Planta presente no Brasil é capaz de colonizar áreas desmatadas
As espécies de árvores nativas
pioneiras, que têm capacidade de colonizar ambientes degradados em razão de sua
alta capacidade reprodutiva e crescimento rápido, entre outras características,
têm sido priorizadas em programas de restauração de florestas tropicais
desmatadas. Isso porque essas árvores facilitam a transição da terra desmatada
para a floresta em recomposição ao estabilizar o terreno e melhorar a
conectividade entre os fragmentos florestais restantes, além de aumentar a
permeabilidade do solo e contribuir para iniciar a montagem de redes de
polinizadores e dispersores de sementes de plantas, apontam especialistas na
área.
Apesar da importância ecológica
dessas espécies pioneiras pouco se sabe, por exemplo, sobre como elas mantêm a
diversidade genética nas populações naturais e o fluxo genético entre
fragmentos florestais distantes uns dos outros, por exemplo, pondera Rodolfo
Jaffé, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV).
“Ter conhecimento da genética
dessas espécies é fundamental para conseguir uma restauração mais eficiente ou
a recuperação de funções ecossistêmicas-chave em curto ou médio prazo”, disse
Jaffé à Agência FAPESP.
“É claro que esses ecossistemas
recuperados por meio das espécies de árvores nativas pioneiras nunca serão iguais
aos originais. Mas a ideia é chegar o mais próximo possível”, afirmou Jaffé,
que realizou pós-doutorado no Instituto de Biociências da Universidade de São
Paulo (IB-USP) com Bolsa da FAPESP.
O pesquisador, em parceria com
colegas da University of Texas em Austin, nos Estados Unidos, onde fez um
estágio de pesquisa também com Bolsa da FAPESP, estudou os padrões de
diversidade e diferenciação genética da espécie de árvore nativa pioneira
Miconia affinis (conhecida popularmente no Brasil como jacatira-branca), que
ocorre na região do Canal do Panamá, na América Central.
Os resultados do estudo foram
descritos em um artigo publicado na revista PLoS One.
“A região do Canal do Panamá, que
é um hotspot de biodiversidade global, perdeu em torno de 30% das suas
florestas nos últimos 50 anos em razão do avanço da agropecuária, e isso tem
resultado em uma forte erosão e em um acúmulo muito grande de sedimentos nos
córregos e canais, influenciando negativamente todo a bacia e o sistema hídrico
da região”, afirmou Jaffé.
“Por isso, o governo do país tem
interesse em recuperar as áreas desmatadas para diminuir a erosão e o acúmulo
de sedimentos no Canal, e as espécies de árvores nativas pioneiras presentes na
região seriam boas candidatas para serem usadas em programas de restauração”,
explicou.
A fim de avaliar se áreas
desmatadas constituem uma barreira para as populações dessa espécie de árvore
que mede entre 3 e 6 metros de altura e está amplamente distribuída na região
neotropical (que vai desde o México ao Brasil), os pesquisadores coletaram
folhas de cerca de 30 árvores em período de inflorescência e infrutescência de
11 populações diferentes, espalhadas pela região do Canal do Panamá.
Em seguida, extraíram o DNA das
folhas e utilizaram marcadores moleculares microssatélites, pequenas regiões do
DNA, que variam de um indivíduo para outro, para obter uma assinatura genética
(genótipo) de cada uma delas.
Por meio de mapas de alta
resolução da cobertura florestal e elevação da região do Canal do Panamá, além
de ferramentas de genética da paisagem, eles avaliaram a influência de fatores
como a distância geográfica, a altitude e o desmatamento sobre a estrutura e a
diversidade genética dessas populações de árvores.
Os resultados das análises
estatísticas indicaram que a diferenciação genética dessa espécie de árvore que
geralmente coloniza clareiras, áreas ciliares e encostas expostas, aumentou
significativamente de acordo com a altitude e a distância geográfica entre as
populações.
“Isso quer dizer que, quanto mais
afastadas, mais diferenciadas geneticamente são as populações dessa espécie de
planta, e quanto mais próximas, mais parecidas são geneticamente. Esse padrão,
chamado de isolamento por distância, é esperado para a maioria das populações
de plantas”, afirmou Jaffé.
As análises também indicaram que
a Miconia affinis apresenta níveis mais elevados de diversidade genética
intrapopulacional e menores níveis entre populações do que muitas espécies de
plantas pioneiras.
Curiosamente, o nível de
diferenciação genética entre populações da planta, que, no Brasil, ocorre na
Mata Atlântica, Cerrado e na Amazônia, foi menor do que a média relatada para
árvores tropicais, mas semelhante ao de espécies tropicais pioneiras com dispersão
mediada pelo vento, apontaram os pesquisadores.
“Esse alto nível de diversidade
genética e baixo nível de diferenciação genética entre as populações da planta
é devido, provavelmente, à propensão das espécies para colonizar paisagens
recentemente desmatadas, levando a um aumento na conectividade entre as
populações em toda a região”, estimam os pesquisadores.
Efeito da altitude – Os pesquisadores também constataram que a
elevação influencia a diferenciação genética em populações da planta.
As populações da planta
localizadas em pontos mais altos eram geneticamente mais diferenciadas do que
as situadas em lugares com altitude menor, independentemente da distância que
as separam, afirmou Jaffé.
“Uma das razões para isso é que a
temperatura mais baixa e a maior precipitação em locais de alta altitude, em
comparação com locais de baixa altitude, podem afetar o trabalho dos
polinizadores e dos dispersores de sementes dessa espécie de planta”, explicou
o pesquisador.
A Miconia affinis é visitada por
uma grande diversidade de abelhas sociais e solitárias, e as sementes de seus
frutos são dispersas por uma variedade de espécies de pássaros, morcegos e
macacos.
A temperatura mais baixa e a
maior precipitação em locais mais elevados podem afetar as condições de voo dos
insetos e diminuir a abundância de polinizadores nessas regiões.
Temperatura e precipitação também
fazem com que a floração das plantas aconteça antes da que ocorre em locais com
mais baixas altitudes, apontou o pesquisador.
“Isso faz com que os
polinizadores fiquem só no lugar onde ocorre a floração primeiro e que não
visitem as populações de plantas localizadas em locais mais baixos, onde ainda
não há flor. E essa diferença na fenologia [floração das plantas] pode
influenciar suas estruturas genéticas”, afirmou.
Os pesquisadores não encontraram
evidências do efeito do desmatamento sobre a diferenciação genética de
populações da planta.
Uma das hipóteses levantadas por
eles é que a alta capacidade de dispersão e colonização dessa espécie de planta
promove o fluxo de genes da árvore em toda a região do Canal do Panamá,
independentemente da cobertura florestal.
“As populações dessa espécie de
planta conseguem manter fluxo genético mesmo através de áreas desmatadas”,
disse Jaffé. “Os polinizadores e dispersores de sementes conseguem visitar as
plantas, atravessar áreas desmatadas e polinizar as plantas de populações
situadas em outros locais”, afirmou.
Os pesquisadores também
observaram que essa espécie de planta, que vive, em média, 64,3 anos, e gera
sementes pela primeira vez em seis anos, também em média, é capaz de manter
alta diversidade genética, independentemente da quantidade de floresta que a
circunda.
“Esse conjunto de características
torna a Miconia affinis uma ótima candidata para ser usada em programas de
reflorestamento”, disse Jaffé.
Fonte: Agência FAPESP
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