Agrotóxicos - Um mal realmente necessário?
Embora a agricultura seja praticada pela humanidade há mais
de dez mil anos, o uso intensivo de agrotóxicos para o controle de pragas e
doenças das lavouras existe há pouco mais de meio século. Ele teve origem após
as grandes guerras mundiais, quando a indústria química fabricante de venenos
então usados como armas químicas encontraram na agricultura um novo mercado
para os seus produtos.
Diversas políticas foram implementadas em todo o mundo para
expandir e assegurar este mercado. A pesquisa agropecuária voltou-se para o
desenvolvimento de sementes selecionadas para responder a aplicações de adubos
químicos e agrotóxicos em sistemas de monoculturas altamente mecanizados.
Segundo seus promotores, esta “revolução verde” seria fundamental para derrotar
a fome que assolava boa parte da população mundial.
No cenário mundial, a FAO (órgão das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura) e o Banco Mundial foram os maiores promotores da
difusão do pacote tecnológico da Revolução Verde. No Brasil, uma série de
políticas levada a cabo por diferentes governos cumpriu o papel de forçar a
implementação da chamada “modernização da agricultura”. Até hoje, por exemplo,
o governo brasileiro concede redução de 60% da alíquota de cobrança do ICMS
(Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) a todos os agrotóxicos. Venenos
agrícolas de diversos grupos químicos têm ainda isenção de IPI (Imposto sobre
Produtos Industrializados), PIS/PASEP (Programa de Integração Social/Programa
de Formação do Patrimônio do Servidor) e COFINS (Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social) Além das isenções federais, há as isenções
complementares determinadas por alguns estados – há casos que a isenção de
ICMS, IPI, COFINS e PIS/PASEP para atividades envolvendo agrotóxicos chega a
100%.
Mas foi na última década que o uso de agrotóxicos no Brasil
assumiu as proporções mais assustadoras. Entre 2001 e 2008 a venda de venenos
agrícolas no país saltou de pouco mais de US$ 2 bilhões para mais US$ 7
bilhões, quando alcançamos a triste posição de maior consumidor mundial de
venenos. Foram 986,5 mil toneladas de agrotóxicos aplicados. Em 2009 ampliamos
ainda mais o consumo e ultrapassamos a marca de 1 milhão de toneladas – o que
representa nada menos que 5,2 kg de veneno por habitante! Em 2010, o mercado
nacional movimentou cerca de US$ 7,3 bilhões, representando 19% do mercado
global de agrotóxicos. Em 2011 houve um aumento de 16,3% das vendas, que
alcançou US$ 8,5 bilhões. Enquanto, nos últimos dez anos, o mercado mundial de
agrotóxicos cresceu 93%, o mercado brasileiro cresceu 190% (ANVISA & UFPR,
2012).
Nos últimos anos o Brasil se tornou também o principal
destino de produtos banidos no exterior. Segundo dados da Anvisa, são usados
nas lavouras brasileiras pelo menos dez produtos proscritos na União Europeia
(UE), Estados Unidos, China e outros países.
É preciso observar, no entanto, a ineficiência deste modelo
de produção. Mesmo com uso tão intensivo de venenos, as chamadas pragas
agrícolas conseguem desenvolver mecanismos de resistência aos venenos aplicados
e persistir nos campos: com o tempo, os agrotóxicos vão perdendo eficácia e
levando os agricultores a aumentar as doses aplicadas e/ou recorrer a novos
produtos. A indústria está sempre trabalhando no desenvolvimento de novas
moléculas, que são anunciadas como “a solução” para o controle das pragas,
doenças ou plantas invasoras, que com o tempo serão substituídas por outras
novas, e assim infinitamente. Trata-se de um círculo vicioso do qual o agricultor
não consegue se libertar. Um outro elemento chave neste processo é que o desequilíbrio
ambiental provocado por estes sistemas leva também ao surgimento de novas
pragas. Em outras palavras, insetos ou plantas que antes não provocavam danos às
lavouras, passam a se comportar como invasores e atacar as plantações.
A última novidade da indústria para “solucionar os problemas
da agricultura” foi o desenvolvimento das famigeradas sementes transgênicas.
Esta tecnologia segue a mesma lógica da agricultura convencional, ora
fabricando plantas inseticidas, ora plantas de uso associado a herbicidas e,
desde que foi introduzida há pouco mais de uma década, só fez aumentar o
consumo de agroquímicos.
Com tudo isso, a agricultura química vem, ao longo das
últimas décadas, apresentando resultados cada vez piores na relação
produtividade x custos de produção e deixando os agricultores a cada dia mais
estrangulados. Com margens de lucro sempre se estreitando, somente a produção
em escala é capaz de proporcionar ganhos satisfatórios – um outro elemento a
contribuir para a concentração de terra e renda no país, marginalizando e
expulsando os agricultores familiares reféns do modelo convencional.
