A economia do fim do mundo
Os Estados Unidos emergiram da
Segunda Guerra Mundial como a única grande economia que não teve sua indústria
arrasada por bombas. Um parque produtivo superdimensionado pela guerra, uma
economia global em frangalhos e milhares de soldados voltando para casa. O que
fazer para não voltar à situação de recessão anterior à guerra, quando hordas
de desempregados vagavam em busca de trabalho e comida? A ideia, aparentemente
genial, veio de um consultor norte-americano especializado em varejo, Victor
Lebow, que viu na aceleração do ciclo de produção e consumo a saída para o
impasse: “nossa economia enormemente produtiva requer que façamos do consumo o
nosso modo de vida, que convertamos a compra e o uso de mercadorias em rituais,
que busquemos a nossa satisfação espiritual ou do nosso ego no consumo. Nós
precisamos de coisas consumidas, destruídas, gastas, substituídas e descartadas
numa taxa continuamente crescente”. E isto foi feito, a ponto de 99% dos
produtos vendidos pelo comércio nos Estados Unidos já terem sido abandonados no
fundo de armários ou gavetas, ou simplesmente descartados em apenas seis meses.
Consumo
ou abastecimento
A economia do consumo substituiu
a “economia do abastecimento”, na qual as pessoas compravam aquilo que
precisavam e a ideia central era vender mais, para mais pessoas. Nossos avós
compravam coisas duráveis para poderem se dedicar a outras atividades e não
terem de retornar sempre às compras para repor coisas cuja obsolescência foi
planejada em um laboratório. “Da mesma forma que se planejou a sociedade de
consumo, é preciso planejar que tipo de economia vai desconstruir essa
armadilha onde nos metemos”, explica o economista Ladislau Dowbor. Há
diagnósticos realizados e metas estabelecidas sobre o que há de errado com o
modelo econômico atual, que mantém cerca de um terço da humanidade sem acesso a
direitos universais como educação, água e saneamento, alimentos e habitação,
entre outros. No entanto, há uma crônica falta de planejamento sobre como mudar
a produção e o consumo em direção a uma economia de baixo impacto ambiental e
dentro das metas nacional e global de redução de emissões de carbono.
Não há dúvida que a economia deu
grandes saltos nestes 50 anos, com o desenvolvimento de tecnologias e materiais
extremamente avançados. No entanto, as curvas de crescimento da população, do
Produto Interno Bruto, da extinção de espécies, do uso de combustíveis fósseis,
da redução de florestas e da sobrepesca mostram que os níveis de exploração do
planeta e os impactos causados pelas atividades humanas vêm crescendo de forma
exponencial nos últimos 50 anos. E isto está acontecendo apesar do aumento da
eficiência no uso de materiais e energia no mesmo período. Os carros dirigidos
por nossos avós continham mais materiais (eram mais pesados) e consumiam mais
combustível do que qualquer outro nas ruas de hoje. Porém, o volume de
combustível utilizado hoje pela humanidade é centenas de vezes maior do que 50
anos atrás. “A ecoeficiência na produção tem caminhado a passos largos, mas o
modelo de economia baseado no ciclo de aceleração do consumo e descarte apenas
aumenta o impacto sobre os ecossistemas e não reduz as desigualdades sociais”,
explica Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Economia da Universidade
de São Paulo (USP).
Diferenças
salariais crescentes
Nos anos 1950, a diferença de
salários entre um operário da General Motors e seu presidente era cerca de 50
vezes. Hoje, em grande parte das empresas globais essa diferença entre chão de
fábrica e alta direção pode atingir quase mil vezes. Para modificar este quadro
é necessário o planejamento do uso dos recursos naturais e energéticos de forma
a definir onde se quer chegar. “Algumas pessoas diriam que isto é socialismo”,
diz Luiz Pinguelli Rosa, cientista e diretor da Coppe, órgão ligado à
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos mais respeitados centros
de pesquisa em engenharia da América Latina. Pinguelli Rosa explica que a área
de energia precisa de um planejamento com décadas de antecedência para evitar
apagões. “Os investimentos são altos e os projetos demoram para entrar em
operação”. Por isto, planejar é fundamental, mas o mesmo não acontece com
outras áreas da economia. “Muita coisa é deixada para a vontade do mercado”,
diz o pesquisador. O mercado, no entanto, não tem uma visão de futuro, apenas
busca soluções para manter sua diretriz de crescimento em um planeta com
recursos naturais finitos. “Essa filosofia de crescer por crescer só tem um
paralelo na natureza, o câncer”, explica Ladislau Dowbor.
A desigualdade na distribuição
dos benefícios entre a humanidade é gritante. Os 20% mais ricos se apropriam de
82,7% da renda. Os dois terços mais pobres têm acesso a apenas 6% da renda, e
esta disparidade vem crescendo. Em 1960, a renda apropriada pelos 20% mais
ricos era 70 vezes maior do que a renda dos 20% mais pobres. Em 1989, essa
diferença havia subido para 140 vezes. Para Dowbor, este é o problema central a
ser atacado, e fazer a economia crescer não passa nem perto de solucionar o
problema ético da injustiça e dos dramas de bilhões de pessoas. “Não haverá
tranquilidade no planeta enquanto a economia for organizada em função de um
terço da população mundial”, afirma.
