Direitos indígenas e a mudança climática
Já não se trata de restabelecer
os direitos legítimos dos mais de 370 povos indígenas em 70 países, muitos dos
quais vivem em condições precárias, mas de seu papel fundamental na luta contra
a mudança climática, destacou Victoria Tauli Corpuz, relatora especial das
Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e dirigente indígena do
povo kankana ey igorot, das Filipinas. “Pouquíssimos países assumiram um
compromisso claro com um requisito do Acordo de Paris, pelo qual os países que
empreendem atividades contra a mudança climática devem garantir os direitos dos
povos indígenas”, afirmou.
A relatora recorda “a grande
quantidade de mortes violentas de pessoas que protegiam as florestas e o
direito à terra em 2015” (o ano mais mortal já registrado para os defensores do
ambiente), ressaltou. “É uma situação grave em termos de respeito dos direitos
dos povos indígenas”, acrescentou aos participantes do Comitê Florestal da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), reunido
em Roma entre os dias 18 e 22 deste mês Julho 2016.
“Os povos indígenas de todo o
mundo experimentaram as consequências da colonização e a invasão histórica de
seus territórios, e são objeto de discriminação devido às suas diferentes
culturas, identidades e formas de vida”, apontou Tauli Corpuz. “Os governos
devem fazer muito mais para que os povos indígenas, as comunidades locais, os
pequenos produtores e suas organizações recuperem as paisagens degradadas e
consigam a mitigação e adaptação à mudança climática na prática”, recomendou a
FAO.
De concreto, René Castro Salazar,
subdiretor-geral da FAO, alertou que o tema dos direitos indígenas à terra e
aos territórios é “fundamental” para o êxito das iniciativas referentes à
mudança climática. “A menos que ajudemos os povos indígenas a terem uma posse
segura da terra e um governo melhor, será muito difícil alcançar soluções de
longo prazo. Estamos ficando para trás, temos que fazer mais”, enfatizou.
Um terço das florestas do planeta
é administrado de alguma maneira por famílias, pequenos agricultores,
comunidades locais e povos indígenas, e representam algumas das maiores
reservas de carbono, informou a FAO durante a reunião. Só as florestas
comunitárias reconhecidas pelos Estados abrigam aproximadamente 37,7 bilhões de
toneladas de reservas de carbono.
“Os pequenos produtores
familiares, as comunidades locais e os povos indígenas têm um papel fundamental
a desempenhar na preservação dessas reservas de carbono, mediante redução do
desmatamento, gestão sustentável das florestas e recuperação de árvores como
parte das economias rurais produtivas, particularmente quando pertencem a
organizações de produtores fortes”, afirmou a FAO. Além disso, cerca de 1,5
bilhão de hectares têm o potencial para os pequenos produtores combinarem a
agricultura com árvores.
“Mas se não for encontrada a
melhor maneira de interagir com os atores locais e alinhar seus interesses com
a conservação florestal, podem ficar significativamente comprometidas as
possibilidades de se alcançar as metas de captura de carbono e mitigação”,
alertou a agência da ONU.
Em uma declaração divulgada ao
final da reunião de Roma, os participantes exortam os governos a criarem
condições propícias necessárias para que as comunidades, os povos indígenas e
os produtores locais “administrem territórios maiores, garantindo e fazendo
cumprir os direitos de posse, além da criação de incentivos comerciais
favoráveis e oferta de serviços de extensão técnica, financeira e empresarial”.
Também pedem aos mecanismos de
financiamento globais, às políticas estatais e aos investidores privados que
dirijam os investimentos e o apoio às comunidades locais, aos povos indígenas,
aos pequenos produtores e às organizações de agricultores. Por fim, solicitam
que as iniciativas sobre mudança climática deem “uma importância maior às
comunidades locais, aos povos indígenas, aos pequenos produtores e às
organizações de produtores, para que participem da avaliação qualitativa da
cobertura florestal e das árvores nas explorações agrícolas que administram”.
Por ocasião da reunião de Roma, a
FAO divulgou um novo estudo que ajuda a preencher um vazio de conhecimento
sobre a presença e a extensão das florestas e das árvores nas zonas áridas do
mundo, onde a segurança alimentar e os meios de vida de milhões de pessoas, por
si só já precários, se veem cada vez mais ameaçados pela mudança climática.
Os resultados preliminares do
estudo indicam que as árvores estão presentes com enormes diferenças de
densidade em quase um terço dos 6,1 bilhões de hectares de zonas áridas do
planeta, o que representa uma área mais que duas vezes superior ao tamanho da
África. Calcula-se que dois bilhões de pessoas (90% delas no Sul em
desenvolvimento) vivem em zonas áridas. Estudos recentes indicam a necessidade
de recuperar essas terras para lidar com os efeitos da seca, da desertificação
e da degradação da terra. Em particular, espera-se que a disponibilidade de
água nas terras áridas diminua ainda mais devido às mudanças no clima e no uso
do solo, alerta esse novo estudo.
“As pessoas pobres que vivem em
zonas rurais remotas serão as mais vulneráveis à escassez de alimentos, o que,
combinado com a violência e a agitação social, é um fator importante que leva à
migração forçada nas regiões áridas da África e Ásia ocidental”, segundo o estudo.
Até agora, houve pouco conhecimento de base estatística sobre árvores de
regiões secas, em particular as que crescem fora das florestas, apesar de sua
importância vital para os seres humanos e o ambiente.
As folhas e os frutos das árvores
são fonte de alimentos para os seres humanos e forragem para os animais. Sua
madeira fornece combustível para cozinhar e aquecer a moradia e pode ser uma
fonte de renda para as famílias pobres. As árvores protegem os solos, as
plantações e os animais contra o sol e o vento, enquanto as florestas costumam
ser ricas em biodiversidade.
As terras áridas se dividem em
quatro zonas. A zona sub-úmida é a menos árida das quatro e consiste,
sobretudo, na savana sudanesa, nas florestas e pastagens da América do Sul, nas
estepes da Europa oriental, no sul da Sibéria e na pradaria canadense.
A maioria das florestas áridas se
encontra nessa zona, da mesma forma que grandes superfícies de agricultura
intensiva submetidas a irrigação, ao longo dos rios perenes. No outro extremo, a
zona hiperárida é a mais seca e está dominada pelo deserto. O Saara representa
45% do total, e o deserto da Arábia é outro componente de grande tamanho.
Fonte: Baher Kamal – IPS
Comentários
Postar um comentário