
governamentais. Até agora, somente metade da população brasileira conta com
esgoto e apenas uma pequena parte do que o sistema transporta é tratada.
“O ambiente não paga impostos e
nem vota, por isso não atrai a atenção de nossos líderes políticos, nem da
sociedade”, queixou-se o biólogo Mario Moscatelli, ativista do tema hídrico no
Rio de Janeiro. Nem mesmo a lagoa de Jacarepaguá, em cujas margens foi
construído o Parque Olímpico, coração dos Jogos da 31ª Olimpíada da era
moderna, na zona oeste da cidade, foi devidamente tratada. Os rios e riachos
continuam despejando água suja na lagoa o tempo todo, contou à IPS.
O aeroporto internacional Antônio
Carlos Jobim, o Galeão – onde chegará a maioria dos atletas e torcedores estrangeiros
para os Jogos, está em uma das áreas mais contaminadas da baía de Guanabara,
embora os visitantes não cheguem a notar isso. Localizado na ponta oeste da
Ilha do Governador, onde viviam 212.754 pessoas em 2010, segundo o censo
oficial, o aeroporto tem por vizinhos canais onde é despejado esgoto sem
tratamento e o lixo de milhões de residências de bairros e cidades, através de
rios convertidos em cloacas.
Pela estrada que leva ao centro
da cidade pode-se vislumbrar o canal do Fundão, de águas negras e mau cheiro,
que persistem apesar de uma recente dragagem por causa do que chega do
conectado canal de Cunha. Neste convergem os dejetos de cinco rios que cruzam
bairros muito povoados, incluindo várias favelas e indústrias. Atrás do Galeão,
ao norte, o bairro de pescadores de Tubiacanga, sintetiza as tragédias
ambientais da baía de Guanabara, que tem 412 quilômetros quadrados e se estende
entre os bairros de Copacabana e Itaipu.
“Tínhamos sete ou oito metros de
profundidade, agora na maré baixa pode-se andar com água pelo peito” na parte
mais estreita do canal, entre a Ilha do Governador e Duque de Caxias, a cidade
próxima em terra firme, contou à IPS o pescador Sergio Souza dos Santos, de 66
anos, dois terços vividos em Tubiacanga. A sedimentação por aterros, a lama
trazida pelos rios e o lixo reduziram a profundidade da baía explicou.
“Tubiacanga fica no encontro das
águas sujas, das marés que sobem desde a entrada da baía, inclusive por vários
canais, incluído o do Fundão, e a água dos rios. Isso acumula sedimento e lixo
diante do bairro”, cuja praia de areias brancas se converteu em lodaçal e lixão
em poucas décadas, lamentou Santos. A baía recebe 90 toneladas de lixo e 18 mil
litros de esgoto sem tratamento por dia, principalmente através dos 55 rios e
canais que desembocam em suas águas, destacou Sergio Ricardo de Lima,
ecologista fundador do Movimento Baía Viva.
Descontaminar 80% dos efluentes
lançados na baía de Guanabara foi a meta anunciada no projeto olímpico.
Chegou-se a 55%, declarou o ministro do Esporte, Leonardo Picciani, em um
encontro com jornalistas estrangeiros, no dia 7 deste mês. “Só creio no que
vejo: dos 55 rios da bacia, 49 se converteram em cursos de efluentes sem vida”,
protestou Moscatelli, que assim deu voz ao ceticismo dos ambientalistas.
“A meta de 80% não era realista.
Descontaminar totalmente a baía exigiria de 25 a 30 anos, com investimentos
equivalentes a US$ 6 bilhões em saneamento, admitiu André Correa, secretário de
Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, ao inaugurar, no dia 20 deste mês,
uma ecobarreira no rio Meriti, uma das vias de contaminação.
As ecobarreiras são boias presas
em cadeia que retêm o lixo flutuante e constituem uma medida de emergência para
garantir que os esportes náuticos das Olimpíadas possam acontecer em alguns
pontos da baía. Barcos recolhem o lixo retido e enviam para reciclagem. As 17
ecobarreiras prometidas são insuficientes e para sua melhor eficácia teriam que
ser instaladas onde se concentra o lixo flutuante, como em Tubiacanga, e não
perto da entrada da baía, onde acontecerão as competições náuticas, apontou
Lima.
Sua implantação no rio Meriti
atende esse critério do ambientalista. Mas se trata de uma “ação paliativa”, a
solução é promover a coleta seletiva nas fontes, isto é, nas residências, no
comércio e nas indústrias, e reciclar o máximo dos resíduos sólidos, como estabelece
uma lei a respeito aprovada em 2010. “Atualmente só se recicla 1% do lixo da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, que tem 12 milhões de habitantes, lembrou Lima.
A descontaminação da baía de
Guanabara é um velho sonho. Foi a meta de um projeto iniciado em 1995 e que já
custou US$ 3 bilhões, ao câmbio atual. Mas não foi evitada a deterioração
ambiental da água e das praias locais. Oito estações de tratamento de efluentes
(ETE) foram construídas ou ampliadas para melhorar a qualidade de sua água. Mas
sempre operaram com pequena parte de sua capacidade, porque não foram
construídos os troncos coletores necessários para recolher o esgoto e levá-lo
às ETE, segundo Lima.
A contaminação da baía se agrava
pelos vazamentos de petróleo. Além de uma refinaria e de um polo petroquímico
instalados nas margens, em Duque de Caxias, em toda a frente do bairro de
Tubiacanga, a baía de Guanabara é crescentemente cruzada por dutos
transportando óleo, derivados e gás. Até hoje se sente os danos de um grande
vazamento de petróleo ocorrido em janeiro de 2000 que teve impacto direto em
Tubiacanga e na captura de seus pescadores.
“Os que mais sofrem as
consequências da contaminação e melhor conhecem a baía de Guanabara, os
pescadores, não são ouvidos, estamos encurralados, ameaçados de extinção”,
concluiu Souza dos Santos, que incentiva seus quatro filhos a deixarem o ofício
da pesca.
Fonte: Mario Osava - IPS
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