É preciso observar ainda que esses sistemas convencionais de
grande escala são extremamente vulneráveis e frequentemente, ao invés de lucro,
dão prejuízo. E sobrevivem graças aos incentivos concedidos pelos governos,
como, por exemplo, os repetidos perdões de dívidas.
Não se pode deixar de mencionar, além disso, que a
agricultura convencional não assume os custos ambientais e sociais por ela
gerados – as chamadas “externalidades negativas”. Quem paga, na prática, pelas
contaminações ambientais e intoxicações provocadas por este modelo de produção
é a sociedade. Os grandes produtores rurais ignoram estes custos.
Contaminação ambiental e
intoxicação
Os dados de intoxicação humana e de contaminação ambiental
provocados pelo uso generalizado de agrotóxicos são alarmantes.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que o chamado “uso
seguro”, artifício usado pela indústria para mascarar os perigos de seus
produtos, mostra-se absolutamente impossível – seja pela dificuldade de se
seguir no campo todas as recomendações de segurança, seja pela própria
incapacidade destes métodos de fornecer real segurança.
Além disso, é importante destacar que os perigos da
intoxicação crônica, aquela que mata devagar, com o desenvolvimento de doenças
neurológicas, hepáticas, respiratórias, renais, cânceres etc., ou que provoca o
nascimento de crianças com malformações genéticas, não advêm apenas do contato
direto com venenos. O uso massivo de agrotóxicos promovido pela expansão do
agronegócio está contaminando os alimentos, as águas e o ar – estudos recentes
encontraram resíduos de agrotóxicos em amostras de água da chuva em escolas
públicas no Mato Grosso. As pesquisas também comprovaram que o sangue e a urina
dos moradores de regiões que sofrem com a pulverização aérea de agrotóxicos
estão envenenados.
Uma outra agricultura é
possível
Não é verdadeira a afirmação de que precisamos dos
agrotóxicos para alimentar uma população crescente e faminta. Essa mensagem é
propagada pela indústria de venenos, que visa promover seus lucros, e não a
saúde e o bem estar das pessoas. Não deveria ser necessário repetir a
informação, já amplamente divulgada em diversos meios, de que o mundo produz
comida suficiente para alimentar a todos e o que falta é igualdade de
distribuição e acesso à renda para produzir ou comprar alimentos.
E, ao contrário do que tentam fazer crer as indústrias e os
defensores do status quo social, existem infinitas experiências que mostram ser
possível alcançar boas produtividades a baixíssimos custos através de sistemas
ecológicos de produção. Trata-se de sistemas diversificados, de baixo impacto
ambiental, capazes de produzir alimentos saudáveis e contribuir para a promoção
da segurança alimentar e nutricional.
Estes sistemas não se aplicam ao modelo do agronegócio: é
evidente que vastas extensões de monoculturas, em que se eliminam completamente
os elementos da paisagem natural, reduz-se a biodiversidade ao extremo e
exaure-se o solo, torna-se muito difícil produzir de maneira sustentável.
Os sistemas agroecológicos, ao contrário, são adaptados à
realidade da agricultura familiar e reforçam a proposta de um outro modelo de
desenvolvimento para o campo, que prevê a repartição das terras e a produção
descentralizada, que possa empregar muita mão-de-obra, dinamizar economias e
abastecer mercados locais com alimentos saudáveis.
Mas para que a agricultura ecológica possa de fato se
desenvolver, se expandir e, quem sabe, tornar-se hegemônica no Brasil será
necessária uma série de profundas mudanças nas políticas agrícolas e agrárias.
É bom lembrar que o agronegócio teve até hoje absolutamente
todos os incentivos que se pode imaginar: pesquisa agrícola, assistência
técnica, financiamentos, apoio à comercialização e os intermináveis perdões de
dívidas. Ainda assim, não lidera a produção dos alimentos que chegam à mesa dos
brasileiros – a maior parte do que produz é exportada para alimentar o gado dos
países ricos. Quem de fato produz a maior parte do feijão (70%), do leite
(58%), da mandioca (87%), dos suínos (59%) e boa parte do milho (46%), das aves
(50%), do café (38%) e do arroz (34%) que consumimos é justamente o agricultor
familiar (Censo Agropecuário 2006 / IBGE).
É preciso, portanto, que haja uma radical mudança de
perspectiva na concepção e condução das políticas e programas governamentais
que coloque a agricultura familiar e a agroecologia no centro das prioridades.
Em primeiro lugar precisamos enfrentar um processo amplo e
bem organizado de reforma agrária. Os agricultores familiares conseguem ser
eficientes na produção de alimentos e podem fazê-lo a baixos custos e reduzidos
impactos ambientais. Em seguida, é preciso direcionar a pesquisa agrícola, a
assistência técnica, os programas de garantia de safra, de apoio à
comercialização e de crédito para este setor, que será, assim, capaz de atender
a demanda da população por alimentos saudáveis, baratos e produzidos com o
mínimo impacto ambiental.
Fonte: Flavia Londres - Engenheira Agrônoma
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