A guerra dos números na restauração florestal
A meta apresentada pela
presidente Dilma Rousseff no Acordo de Paris foi a de restaurar 12 milhões de
hectares até 2030. Considerando apenas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e
Reserva Legal, para as quais o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) exige a
recomposição florestal em todo território brasileiro, o passivo estimado é de
21 milhões de hectares.
O movimento “Pacto pela
Restauração da Mata Atlântica”, que conta com a participação de ONGs, empresas,
institutos de pesquisa e poder público, mapeou 15 milhões de hectares a serem
restaurados apenas no Bioma Mata Atlântica. Para chegar a este número, o
levantamento considerou as áreas de baixa aptidão agrícola, além daquelas já
obrigatórias por lei a serem restauradas. Agora, uma fotografia precisa do
passivo só será possível com a conclusão do Cadastro Ambiental Rural e a
validação de todas as informações ali inseridas.
Partindo dessa perspectiva,
alguns números sobre o custo de restauração foram estimados ou simulados em
cenários extremamente otimistas. Como exemplo, podemos citar o Plano Nacional
de Recuperação da Vegetação Nativa, o PLANAVEG, ainda em sua versão preliminar,
elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e que apresenta a meta de
restauração de 12,5 milhões de hectares em 20 anos.
Entretanto, antes de estimarmos
os custos, é preciso mergulharmos mais a fundo na restauração florestal para
compreendermos melhor como esse processo acontece.
Restauração
Florestal
Comumente chamada de
reflorestamento, não consiste unicamente no plantio de mudas de espécies
nativas da região, mas reproduzir, de fato, um ambiente nativo funcional.
Quando abordamos a Mata Atlântica, por exemplo, estamos falando da recomposição
de um ambiente com o mínimo de ocorrência da biodiversidade regional e que
exerça os serviços ecossistêmicos, tais como: sequestro de carbono, melhoria na
qualidade e quantidade de água e recomposição de paisagens naturais, exatamente
como a floresta exercia em seu estado original.
Para explicar todos os processos
envolvidos é possível fazermos a seguinte analogia: áreas degradadas seriam os
doentes a serem tratados. Para cada doente é necessário identificar qual a
doença (fatores que levaram a área a se degradar, tempo de degradação e
intensidade), para só então elaborar um diagnóstico e propor o melhor
tratamento.
As metodologias são as mais
diversas. Um exemplo é a simples remoção do fator de degradação, como o
isolamento de áreas com cercas para evitar a entrada de gado (neste caso, a
área expressaria seu potencial de regeneração natural). Outras técnicas
possíveis são: enriquecimento, que consiste basicamente na introdução de uma
diversidade florística maior; adensamento, no qual a diversidade florística é
boa e a cobertura da área pela flora nativa insuficiente; chegando até aos
doentes que estão na CTI e que demandam um tratamento mais enérgico. Para esse
último caso, muitas vezes é preciso plantar mudas e monitorar seu
desenvolvimento até que elas criem um ambiente propício para atingir uma
dinâmica natural de floresta, árvores maduras, condições para estabelecimento
de um sub-bosque, árvores juvenis, adolescentes, entre outras formas vegetais.
São justamente nessas diferentes metodologias que os custos se diferenciam de
forma exponencial.
Fica evidente a complexidade do processo
em qualquer metodologia que venha a ser adotada, o que por sua vez demanda uma
cadeia de profissionais para o diagnóstico e aplicação da técnica mais
adequada. Podemos somar a isso toda a complexidade econômica do Brasil, já que
incertezas e instabilidades limitam as projeções de cenários reais. Mas, então,
quais os riscos destas projeções, mesmo elas sendo otimistas?
A questão é que diante desta
perspectiva apontada e toda complexidade do tema, políticas públicas podem ser
desenhadas de forma equivocada, a exemplo de editais públicos com valores
insuficientes para trabalhos de qualidade satisfatória, manutenção do mercado
incipiente e planejamentos que não saem do papel.
O fato é que as metodologias para
restauração florestal não permitem que prorrogações ou pausas sejam feitos.
Vamos imaginar o plantio de uma área. Após sua realização, a área precisará de
intervenções para que a vegetação plantada se estabeleça e se desenvolva.
Outro aspecto muito negativo é
que os custos, em geral, são apresentados como se não houvesse benefício nenhum
associado.
É necessário ficar cada vez mais
claro que a restauração florestal é um investimento, com potencial de geração
de milhares de empregos, impostos e benefícios difusos por meio dos serviços
ecossistêmicos que este tipo de projeto resgata, com destaque, nesse ponto,
para compromissos globais de mitigação às mudanças climáticas, pois a
restauração florestal é uma ferramenta eficaz para neutralização do carbono na
atmosfera. Também não poderíamos nos esquecer da crise hídrica que ainda
vivenciamos, já que as florestas exercerem papel crucial no ciclo hidrológico.
Outro forte fator a favor da
restauração é a condução de tal processo para levar a agricultura brasileira
verdadeiramente para o século XXI, agregando valor a commodities e alimentos
aqui produzidos. A tal dicotomia aparente entre conservação e produção de fato
não existe, o que há é uma grande sinergia entre elas.
Projeções, estudos e dados devem
colaborar para um planejamento sólido e factível. Devemos não só buscar
responder o quanto o reflorestamento irá custar, mas também trazer à tona todos
os benefícios que estão agregados à cadeia da restauração florestal no país.
Publicado originalmente no Globo Rural e retirado do site SOS Mata
Atlântica.
Fonte: Mario Mantovani e Rafael Bitante Fernandes
Comentários
Postar um comentário