Respeitar pedestres é caminho para cidades saudáveis e educadoras
Aproximadamente um em cada três
deslocamentos em metrópoles como São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte é
feito a pé. Em outras cidades do Brasil, essa proporção é ainda maior. Tal
número, porém, parece exercer pouco efeito sobre as políticas públicas de
mobilidade urbana no país, em sua maioria ainda estagnadas no conceito
rodoviário e de priorização do transporte individual e motorizado.
Outros dados engrossam essa
realidade: na década entre 2001 e 2011, enquanto a população brasileira
aumentou 12,2%, a quantidade de veículos automotores no Brasil cresceu 138,6%,
segundo relatório do Observatório das Metrópoles. Em 2012, circulavam pelas
vias do país cerca de 50,2 milhões de automóveis e 19,9 milhões de motos, de
acordo com o Denatran.
Com as ruas dominadas por
veículos motorizados, qual espaço que sobra para o pedestre – aquele que não
consome energia fóssil, que deixa o sedentarismo de lado e, ao decidir por
fazer seu trajeto a pé, seja até o ponto de ônibus, à estação de metrô ou todo
o caminho, circula pelo ambiente urbano espalhando vida pela cidade? Em muitos
casos, somente calçadas esburacadas e perigosas.
“Uma cidade caminhável é uma
cidade saudável, uma cidade melhor”, aponta Joana Canedo, da Associação
Cidadeapé. “A mobilidade a pé deve ser considerada um sistema de transporte,
pensando a sua infraestrutura de forma sistêmica: calçadas, acessibilidade,
iluminação, faixas e semáforos de pedestres, arborização, bancos, lixeira,
redução da velocidade dos veículos motorizados.”
Além de tais medidas, também é
necessário, na opinião de Joana, criar uma rede de deslocamento contínua e
linear, com travessias conectadas e articulação com outros modais, favorecendo
a convivência entre diferentes modos de transporte. “Hoje, a calçada é pensada
como assessório, não como meio de transporte”, reclama.
No ano de 2015, 419 pedestres
morreram em acidentes de trânsito em São Paulo. “A mortalidade é enorme. No
mesmo ano, as quedas nas calçadas geraram mil atendimentos apenas no Hospital
das Clínicas. Porém, elas não são contabilizadas como acidentes de trânsito.”
Terceira
idade a pé
A pesquisadora Etienne Duim
apresentou sua investigação sobre as dificuldades que idosos encontram para
atravessar as ruas em segurança. Em 2014, essa faixa da população perdeu 203
pessoas em acidentes de trânsito em São Paulo, sendo que 88% desse total eram
pedestres.
“Será que os idosos têm tempo o
suficiente para atravessar as ruas com segurança?”, questiona. O tempo para a
travessia considera a largura da via e o posicionamento do pedestre, e no
Brasil este número fica entre 1,2 m/s (metros por segundo) e 1,5 m/s – em
cidades como Barcelona, na Espanha, basta andar a 0,9 m/s para se conseguir
atravessar ruas.
“Com o envelhecimento, ocorre um
decréscimo na velocidade de marcha, e aumenta a dificuldade para atravessar
ruas e avenidas, mesmo com faixa”, observa a pesquisadora, que faz parte do
grupo de estudos SABE (Saúde, Bem Estar e Envelhecimento). Em pesquisa com 1191
idosos realizada em 2010, foi revelado que apenas 4,3% deles conseguiam atingir
a média de 1,1 m/s em sua caminhada, ao passo que outros 30% se encaixam no
tempo de 0,9 m/s.
“Em São Paulo, claramente o tempo
de travessia não é suficiente. Curitiba está testando um sistema que aumenta
tempo de semáforo para pedestres com mobilidade reduzida, e em Lima existem
experiências com temporizadores para pedestres nos semáforos”, afirma.
A pé para
a escola
Pesquisa de 2009 mostra que,
entre mais de 2.500 crianças e adolescentes de 51 cidades paulistas, 71% vão
para a escola a pé. A pesquisadora Sandra Costa de Oliveira está iniciando uma
investigação que buscará entender detalhes desse deslocamento – o que as
crianças aprendem no caminho, qual o seu olhar para a cidade ao ir e vir – em
trinta escolas da rede municipal paulistana.
Contudo, o pesquisador Thiago Hérick
de Sá, da Faculdade de Medicina do ABC, mostrou que, entre 1997 e 2012, o
transporte ativo de crianças e jovens para a escola caiu cerca de 20%, enquanto
viu-se aumentar as crianças que fazem esse trajeto em um veículo motorizado.
“Aprendemos cognitiva e
sensorialmente. Não há dúvida de que as experiências motoras e sensoriais vão
ser muito maiores na cidade do que no carro, e também experiências afetivas –
positivas e negativas –, pois o ambiente urbano me incomoda e me ensina.”
Cidade
Educadora
Os incentivos e políticas
públicas direcionadas aos pedestres possibilitariam não apenas mais segurança e
tranquilidade para quem opta por este modal, como também proporcionariam uma
aproximação dessas pessoas entre si e com o espaço urbano em que vivem. “Andar
na rua te ajuda a identificar questões relacionadas à vida urbana, criando uma
visão cidadã e questionadora de como a cidade foi construída. Flanar e andar
livremente nos ajuda a descobrir que a cidade é muito rica em mil outras
coisas”, observa Joana.
Thiago Hérick de Sá acredita que
estimular o transporte a pé é uma maneira de garantir saúde e qualidade de vida
para os cidadãos, construindo cidades sustentáveis e resilientes e
possibilitando não apenas o acesso aos seus espaços, mas também a sua transformação.
“Ser pedestre é muito mais que um
deslocamento: é um meio pelo qual a gente coloca nosso corpo em contato com o
meio social, físico, emocional. É, por fim, uma condição existencial. Ser
pedestre é sermos nós mesmos em contato com a natureza e cultura”, finaliza.
Fonte: Portal Aprendiz
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