O bom e o ruim da transição energética
Colônia, Alemanha, 12 de julho de
2016 – Immerath, a cerca de 90 quilômetros da cidade alemã de Colônia, se
tornou um povoado fantasma. O sino da igreja local já não soa nem se vê
crianças de bicicleta em suas ruas. Os antigos moradores levaram, inclusive,
seus mortos do cemitério. Devido à expansão de Garzweiler, uma mina de lignito
(carvão fóssil altamente contaminante) a céu aberto, foram reassentados em Nova
Immerath, a alguns quilômetros da localização do povoado original, na Renânia
do Norte-Westfalia, que tem Colônia como capital.
A sorte da pequena localidade,
que em 2015 tinha 70 habitantes, é o retrato dos avanços, retrocessos e
contradições da transição energética alemã, tão exaltada no mundo. Desde 2011,
a Alemanha conta com uma política integral de transição energética, apoiada por
um amplo consenso político, destinada a avançar para uma economia de baixo
carbono, que incentivou a geração e o consumo de energia alternativa. Mas a
transição até agora não ajudou o país a se libertar da indústria do carvão e do
lignito.
“As fases iniciais da transição
energética até agora tiveram êxito, com forte crescimento das renováveis, amplo
respaldo social para a ideia da transição e metas de médio e longo prazos
importantes por parte do governo”, explicou à IPS a analista Sascha Samadi do
não governamental Instituto Wuppertal, dedicado a estudos sobre transformação
energética.
A geração renovável forneceu 30%
de toda eletricidade alemã em 2015, enquanto o lignito respondeu por 24%, o
carvão por 18%, a energia nuclear, 14%, o gás, 8,8%, e o restante por outras
fontes. A Alemanha é a terceira potência mundial em energias renováveis
(excluída a hidrelétrica) com a terceira posição em energia eólica e biodiesel
e a quinta em geotermia. Além disso, ficou famosa por ter a maior capacidade
por habitante em energia fotovoltaica (solar), apesar de seu clima não ser o
mais propício para isso.
Mas a persistência de fontes
fósseis ensombrece essa matriz energética verde. “A retirada de combustíveis
fósseis tem de ser muito bem planejada e organizada. Se não promovermos as
renováveis, teremos que importar energia em algum momento”, afirmou à IPS o
ministro para a Proteção Climática e o Ambiente da Renânia do Norte-Westfalai,
Johannes Remmel.
A Alemanha tem nove minas de
lignito que funcionam em três regiões, empregando aproximadamente 16 mil
pessoas. As minas geram 170 milhões de toneladas anuais e suas reservas passam
de três bilhões de toneladas. China, Grécia e Polônia são outros grandes
produtores mundiais desse mineral. Garzweiler, propriedade da companhia privada
RWE, produz 35 milhões de toneladas anuais de lignito.
À distância pode-se avistar as
paredes fatiadas e um solo coberto por fuligem, à espera de que uma enorme
mandíbula de aço o devore para começar a separar o lignito. Essa instalação
alimenta as geradoras elétricas das centrais vizinhas de Frimmersdorf, Neurath,
Niederaussen e Weisweiller, entre as mais contaminantes do país. A RWE é uma
das quatro grandes geradoras energéticas alemãs, junto com E.ON, EnBW e Vattenfall,
esta última baseada na Suécia.
A sorte do carvão é diferente. O
governo já definiu que o ano de seu fim será 2018, quando deixarão de operar as
únicas duas minas ainda em atividade. A bacia do rio Reno, onde ficam Renânia
do Norte-Westfalia e Renânia-Palatino, entre outros Estados, é o motor
tradicional da indústria da Alemanha. A mineração e seus consumidores são os
ressabiados desse mundo, cujos estertores se interpõem com o surgimento de uma
economia descarbonizada.
Percorrer a mina e a geradora
elétrica vizinha de Ibberbüren, na Renânia do Norte-Westfalia, dá uma ideia da
disputa entre dois modelos que ainda coexistem. No complexo, as bocas
subterrâneas cospem o carbono que nutre a voracidade da usina, ao ritmo de 157
quilowatts/hora por tonelada. Em 2015, foram extraídas 6,2 milhões de toneladas
de carvão, que cairá para 3,6 milhões de toneladas este ano e no próximo, para
reduzir-se a 2,9 milhões em 2018.
A mina, que emprega 1.600
pessoas, tem inventário de 300 mil toneladas que deve vender antes de 2018.
“Sou minerador, estou muito apegado ao meu trabalho. Falo em nome de meus
companheiros. É difícil fechá-la. Há um sentimento de tristeza, assistimos
nosso próprio funeral”, contou à IPS o diretor da operadora da mina, Hubert
Hüls.
Antes de ser estabelecida a
política de transição energética, já haviam sido aprovadas leis, em 1991 e
2000, que promovem as fontes renováveis, com medidas como um diferencial
especial na tarifa elétrica paga às geradoras que as utilizarem. O setor renovável
investe anualmente cerca de US$ 20 bilhões e emprega aproximadamente 370 mil
pessoas.
Outra medida, adotada pelo
governo de Berlim, em 2015, estabelece um esquema de leilões de energia solar
fotovoltaica, embora neste caso critique-se que ganha quem oferece o preço
menor, o que favorece os grandes geradores contra os pequenos. A transição
também busca cumprir os compromissos da Alemanha para mitigar o aquecimento
global. Esta potência europeia fixou como meta reduzir em 40% suas emissões de
gases-estufa até 2020 e em 95% até 2050.
Além disso, assumiu como meta que
as fontes renováveis no consumo final de energia subam dos atuais 12% para 60%
até 2050. Neste segundo semestre, o governo analisará a elaboração do Plano de
Ação Climática 2050, que em questões energéticas considera a redução pela
metade das emanações do setor e um programa de retirada de combustíveis
fósseis. Em 2014, a Alemanha reduziu suas emissões em 346 milhões de toneladas
de dióxido de carbono, equivalentes a 27,7% em comparação a 1990.
Mas a Agência Federal de Ambiente
do país alertou, em março, que as emissões voltaram a crescer em 2015 em seis
milhões de toneladas, equivalentes a 0,7%, para ficar em 908 milhões de
toneladas. Os gases-estufa provêm majoritariamente da geração e do uso de
energia, do transporte e da agricultura. Em 2019, o governo revisará os
incentivos atuais ao setor renovável e decidirá ajustes para potencializá-lo.
E, em 2022, cessará a operação das últimas três usinas nucleares na Alemanha.
Por outro lado, a mina de
Garzweiler vai trabalhar até 2045. “Há desafios tecnológicos, de
infraestrutura, de investimento, políticos, sociais, de inovação. As recentes
decisões do governo mostram que não há suficiente vontade política para assumir
as duras decisões exigidas para uma descarbonização profunda”, destacou Samadi.
“Agora as empresas tentam mitigar
o dano e passar à busca de soluções para o Estado (central). Haverá um debate
difícil sobre como expandir as renováveis. Esse processo pode ser desacelerado,
mas não detido”, pontuou o acadêmico Heinz-J Bontrup, da estatal Universidade
de Ciências Aplicadas, na cidade de Gelsenkirchen. Por sua vez, o governo
regional optou por reduzir a ampliação de Garzweiler, o que deixará 400 milhões
de toneladas de lignito no subsolo.
Fonte: Emilio Godoy
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