Produtores pedem liberação para corte de araucárias nativas
Um simples ofício foi capaz de trazer à tona uma batalha há
muito travada entre ruralistas e ambientalistas. A Federação da Agricultura do
Estado do Paraná (Faep) pediu à Secretaria Estadual de Meio Ambiente para que
seja autorizado o corte de árvores de áreas nativas com Mata de Araucária.
Atualmente só é liberada a retirada de pinheiros que tenham sido plantados ou
de algumas árvores isoladas que sejam perigosas (estejam na iminência de cair
ou de interferir em cabos de energia elétrica), estejam inviabilizando o uso do
terreno ou sejam necessárias para a construção da única residência da
propriedade.
Os produtores rurais afirmam que a proibição de corte de
araucárias transformou a espécie em uma árvore maldita, que é arrancada assim
que brota, e que seria possível o manejo controlado, com retiradas
estratégicas. Já os ambientalistas destacam que a espécie já está ameaçada ao
extremo, com perdas genéticas, e que liberar o corte abriria uma brecha para
que mais derrubadas ilegais aconteçam. Os dois lados do fronte só concordam em
um aspecto: não há uma política governamental eficiente para recuperar a
espécie.
Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em
Vida Selvagem (SPVS), considera que a liberação do manejo pode significar a
extinção definitiva da Mata de Araucária – tipo de formação vegetal que foi
reduzida a apenas 0,8% da área original, segundo os dados mais recentes, de
2001, e que consideram apenas os remanescentes intocados. “O restante ou foi
destruído ou virou soja”, diz.
Para o ambientalista, a intenção do pedido da Faep tem viés
econômico e nenhum objetivo de preservação. “Não há condição moral de admitir
que se mexa em mais nada. Seria raspar o fundo do tacho”, avalia. Clóvis alega
que o extrativismo madeireiro de espécies nativas é uma atividade do século
retrasado.
Ele ainda afirma que não faz sentido revogar as proibições
com o argumento de que a medida não foi suficiente para proteger a espécie
ameaçada de extinção. “Proibições fazem parte da vida em sociedade. E esta já
foi, em parte, assimilada. Seria um retrocesso revogar”, comenta. Ele concorda,
contudo, que apenas restringir o corte não é o bastante para que a Mata de
Araucária deixe de ser dizimada. “São necessárias políticas de incentivo para
os donos de áreas preservadas”, diz.
Manejo é controverso
Nem mesmo entre os agrônomos e engenheiros florestais há
consenso sobre o manejo de áreas nativas de araucária. Para Marc Dourojeanni,
que foi chefe do setor florestal do Peru por nove anos e atualmente mora em
Florianópolis, mexer nos remanescentes do pinheiro-do-Paraná é, no mínimo,
temerário. “Está num nível tão baixo que não tem a possibilidade de manejo
comercial”, afirma. Ele alega que se houvesse vastidão de Mata de Araucária não
se oporia ao corte sistemático.
Segundo o engenheiro florestal, seria necessário que
houvesse ao menos 30% de áreas ainda conservadas para permitir o manejo
comercial. Como restariam menos de 3% do original –considerando diversos
estágios de conservação –, autorizar qualquer retirada seria condenar a
espécie, seja em números absolutos ou mesmo pela perda de variabilidade
genética. “Não consigo entender como alguém consegue propor fazer manejo com
essa proporção.”
Dourojeanni, que foi professor de manejo florestal por 40
anos, defende que sejam estimulados reflorestamentos com araucária, além da
preservação das áreas nativas.
Para Sergio Gaiad, chefe-adjunto de Pesquisa e
Desenvolvimento da Embrapa Florestas, a exploração da Mata de Araucária é
possível se forem avaliadas, com base em indicadores e critérios, as condições
ou não de corte em cada área. “E se estudos mostrarem que eu posso tirar uma
árvore por hectare?”, questiona. O pesquisador reforça que o manejo é essencial
em áreas que estão em recuperação e que o inventário florestal, que está em
andamento, deve dimensionar a quantidade de áreas com araucária.
Gaiad argumenta que o discurso de proibição não ajudou a
preservar a espécie e que, de maneira geral, o documento proposto pela Faep tem
vários aspectos positivos. Para ele, a fiscalização para impedir os cortes é
deficiente e não há segurança jurídica para o produtor rural que deseja
investir em araucárias.
Governo prepara decreto
para mudar regras do jogo
Há mais de um ano estão sendo discutidas, dentro do governo
estadual, possibilidades de mudanças nas regras de manejo de Mata de Araucária.
O grupo de trabalho, que integra a Câmara de Biodiversidade, ouviu
pesquisadores e todos os lados envolvidos para decidir os rumos que devem ser
tomados. Em novembro, a equipe deve concluir o texto do estudo. Depois a
proposta deve passar por avaliação jurídica. O secretário estadual de Meio
Ambiente, Ricardo Soavinski, estima que novas regras passarão a vigorar em
2016. Ele não detalha quais devem ser as mudanças porque espera a definição do
grupo de trabalho.
Sobre o pedido feito pela Faep, o secretário destacou que o
caso já estava sendo analisado pelo grupo de trabalho. Ele afirma que a equipe
visa ao bom uso e à conservação da natureza. “O manejo bem feito deve ajudar na
conservação e vice-versa”, diz. Soavinski destaca que é necessário proteger
algumas áreas sem permitir o uso, mas defende que, com controle e
monitoramento, a realização de atividades econômicas em espaços florestais
nativos poderia ser bem-vinda. Uma das políticas que devem resultar do grupo de
trabalho é o estímulo ao plantio de pinheiros, principalmente consorciado com
outras espécies.
Distribuição da Ombrófila
Mista
0,8% é o que restava de Mata de Araucária intacta, segundo a
pesquisa mais recente, feita em 2001. De lá para cá, os remanescentes em
estágio avançado diminuíram ainda mais. Apesar de a araucária ser um símbolo
paranaense, ela não é uma exclusividade do estado: árvores desse tipo são
encontradas também em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, em São Paulo e até
em Minas Gerais, além de marcar presença em países vizinhos, como a Argentina.
A araucária gosta de uma determinada altitude e por isso não se desenvolve no
litoral ou na Serra do Mar.
Nota: Faep alega que
proibição não tem base científica
A Gazeta do Povo procurou a Federação da Agricultura do
Estado do Paraná (Faep), que disponibilizou técnicos para dar entrevista sobre
o assunto, mas eles não atenderam às ligações da reportagem. No documento, a
entidade afirma que a proposta é baseada em argumentos de instituições de
pesquisa florestal do Paraná. A Faep alega que não há estudo técnico científico
que sustente as legislações proibitivas. E que critérios técnicos,
cientificamente embasados, que garantam a sustentabilidade da exploração e a
conservação genética das populações exploráveis, não foram estabelecidos depois
de tantos anos da legislação.
O documento assinado pelo presidente da Faep, Ágide
Meneguette, alega que a legislação vigente, “ao contrário do esperado pelo
governo, auxilia na extinção da referida espécie”. Dentre as sugestões da
pesquisa destaca-se “o retorno da prática do manejo florestal, que permite a
retirada das árvores mais velhas em troca do crescimento das mais jovens,
através da fotossíntese pela presença do sol na floresta”. A entidade também
quer o cultivo consorciado de espécies nativas (ou de regeneração natural) com
espécies exóticas.
Fonte: www.gazetadopovo.com.br
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