Ante a aposta perdida - Pensar nas futuras gerações


A agricultura orgânica, a agroecologia, é o futuro da produção de alimentos? Se é que queremos ter algum futuro, conforme se depreende das palavras da professora Eliane Tomiazi Paulino, do Departamento de Geociências, endossadas pelo professor Maurício Ursi Ventura. Para a professora Eliane, o atual modelo técnico da agricultura comercial, que já foi promessa de abundância de alimentos, hoje coloca em risco a saúde do planeta e a vida das futuras gerações, enquanto o professor Ursi defende uma mudança no direcionamento da pesquisa agronômica em favor de práticas que dispensem o uso de agrotóxicos. Abaixo, suas respostas a algumas questões centrais nesse debate.
Agricultura agroecológica de um lado, agricultura comercial de outro. Para além da técnica, quais diferenças de fundo merecem ser destacadas? Por que optar pela agroecologia?
Eliane Tomiazi Paulino - O projeto de agricultura agroecológica se contrapõe em tudo ao modelo de agricultura tecnificada, que hoje é incompatível do ponto de vista ambiental e social. O problema não está só na esfera técnica, de uma não utilizar veneno e a outra utilizar veneno. A agroecologia pensa a agricultura como integralidade: como o ser humano participa do processo de produção, distribuição e consumo de alimentos. Pensamos numa produção que alimente a humanidade sem inviabilizar as gerações futuras. A agricultura tecnificada quebrou com a solidariedade intergeracional, prevista na Constituição, devido à maneira predatória como se produzem hoje os alimentos. Ali não cabem pessoas, cabe máquina, veneno, não cabe abelha, não cabe bicho, cabe um produto que chega no mercado a um preço que não é o da alimentação saudável, e vai eliminando aquilo que a agricultura tem de mais precioso, que é a geração da vida. Por isso ela se contrapõe, não só do ponto de vista técnico, é do princípio, de como nós mantemos a humanidade, a que preço e com que escolha técnica e social fazemos isso.
O percurso a ser feito para mudar essa situação é muito longo?
Maurício Ursi Ventura - Temos percebido que a consciência das pessoas em relação à saúde e ao ambiente cresce cada vez mais. Por isso, as demandas por produtos de agroecologia estão crescendo. Entre os agricultores acontece o mesmo. Eles estão preocupados com a sustentabilidade. Controlam uma praga e daqui a pouco já não conseguem mais. E aparece outra praga. E aí vem o transgênico. E o mato fica resistente ao herbicida... É lógico que o agricultor convencional, que está numa cadeia de produção, às vezes não encontra flexibilidade, mas eu acho que a agroecologia começa a produzir um processo de mudança também. Na agroecologia, nós trabalhamos com controle biológico, com formas diferenciadas de fertilização de solo, e percebemos que os agricultores já aceitam mais. Conforme vão percebendo a questão da insustentabilidade, o processo vai transcorrendo.
A imagem da agricultura orgânica costuma estar associada à pequena propriedade, à pequena escala. Ela não é inviável na grande propriedade?
Maurício Ursi Ventura - Já temos várias experiências no Brasil e no mundo de grandes propriedades. Existe uma certa dificuldade em grande extensões em culturas como soja e milho, mas é porque são culturas mecanizadas. A principal dificuldade para fazer produção orgânica é controle de mato. Mas a pesquisa não tem dado prioridade a isso. O principal herbicida existente hoje é o glifosate, e custa relativamente barato, 12 reais o litro. É largamente utilizado. Está em debate a proibição do glifosate no Brasil, a OMS colocou esse herbicida como cancerígeno. Mas se for proibido, toda essa cultura do agronegócio sucumbe. Então, a pergunta que importa é: por que não existe pesquisa nas universidades, nos institutos, visando desenvolver um sistema de produção que não precise do glifosate? Está todo mundo acomodado.
Como será possível ultrapassar o modelo da agricultura comercial?
Eliane Tomiazi Paulino - Passamos meio século apostando que a química e hoje a biotecnologia iriam resolver os problemas do mundo, e estamos vendo que não estão resolvendo: o atual modelo da agricultura comercial está esgotado. Os agricultores também sabem disso. É difícil encontrar uma família de agricultores que não teve casos de intoxicação, de uma alergia grave a algum tipo de veneno. Eu acredito que é nessa crise do próprio modelo, no esgotamento dele, que vem a potencialidade da superação. Mas, obviamente, não são só os agricultores que vão fazer essa superação. A sociedade tem que entender essa necessidade. É normal o consumidor chegar na feira e querer só coisas muito bonitas, que são bombas de veneno. A sociedade vai ter que entender que, na agroecologia, se produz em escala menor, com maior qualidade, e se supõe mais gente atuando na atividade, menos desperdício. Porque, hoje em dia, metade dos alimentos vai para o lixo. Então é outro modelo de sociedade. E eu acho que ele é construído na crise desse modelo, que se revelou insustentável.
Agência UEL de notícias 

Fonte: www.uel.br

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