Ministério Público Federal pede paralisação de Belo Monte por risco de colapso sanitário
O Ministério Público Federal
(MPF) em março 2016, ajuizou ação civil pública pedindo paralisação emergencial
do barramento do rio Xingu por agravar a poluição do rio e lençol freático da
cidade de Altamira com esgoto doméstico, hospitalar e comercial, já que a
condicionante de implantação de saneamento básico, que evitaria esse impacto,
até hoje não foi cumprida. Nas licenças ambientais, assim como nas propagandas
da Norte Energia S.A e do governo federal, a promesa era de que a cidade teria
100% de saneamento antes da usina ficar pronta. Até hoje, Altamira continua sem
sistemas de esgoto e água potável.
A condicionante do saneamento
básico, considerada uma das mais importantes de Belo Monte, estava prevista
desde a Licença Prévia do empreendimento, concedida em 2010. Pelos prazos do
licenciamento, a usina deveria ter entregado sistemas de fornecimento de água
potável e esgotamento sanitário no dia 25 de julho de 2014. Ainda não entregou.
Mesmo sabendo disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) liberou a
operação da usina e o barramento do rio Xingu no final do ano passado. Na
Licença de Operação, emitida em novembro de 2015, o Ibama deu prazo até
setembro de 2016 para que o saneamento de Altamira esteja concluído.
Para o MPF, o novo prazo do Ibama
é fictício. “Para concluir as obras do saneamento, a Norte Energia deverá
implementar o fornecimento de água encanada e rede de esgotamento sanitário em
mais de 24.250 domicílios altamirenses, até setembro de 2016, fazendo no curto
prazo de 6 meses o que não fez, em 1 domicílio, no prazo de 6 anos”, diz a ação
judicial assinada pelo procurador da República Higor Rezende Pessoa.
Segundo o Ministério Público
Federal, a recusa da Norte Energia em realizar parte essencial das obras do
saneamento básico (ligações dos domicílios aos sistemas de água e esgoto) é
ilegal. Para o MPF, “a NESA tem o dever de, segundo o PBA (Plano Básico
Ambiental) fornecer água potável com maior garantia de qualidade e quantidade
para todos os moradores da sede municipal”, não havendo dúvidas de que “é
obrigação do empreendedor eliminar os sistemas atuais de disposição final de
esgoto na cidade de Altamira, por intermédio da implantação de rede de
esgotamento sanitário e estação de tratamento de esgoto, rede esta que deve ser
construída por completo, o que, obviamente, envolve as ligações
intradomiciliares”.
A situação em Altamira sem as
ligações dos domicílios aos sistemas de água encanada e esgoto é, portanto, a
mesma de 104 anos atrás, quando a cidade foi fundada. Esgoto - doméstico,
comercial e hospitalar - despejado nas ruas, no solo, no rio Xingu e nos igarapés
que cortam a área urbana. Consumo humano de água do lençol freático contaminada
pelo esgoto lançado no solo. A ação do MPF mostra que até mesmo em frente ao
escritório do Ibama na cidade corre esgoto a céu aberto.
O risco de prosseguir com o barramento
do rio Xingu nessas condições é de contaminação das águas subterrâneas pela
parte sólida do esgoto acumulado por décadas nas fossas rudimentares, já que o
lençol freático vai subir e as fossas serão “afogadas”, causando doenças sérias
que podem levar a morte, já que é do lençol freático de Altamira que a maior
parte da população retira a provisão de água para consumo.
Desde o início das obras da usina
hidrelétrica de Belo Monte, tanto o governo quanto a empresa responsável sabiam
do riscos apontados na ação civil pública ajuizada pelo MPF. Parecer do Ibama
de 2009 e estudo do Painel de Especialistas de 2010, em que 40 cientistas
analisaram os impactos de Belo Monte, já apontavam a necessidade de estudos
mais detalhados sobre os poços artesianos na cidade de Altamira e o possível
impacto do barramento do rio Xingu sobre o lençol freático, já fortemente
contaminado por esgoto doméstico.
