Rio Doce: De volta à tragédia
Aterrissamos em Belo Horizonte
(MG) e logo seguimos para Mariana de carro para começar os encontros e reuniões
com os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, pertencente à Samarco,
formada pela brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.
A cidade continua bonita e
acolhedora, mas ao conversar com as pessoas, fica evidente o impacto que a
destruição do subdistrito de Bento Rodrigues teve em Mariana. Dependente da
produção mineral para seu sustento, a cidade está sendo afetada economicamente
e o desespero por uma solução rápida começa a fervilhar.
Bento Rodrigues não pode ser
acessado sem a defesa civil de Mariana, que alerta para o risco do colapso da
barragem de Germano – mostrando que pouco foi concretamente resolvido no local
em termos de segurança. Um segundo colapso afetaria ainda mais um rio já tomado
pelos rejeitos de mineração.
Mais de 260 famílias continuam
sem local certo para a reconstrução de suas casa. Essas pessoas recebem um
salário mínimo e uma cesta básica da Samarco, que prossegue com a estratégia
assistencialista, fácil e barata para resolver a situação, já que pagar o
mínimo é mais fácil que criar uma estrutura que dê condições para o trabalhador
retornar seus sustento original e recuperar perdas físicas. Alguns moradores de
Mariana culpam os atingidos pela situação econômica, que degringolou com o
congelamento das atividades da Samarco, em uma clara inversão da ótica entre
culpados e atingidos.
Nos outros municípios ao longo do
Rio Doce impera o medo de uma possível contaminação da água. Em Governador
Valadares (MG), onde não há outra fonte de captação de água que não seja o
Doce, quem tem recursos compra água mineral, e ninguém mais consome peixe. O
mesmo se repete em outras cidades, que também temem a contaminação dos alimentos
irrigados com a água do rio. Linhares, no Espírito Santo, que sofre com a seca,
além de não poder inaugurar o novo sistema de captação de água do Rio Doce,
está exaurindo a água de suas famosas lagoas – agora barradas para não sofrerem
contaminação.
Os Krenak conhecem há muito a
maneira de negociar da Vale, já que a empresa possui uma linha férrea que passa
no meio de sua Terra Indígena demarcada. A aldeia recebe água potável da Vale,
pois se recusa a utilizar a água do Doce. A única alternativa de captação de
água existente é o rio Eme, que está seco devido à estiagem e ao desmatamento.
A seca piora a situação dos Krenak, dos pequenos agricultores e pecuaristas que
dependem da irrigação para o cultivo. A dimensão do estrago causado por
Samarco, Vale e BHP são ainda imensuráveis.
Quanto aos governos, a única
política conjunta existente é o acordo interfederativo entre governo estadual,
federal e Samarco, assinado em 2 de março, que não ouviu os atingidos e
prefeituras afetadas pelo derramamento da lama, e deixou toda a solução nas
mãos da empresa. O “Acordão”, como é chamado, está sendo questionado pelo
Ministério Público Federal e diversas instituições, inclusive o Greenpeace,
divulgaram uma carta de repúdio ao acerto.
Acabamos em Vitória, Espírito
Santo, onde a pesca na foz do rio está proibida desde fevereiro em resposta à
recomendação do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Enquanto não
se comprova o grau de contaminação da água, não há pesca. E mesmo que houvesse,
como afirmam os pescadores, a população não consumiria.
Enquanto isso, discussões como a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65 são levantadas no Congresso com o
objetivo de enfraquecer o Licenciamento Ambiental para grandes obras com
impactos ambientais e sociais. Vale lembrar também do novo Código de Mineração,
que busca desburocratizar o processo, passando por cima de Unidades de
Conservação, Terras Indígenas e Quilombolas. Tudo em nome do progresso e
desenvolvimento.
