Agrotóxicos: liderança indesejável
As notícias não mudam: por mais
que a ciência e a comunicação alertem com frequência, o Brasil continua a ser o
líder mundial no uso de agrotóxicos – e ainda os isenta ou reduz o pagamento de
impostos como ICMS (redução de 60%), PIS/Cofins e outros, enquanto medicamentos
têm incentivos de 34% (Envolverde, maio de 2016).
O Brasil isenta ou reduz o
pagamento de impostos como ICMS (redução de 60%), PIS/Cofins e outros para
agrotóxicos, enquanto medicamentos têm incentivos de 34% (Envolverde, maio de
2016).
Há muitos alertas e advertências:
morangos vermelhos e variedades de espinafre podem ter doses altas de resíduos
químicos; muitas frutas, verduras e legumes são borrifados com pesticidas
banidos há anos. O consumo, no mundo, desses ingredientes cresceu 93% em dez
anos; no Brasil, 190%. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), 28% das substâncias usadas por aqui não são autorizadas; a Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) afirma que 70% dos alimentos in natura
consumidos no País estão “contaminados” por agrotóxicos; para a Organização
Mundial de Saúde (OMS), a cada ano aumentam em 70 mil os casos de intoxicação
aguda ou crônica provocados por agroquímicos.
A Anvisa está reavaliando 16
pesticidas, além de fazer consulta pública. Nos Estados Unidos, Canadá e países
da União Europeia já são proibidos, por temor de serem cancerígenos. Há dez
anos a Anvisa reavaliou os riscos ambientais do 2,4D, um dos componentes do
Agente Laranja, que os EUA usaram na Guerra do Vietnã para eliminar florestas e
plantações utilizados como esconderijos de guerrilheiros. Segundo a Cruz
Vermelha Internacional, 150 mil crianças têm malformações congênitas por esse
motivo – que os EUA contestam. E segundo a Organização para a Alimentação e a
Agricultura (FAO-ONU) e a OMS, é urgente diminuir o uso de praguicidas e
substituí-lo pelo plantio direto nas lavouras, que reduz as pragas.
Um dos argumentos usados pelos
defensores de agrotóxicos é a “volta da mosca-branca” (Bemisia tabaci), que
está levando produtores de soja do Centro-Oeste a um gasto 37% maior que no ano
passado. Mato Grosso, por exemplo, que gastava R$ 385 por hectare, agora gasta
R$ 508,90. Em outros lugares, R$ 543,69.
Um dos itens mais polêmicos nessa
agenda é o glifosato, principalmente depois que a OMS e a FAO voltaram atrás em
sua condenação anterior, prorrogaram a liberação por 18 meses e agora asseguram
que esse produto não provoca câncer em humanos. E que novas tecnologias
reduzirão o uso de praguicidas. A questão do uso ou não de sementes
transgênicas também está em suspenso. Uma especialista francesa, Marie-Monique
Robin, afirmou (7/5) que “o glifosato é o maior escândalo sanitário de toda a
história da indústria química”. Mesmo depois da decisão da OMS, a França tornou
a proibir a venda livre do produto.
Há um capítulo à parte, que é o
das mudanças climáticas, com muitos cientistas afirmando que a criação de gado
em confinamento (na Argentina, 70% do rebanho) aumenta os gases, contribuindo
para essas mudanças. A China suspendeu a importação de carne bovina da
Austrália, por essa e outras razões.
Há muitos polos nessa luta. A
pulverização eletrostática reduz o uso de agroquímicos, dizem seus defensores.
Com 70% colocados no alvo certo, a redução é de 30%. A tecnologia é da Fundação
do Meio Ambiente, que a recomenda para legumes, frutas e verduras
(Eco-finanças, 23/5). Também há quem defenda a supressão de árvores
contaminadas como o melhor caminho para evitar a propagação dos problemas –
como a Fundação de Defesa da Citricultura, em 349 municípios de São Paulo e
Mato Grosso. De qualquer forma, 16,92% das laranjeiras foram suprimidas. De
abril do ano passado a março deste ano foram erradicadas em 21,3 mil hectares,
mais de metade delas com sintomas de problemas.
Seja como for, a briga é difícil
e complicada. As empresas produtores de agrotóxicos constituem um verdadeiro
cartel, que domina o mercado mundial, algumas delas com mais de cem anos de
existência, como a Monsanto. A Bayer e a Syngenta e poucas mais fazem parte do
grupo. Algumas participaram até do Projeto Manhattan, da primeira bomba
atômica. Ou do projeto do Agente Laranja, muito em evidência na Guerra do
Vietnã.
Mas a luta contra os agrotóxicos
também tem aliados importantes, como instituições que participam da Moratória
da Soja, que luta contra o desmatamento desde 2006. Ela proíbe o comércio,
aquisição e financiamento de grãos produzidos em áreas desmatadas de maneira
ilegal no bioma amazônico e em áreas embargadas pelo Ibama e propriedades que
estejam na lista de trabalho escravo do Ministério do Trabalho e Previdência.
Desde seu início, a moratória expandiu-se em 2,3 milhões de hectares, nos quais
a produção aumentou 200%.
Parece não haver dúvida de que
cresce rapidamente em toda parte – no Brasil e nos países para os quais
exportamos grãos e outros itens agrícolas – a resistência a produtos de regiões
que usem agrotóxicos. Ainda assim, estas têm conseguido protelar novas
tentativas de ampliar legalmente as restrições. Mas a Agência Europeia dos
Produtos Químicos conclui pesquisa sobre riscos cancerígenos na origem dos
produtos. Só que a OMS e sua agência de pesquisa sobre câncer não conseguiram
apertar as restrições, que ficaram para ser decididas até o fim de 2017. Até lá
só vigorarão restrições ao uso de agrotóxicos em áreas de parques e jardins.
Nessa hora decisiva, o Pnuma
afirmou na recente convenção de Nairóbi que os danos ao meio ambiente estão
entre as maiores causas de morte no mundo. Por que, então, não se consegue
avançar na questão dos agrotóxicos? Por que nossos Poderes – principalmente o
Legislativo – não conseguem estabelecer regras duras nessa área relacionada com
alimentos e saúde? Os eleitores precisam cobrar. Se a opinião pública deixar
claro que não aceita os prejuízos, o panorama poderá mudar. Nada pode ser mais
grave que o risco de morte evidenciado pela ciência. (O Estado de S. Paulo)
Fonte: Washington Novaes - Jornalista
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