Há
mudanças porem são pontuais
Um dado importante, levantado por
Ricardo Young, empresário e ex-presidente do Instituto Ethos, organização que
atua em responsabilidade socioambiental empresarial, é que já há mudanças em
curso na economia. “Porém, não são uniformes”, alerta. Para ele muitas empresas
e governos estão não apenas preocupados, mas atuando para reverter o quadro de
degradação econômica e ambiental. “É o caso do Brasil, que está conseguindo
ampliar a renda nas classes mais baixas e, também, vem exercendo uma liderança
global em temas ambientais, como as metas que o governo assumiu em relação às
mudanças climáticas”, explica. Young alerta que é preciso saber identificar os
movimentos na sociedade, que buscam uma nova organização da economia, mais
criativa, com menor impacto ambiental e maior benefício social. E esta
tendência não está sendo identificada apenas por militantes sociais ou
economistas otimistas. Um estudo publicado pela revista inglesa The Economist
concluiu que a ascensão das mulheres na sociedade nos últimos dez anos
contribuiu mais para o crescimento global da economia do que o desenvolvimento
da China. Essa percepção levou a agência Goldman Sachs a indicar que diversas
regiões do mundo poderiam aumentar seu PIB se reduzissem as desigualdades nas
taxas de emprego de homens e mulheres. O Brasil poderia se beneficiar ainda
mais desse movimento de equilíbrio entre os gêneros no trabalho. Desde os anos
1970, essa inclusão vem avançando. Naquela época, as mulheres representavam 20%
dos trabalhadores do país, passando para 44% no final da primeira década do
Século 21. Registre-se ainda que 35% dos lares brasileiros são chefiados por
mulheres.
O Brasil atualmente vive uma
grande oportunidade para planejar seu desenvolvimento com base em questões
bastante objetivas, como os investimentos superiores a R$ 500 bilhões que estão
em andamento em todo o país por conta dos grandes eventos esportivos dos
próximos anos, as Olimpíadas do Rio de Janeiro, a Copa das Confederações e a
Copa do Mundo de Futebol. Entretanto, é preciso integrar os esforços e mostrar
uma certa lógica na direção dos benefícios desejados, como melhorar a
mobilidade nas cidades e redirecionar esforços para uma sociedade que esteja
estruturada em uma economia menos baseada em consumo e exportação de
commodities, e mais focada em desenvolver vetores como cultura, turismo,
biociência, educação e conhecimento. No entanto, o país tem adotado nos últimos
anos a mesma ortodoxia econômica com que o mundo tenta enfrentar a sucessão de
crises que assola o planeta desde 2008, estimulando o aumento do consumo sem
exigir contrapartidas da indústria ou do sistema financeiro. “O momento é
especial para uma troca de gentilezas, o governo estimula o consumo, mas
deveria exigir mais eficiência no uso de energia e matérias-primas”, explica o
também economista Ignacy Sachs, que preconiza a necessidade de planejamento
para adequar o modelo econômico à realidade do Século 21. Nas relações com o
mundo, entre 1998 e 2008 as exportações brasileiras de commodities passaram de
20% para 35% do comércio exterior. Se, por um lado, isso elevou as reservas
internacionais do país, por outro barateou as importações e desestimulou a
indústria local, além do impacto sobre áreas naturais para a ampliação na
produção dessas commodities.
Consumo
per capita exagerado
Segundo o diretor-geral do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, o
consumo global chegou a nove toneladas anuais de matérias-primas por pessoa na
Terra, e isso para os atuais sete bilhões de habitantes. Em um planeta com nove
bilhões de pessoas, o consumo per capita não poderá ficar acima de cinco ou
seis toneladas por habitante. Outra questão importante é o consumo de energia
por habitante, que, segundo o Departamento para Assuntos Econômicos e Sociais
da Organização das Nações Unidas (ONU), deveria ser limitado a 70 gigajaules
por ano. Trocando em miúdos, isto significa que um europeu médio teria de
cortar pela metade seu consumo de energia, enquanto um norte-americano poderia
utilizar apenas 25% do que gasta atualmente. Já um indiano poderia multiplicar
por quatro os 15 gigajaules que utiliza. O Brasil está no meio termo, com cerca
de 50 gigajaules por ano por pessoa. Contudo, há que se levar em conta a
desigualdade e o desequilíbrio no uso dessa energia.
O mundo vive atualmente uma
confluência de crises, onde o desequilíbrio financeiro, ambiental e social
oferece oportunidades para a construção de novos pontos de apoio.
O jornalista e ambientalista Aron
Belinky, que atua na articulação de demandas da sociedade civil, explica que
empresas e organizações sociais estão mais avançadas do que governos na busca
de soluções. “Temos de entender que a questão não é ambiental, como alguns
acreditam, mas de modelo de desenvolvimento e de governança global”, explica.
Para ele, os governos devem assumir compromissos para planejar uma saída dessa
encruzilhada, que olhe para o futuro e entenda que há limites que precisam ser
encarados e respeitados. Porém, lembra que isto não significa a estagnação, mas
sim um modelo de desenvolvimento focado em valores éticos e criativos, onde as
pessoas possam ter acesso aos seus direitos universais nesta e em todas as
gerações futuras.
Fonte: Dal Marcondes – Envolverde
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