Tudo isso e nós também
Podemos voltar atrás e
recapitular por um momento.
Nascemos, vivemos e moramos em um
espaço do planeta Terra. E desde os primeiros tempos da história humana,
vivemos e nos transformamos ao socializarmos a natureza. Isto é, ao
transformarmos sem cessar espaços em lugares. E vivemos cada momento de nossas
vidas dentro, na natureza, no interior de ambientes naturais. Mas, desde uma
pequena tribo de indígenas do Mato Grosso até um grande bairro da Zona Leste da
cidade de São Paulo, vivemos em lugares “conquistados” da natureza pelo
trabalho humano, e transformados em quartos e casas, em ruas e em bairros, em
cidades e em municípios.
O trabalho humano que a cada
instante e de muitos modos socializa a Natureza, pode ser um aliado dela. E
pode ser um seu inimigo. Quando o ser humano se alia à natureza e busca
comunicar-se com ela de modo a interagir com o mundo em que vive sem o desejo
de apropriar-se, de dominar ou de destruir, ele cria as condições de uma
relação harmoniosa entre a sociedade e a natureza, entre a cultura e o
ambiente.
Um pouco adiante vamos encontrar
palavras que tentam traduzir esta relação humana harmoniosa. Palavras como:
sustentável, sociedade sustentável, comunidade sustentável, sustentabilidade.
Em direção oposta, quando as
pessoas lidam com o mundo natural como se ele fosse inesgotável, como se
existisse única e exclusivamente a serviço dos seres humanos, e como se os seus
recursos e seres devessem ser dominados, conquistados e, finalmente, exauridos,
esgotados e destruídos, para servir a interesses apenas econômicos e
utilitários, sobrevém aí uma visível ameaça. Sobrevém o perigo de que, ao
“conquistar” e “utilizar” os recursos naturais em proveito próprio, a espécie
humana possa estar gerando, pouco a pouco, mas em uma velocidade crescente, os
cenários e as condições de sua própria destruição.
Sim, porque como seres vivos,
Seres do mundo da Vida, seres também naturais, todos nós e tudo o que nós
criamos pode vir a desaparecer da face da Terra, na medida em que alteremos o
sábio equilíbrio com que a mesma Terra nos gerou, depois de gerar a Vida e o
equilíbrio e a harmonia de uma Natureza que nos mantém vivos.
Você já pensou que o mundo
natural existiu bilhões de anos sem a nossa presença na Terra e que ele poderia
seguir vivendo outros bilhões de anos de existência depois do nosso
desaparecimento da “face da Terra?” Você já parou para pensar que a Terra, a
Vida e a Natureza não precisam de nós para prosseguir existindo e se
multiplicando, enquanto nós sim, nós precisamos da Natureza na Terra para
prosseguirmos nossa viagem pela Vida?
Até algum tempo atrás quase não
havia o conhecimento de que a nossa nave-casa, o Planeta Terra era um sistema
vivo de interações. Um todo tão integrado, tão complexo, tão misterioso e tão
maravilhoso de matéria e energia.
Mas um sistema vivo ao mesmo
tempo poderoso e frágil.
Imaginávamos uma Terra de
recursos naturais infinitos e inteiramente posto à nossa disposição. Mas hoje
sabemos que do ouro à água tudo pode acabar, pois tudo é infinito quando em
equilíbrio, mas pode se extinguir em pouco quando o equilíbrio natural se
quebra e a harmonia das relações entre nós, seres humanos, e o todo do mundo
natural de que somos filhos e parte, se quebra por causa de nossas ideias e de
nossas ações.
Hoje temos este conhecimento. Hoje
somos sabedores de tudo isto e aprendemos a conviver com a consciência de que
vale mais nós aprendermos a virmos a ser irmãos do universo (a começar por
nossa pequenina e por agora única casa dentro dele, a Terra) do que os senhores
do mundo. Um mundo que por nossa causa um dia talvez não seja mais capaz de
abrigar a Vida e as nossas vidas.
No entanto acontece que ainda
hoje muitas e muitas pessoas, mesmo tendo consciência dos perigos que através
de nossas próprias mãos batem às nossas portas, dizem assim: eu sei o que está
acontecendo, mas o que é que eu tenho a ver com isso? Ou então dizem: eu estou
consciente do que está acontecendo, mas o que é que eu posso fazer?
E, na verdade, todas e todos nós
podemos fazer algo. Mesmo quando aparentemente longe, “o que acontece” sempre
tem a ver com todos nós. Para além das fronteiras que parecem nos dividir,
somos todos viajantes do mesmo barco. Estamos embarcados na mesma viagem: a da vida
humana na Terra. Vivemos todos na mesma casa e de algum modo temos e teremos
todos o mesmo destino. Um destino que depende da Terra e da Vida na Terra. Mas
que depende, antes, do que estamos fazendo e do que podemos começar a fazer com
a Vida e com a Terra. Pois será uma escolha nossa seguirmos sentindo, pensando
e agindo como agimos, pensamos e sentimos, ou começarmos a aprender a sentir de
outro modo, a pensar de outra maneira, a viver e a agir de outra forma.
E o lugar onde tudo isto pode
começar a acontecer talvez esteja bem mais perto de onde moramos e vivemos do
que imaginamos.
Mas, onde e como é que existe
este “lugar”?
Trecho do livro - Aqui é onde eu moro, aqui nós vivemos
Fonte: Carlos Rodrigues Brandão
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