Os estudos selecionados pelo
edital público do Rio de Gente em parceria com o Greenpeace foram bem recebidos
por todos na região e chegam em um bom momento, uma vez que cada pesquisa pode
ser uma chance de resposta para as questões do moradores e atingidos. O
rompimento da barragem da Samarco já é um dos maiores desastres do século, e
deve servir para que dirigentes percebam que o impacto ambiental sempre será um
impacto social e econômico.
Em nota: Samarco sabia dos riscos antes de
desastre, diz delegado da Polícia Federal
Publicado pelo G1 - O delegado Roger Lima de Moura, da Polícia
Federal, disse nesta quarta-feira (22 junho 2016), que a Samarco sabia dos
riscos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.
A Samarco foi procurada pelo G1 e
disse que “repudia qualquer alegação de conhecimento prévio de risco de ruptura
na Barragem de Fundão. A empresa informa ainda que continuará prestando todos
os esclarecimentos devidos nos autos do processo”, diz a nota.
A barragem de Fundão se rompeu no
dia 5 de novembro de 2015, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, em
Mariana. Os rejeitos atingiram mais de 40 cidades na Região Leste de Minas
Gerais e no Espírito Santo. A lama percorreu o Rio Doce até a foz e o desastre ambiental,
que deixou 19 mortos, é considerado o maior do Brasil.
As trocas de mensagens internas
entre técnicos e diretores, além de comunicados emitidos internamente provaram
a afirmação, segundo o delegado. “Eles sabiam do risco de que Bento Rodrigues
poderia ser atingido. Temos inclusive documentos internos e conversas falando
se iria ou não levar os estudos para o licenciamento ambiental”, disse Lima.
Na primeira semana de junho 2016,
a Polícia Federal em Minas Gerais concluiu o inquérito sobre o rompimento da
barragem de Fundão em Mariana, na Região Central do estado, e a consequente
contaminação do Rio Doce e da área costeira.
“Durante as investigações,
apuramos causas, consequências e responsáveis do rompimento das barragens. A
barragem era problemática desde a sua construção. Ela sempre foi uma barragem
doente. Na fase de construção foi usado um material diferente do projeto. Nesse
projeto inicial, dizia que seria usado brita e rocha. Mas na obra eles usaram
restos de minério”, comentou o delegado de Minas.
O delegado explicou ainda que
sempre aconteceram problemas de drenagem. “Posteriormente, eles fizeram um
remendo na barragem, sem projeto, nem recomendação dos órgãos ambientais. A
barragem recebe material arenoso e lama. No projeto, esse material era
despejado separado, mas depois eles juntaram. Na verdade, foram séries de
erros”, acrescentou.
Oito pessoas e a Samarco, a Vale
e a consultoria VogBR (consultoria responsável pela declaração de estabilidade
da barragem), foram indiciadas por crimes ambientais e danos contra o
patrimônio histórico e cultural.
Um outro ponto citado na
apresentação do inquérito foi o investimento da Samarco na área de geotécnica,
responsável pelo controle da barragem. No período entre 2012 e 2015, a queda no
orçamento foi de 29% e a previsão era de uma redução de 38% em 2016. Em
contrapartida, a produção tinha aumentado em 30% e a previsão era aumentar em
até 35%.
Ele também afirmou que o
lançamento de lama por parte da Vale contribuiu para o desastre ambiental.
Segundo Lima, em um primeiro momento, a empresa negou o despejo de rejeito, mas
acabou assumindo, apesar de informar um valor menor do que o apurado.
“Ela assumiu isso, como se
lançasse 5%, porém o que foi constatado é que não foi 5%. Chegava, do total de
lama de lama que era lançado no Complexo de Germano, o que pertencia à Vale era
27%. E esse 27% contribuiu para que o rejeito de lama se aproximasse do rejeito
arenoso, que é uma das causas de ocorrer a liquefação, depois que fez com que a
barragem rompesse”, avaliou Lima.
Fonte: Fabiana Alves - Clima e Energia do Greenpeace Brasil
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