Terrorismo e lixo - Os dramas nucleares
Ao se reunir no final da semana
passada em Washington com 52 chefes de Estado para mais uma Cúpula de Segurança
Nuclear (Estado, 30/3/2016), o presidente Barack Obama estava diante de uma
realidade incômoda: sete anos depois de pedir em Praga “um mundo sem armas
atômicas”, o número de países que dispõem de materiais para armamentos
nucleares caiu apenas de 32 para 24, segundo organizações não governamentais .
E, também grave, estava ausente a Rússia, num momento de alta tensão com os EUA
. No ar, o temor de que esse tipo de arma ou material para construí-la caia em
mãos de terroristas, esse flagelo dos tempos modernos.
Ben Rhodes, conselheiro de
segurança nacional da Casa Branca, deixou claro: “Sabemos que organizações terroristas
querem ter acesso a esses produtos com componentes radiativos e/ou
convencionais, que podem estar espalhados por centenas de lugares, inclusive
hospitais – além de 2 mil toneladas de urânio enriquecido e plutônio em
instalações civis e militares, que podem ser usados para 150 bombas atômicas”.
Há ainda questões diplomáticas a
discutir. Como a de que a Rússia prefere caminhos como os da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) – mas não cumpre nem mesmo os de um
acordo bilateral de 1987, que limita o arsenal de mísseis de longo alcance para
norte-americanos e soviéticos; e entende que a cúpula é “interferência indevida
em organizações multilaterais que já se dedicam à segurança nuclear”.
Nos últimos dois anos a Rússia
fez testes proibidos com mísseis. A Coreia do Norte recentemente também fez
testes com ogivas nucleares e está preparando outros com mísseis e bombas. A
Coreia do Sul dá sinais de disposição de se armar com equipamentos nucleares
para enfrentar o que julga serem ameaças da Coreia do Norte e da China. O
próprio presidente Obama teria dito ao jornal The New York Post (Estado, 1.º/4/2016)
estar disposto a discussões para permitir reações defensivas de japoneses e
sul-coreanos, de modo a não dependerem da proteção dos EUA.
O presidente Obama voltou também
a alertar na cúpula que o sistema nuclear no mundo pode não estar protegido de
maneira adequada das ameaças terroristas ao arsenal de 2 mil toneladas de
produtos altamente perigosos (Estado, 2/4/2016). Segundo ele, uma pequena
quantidade de plutônio – do volume de uma maçã – pode ser suficiente para matar
ou ferir centenas de milhares de pessoas.
Ainda neste ano três regiões do
mundo ficarão livres de materiais atômicos, por decisão da cúpula: América
Latina (Argentina), Europa Central e Sudeste da Ásia. Nos últimos sete anos foi
eliminado urânio enriquecido em 50 instituições de 30 países, suficiente para
150 bombas atômicas. Mas o presidente Obama afirma (The Washington Post, 1.º/4/2016)
que “nosso enorme arsenal da guerra fria não é adequado às ameaças atuais”. E
UA e Rússia – que juntos detêm 90% das armas nucleares do mundo – “devem
negociar uma nova redução de seus arsenais”, para que até 2018 fiquem no nível
da década de 1950.
Contraditório, porque admite
implicitamente que não há outros riscos, incluído o do lixo nuclear. Mas um
banco internacional de combustível está sendo implantado no Casaquistão, “para
que países possam ter a energia que procuram” (83% do urânio e plutônio no
mundo estão em programas militares). Contraditório também com a posição
explicitada pelo ministro brasileiro do Exterior na cúpula, Mauro Vieira, para
quem a conferência “não pode prejudicar o direito de cada Estado desenvolver o
uso da energia nuclear para fins pacíficos, na geração de energia elétrica,
fins medicinais, aplicações na agricultura e meio ambiente” (Estado, 1.º/4/2016).
Poucos dias antes de iniciar-se a
cúpula, o governo de Bagdá ainda promovia (Reuters, 18/2/2016) buscas de
material radiativo “altamente perigoso”, roubado no final do ano passado e que
possa estar em mãos de membros do Estado Islâmico: uma simples caixa “do
tamanho de um laptop”, com uma fonte altamente radiativa de IR-192, de apenas
10 gramas, que desapareceu em Basra, se usada, pode ter efeitos dramáticos.
Na Alemanha (New Scientist, 6/2/2016),
está sendo perfurado um canal de mil metros de profundidade para receber lixo
atômico, apesar de não haver destino seguro para lixo nuclear.
Já foi até contado neste espaço
que o autor destas linhas foi há alguns anos, quando gravava documentário, a
uma área no Estado de Nevada (EUA) onde também se cavava um depósito sob a
montanha para receber lixo radiativo. Depois de ser conduzido ao fundo do poço
por um técnico do governo norte-americano, veio a questão inevitável: por que
se construía um depósito perigoso como aquele numa área submetida a frequentes
abalos sísmicos? O técnico não hesitou: já haviam sido registrados ali abalos
de até 5,3 graus na escala Richter sem prejuízo para a obra. Perguntou-se: e se
houver abalos mais fortes, quem garante? E o técnico, apontando para o céu com
o dedo indicador: “Ele”.
No entanto, há menos de um ano,
diante de relatórios que apontavam os riscos, o governo norte-americano fechou
o projeto, sem uso, depois de haver gasto ali US$ 12 bilhões. E sabendo que 36
dos 99 reatores em atividade nos EUA terão de ser fechados até 2015, sem terem
destinação para o lixo nuclear.
Ainda assim, a brasileira
Eletronuclear já selecionou 40 áreas para novas usinas nucleares por aqui (Hoje
em Dia, 21/1/2016). Seis seriam implantadas até 2030, pelo menos uma delas
utilizando água do Rio São Francisco para resfriar seus reatores. De que vale a
experiência?
P. S. – Informa a Abrelpe que os
números anuais sobre gestão de resíduos sólidos no País, mencionados no artigo
da semana passada (1.º/4/2016), devem ser estes: 78,6 milhões de toneladas de
resíduos sólidos gerados em 2014 (os dados mais recentes) e 29,6 milhões de
toneladas dispostas em lixões e aterros controlados.
Fonte: Washington Novaes - O Estado de São Paulo
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