Sem perder tempo é preciso discutir as cidades
Só pode ser bem-vinda a
realização nesta semana, (abril 2016), em São Paulo, do evento “Caminhos para
as cidades”, já que estimativas calculam em 30% a população de zonas urbanas
brasileiras que só se desloca a pé todos os dias e consome para isso mais de
uma hora e meia, em média, nas maiores cidades. Para essa parcela e para
deficientes físicos que se deslocam em cadeiras de rodas a situação e as regras
da “caminhabilidade” são decisivas.
Um dos caminhos em discussão é o
uso de aplicativos para registrar problemas como buracos, postes mal
sinalizados, calçadas muito estreitas, rampas de saída de garagens, degraus e
outros obstáculos que impedem ou dificultam a mobilidade de quem se move a pé
ou em cadeiras de rodas, assim como problemas nas áreas de seguranças,
sinalização e outros – de modo a orientar ações públicas. Só na Região
Metropolitana de São Paulo, com 20,9 milhões de habitantes, registram-se
diariamente 43,7 milhões de deslocamentos. Isso pode ser traduzido para cerca
de 15 milhões de deslocamentos por pedestres.
E embora praticamente não se ouça
falar de macroplanejamentos para essas questões, a Prefeitura de São Paulo tem
mencionado um “novo zoneamento” para a cidade que permita em certas áreas
altura máxima de 40 metros (14 andares) para prédios que hoje só podem ter, no
máximo, 28 metros (8 andares). Uma “ideia aloprada”. Da mesma forma que poderia
ser qualificada a tese lançada pelo prefeito de “derrubar o Minhocão” ou de
fechá-lo por um, dois ou três meses para verificar a “resposta de pedestres e
condutores de veículos”.
Vai-se considerar, por exemplo,
ao discutir a expansão urbana, que São Paulo tem hoje mais de 2 milhões de
metros quadrados em imóveis sem uso – um número equivalente a duas Heliópolis. Ou
ainda que 15 bairros da cidade “encolhem” há duas décadas, por motivo variados.
Como se pretende encarar as duas questões? Trabalho recentemente discutido na
Universidade de Campinas (24 de março de 2016) por Aparecido Soares da Cunha
tratou da tese de que São Paulo, Rio de Janeiro, Santos, Campinas e as cidades
do Vale do Paraíba tendem a formar um grande e único aglomerado.
Quando se discutem esses temas,
um dos primeiros embaraços está no problema de 40% dos domicílios urbanos
brasileiros não estarem conectados a redes de esgotos; e dos esgotos coletados,
nem metade é tratada. Grande parte das fezes humanas produzidas (15 milhões de
toneladas/ano) vai ser despejada em rios. Segundo o IBGE, menos de 50% dos
municípios dispõem de sistemas de coleta e tratamento eficientes, que recebem
cerca de 400 mil metros cúbicos diários. O déficit é enorme: pode-se lembrar
que cada ser humano gera 200 gramas diários de fezes, total de cerca de 40,8
mil toneladas diárias. Só que apenas 40,8% dos esgotos são tratados, segundo o
Ministério do Meio Ambiente. O restante – esgotos coletados, mas não tratados –
vai, juntamente com os esgotos não recolhidos pelo sistema, poluir os cursos
d’água.
Pouco se faz também ou se planeja
para enfrentar o alto nível de poluição do ar nas zonas urbanas – muito acima
do máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde –, principalmente por
causa de combustíveis usados em mais de 80 milhões de veículos que já circulam.
E agora, apesar da recessão, planeja-se para este ano a venda de mais 1,68
milhão de novos veículos – no ano passado foram vendidos 2,56 milhões; em 2012,
mais de 3,8 milhões.
O problema das águas torna-se
ainda mais grave quando se lembra a advertência do Programa Hidrológico
Internacional: se nada for feito para conter a crise que já está aí, teremos
uma queda de 20% no suprimento mundial de água potável, com uma progressão
sempre que se registrar o aumento de um grau Celsius na temperatura mundial.
Menos água e mais poluída. E
ainda continuamos desperdiçando 36,4% da água disponível no País. A principal
causa – encanamentos velhos – ocorre antes mesmo de a água chegar às casas e a
outros consumidores. Uma consulta pública está em andamento sobre o Plano
Nacional de Recursos Hídricos para 2016-2020, que se debruçará também sobre a
gestão adequada de metais pesados – para evitar problemas na água e no ar –,
assim como sobre a segurança de barragens. E ainda sobre a dessalinização de
água no Semiárido brasileiro, que já beneficia mais de 480 mil pessoas.
É preciso lembrar igualmente a
questão dos resíduos. Segundo a associação das empresas de limpeza (Abrelpe),
no ano passado foram coletados 164 milhões de toneladas (pouco mais de 450 mil
por dia), quando outras estimativas de produção de lixo domiciliar têm sido de
cerca um quilo por dia por pessoa – o que significaria mais de 200 mil
toneladas diárias. Mas grande parte disso vai para mais de mil lixões no País
todo. Brasília, a capital da República, tem um dos maiores, próximo da
Esplanada dos Ministérios e da sede do governo distrital. O Congresso Nacional
marcou para 2012 a data final para a extinção dos lixões, mas o ultimato não
foi ouvido. E mesmo onde não há lixões, a coleta costuma ser deficiente, lixo e
sujeira atravancam ruas – até mesmo com lixo orgânico, que responde por metade
do lixo total.
Já são muitos os estudos que
apontam para um forte crescimento das populações em áreas urbanas. Seremos mais
de 7 bilhões de pessoas no mundo, dois terços dos quais em cidades. Até 2030
haverá no mundo 41 megacidades, cada uma delas com mais de 10 milhões de
pessoas, incluídas São Paulo e Rio de Janeiro. Pode-se tentar imaginar a
dimensão dos problemas, partindo da gravidade de hoje.
Fonte: Washington Novaes - O Estado de S. Paulo
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