Para o MPF, “a resolução do
problema está na identificação, limpeza e desativação de todas as fossas
rudimentares e outros meios inadequados de disposição e destino final de
esgoto, combinado com a efetiva ligação das residências altamirenses à rede
coletora de esgotamento sanitário. Conjuntamente, deve haver a conclusão do
sistema de abastecimento de água potável da cidade de Altamira, fornecendo a
população água tratada com a respectiva limpeza e desativação dos poços
artesanais, que funcionam sem nenhum controle sanitário e de outorga da União”.
Multa à
Norte Energia
Durante as investigações sobre a
situação do saneamento básico em Altamira, o MPF constatou que a Norte Energia,
após construir o reassentamento urbano coletivo Jatobá, lançava esgoto
diretamente em um dos igarapés da cidade. O Ibama sabe do problema e multou a
empresa em R$ 2,5 milhões por lançar resíduos em desacordo com a legislação
ambiental.
Argumento
de terror
O MPF pede na ação que a Justiça
não aceite como argumento válido a ameaça de “apagão”, levantada pelo governo
federal em todos os processos que tratam das condicionantes de Belo Monte, até
porque as linhas de transmissão de Belo Monte apenas estarão concluídas em
abril de 2017, conforme detectado pela Agência Nacional de Energia Elétrica.
Segundo o MPF, o uso desse argumento pelo governo, que deveria cobrar o
cumprimento das condicionantes por ele mesmo impostas, “faz nascer no
empreendedor uma segurança quase inabalável quanto à continuidade da obra,
mesmo diante do descumprimento reiterado do PBA [Plano Básico Ambiental] e
constatação de irregularidades gravíssimas, que põem em risco a vida e a saúde
das pessoas”.
A ação civil pública lembra ainda
que a Organização das Nações Unidas “reconhece o direito à água potável e limpa
e ao saneamento como um direito humano que é essencial para o pleno gozo da
vida e de todos os direitos humanos” e que a situação da cidade paraense gera
grave violação a esse direito, além de desrespeitar o direito ao meio ambiente,
à saúde e educação das pessoas.Altamira pode engrossar uma triste estimativa do
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização Mundial da
Saúde (OMS), de que 1,5 milhão de crianças entre zero e cinco anos morrem todos
os anos em decorrência da diarreia, uma doença evitável com saneamento básico e
acesso a água potável.
Paralisação
do barramento do Rio Xingu
O MPF faz 15 pedidos liminares
(urgentes) à Justiça. Quer a suspensão da licença de operação e a paralisação
imediata do barramento do rio Xingu, além de suspensão dos incentivos e
benefícios fiscais da Norte Energia por descumprimento das condicionantes
referentes ao saneamento básico até que sejam cumpridas as obrigações de limpar
e desativar as fossas rudimentares existentes, limpar e desativar os poços de
água, fornecer água potável encanada e fazer funcionar o sistema de esgotamento
sanitário em todo o perímetro urbano de Altamira.
O MPF quer também a integral
recuperação ambiental do lençol freático, igarapés e rios contaminados por
esgoto e completa análise de poços tubulares e cisternas existentes hoje em
Altamira, assim como a publicação do plano de saneamento da cidade pela
prefeitura.
A ação pede ainda a implementação
de Campanha de Educação Ambiental no Município e que a Norte Energia faça um
“Pedido Formal de Desculpas” aos cidadãos altamirenses, por todos os
transtornos causados pelo não cumprimento, até o momento, da condicionante do
saneamento básico. São réus na ação, além do Ibama e da Norte Energia, a
Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), o município de Altamira e a União.
Nota: Essa é a 25ª ação judicial do MPF apontando irregularidades em Belo
Monte - Processo nº 269-43.2016.4.01.3903
Fonte: Ministério Público Federal
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