O Pantanal segue ameaçado
Como o Cerrado, o Pantanal vive
um silencioso aumento de suas ameaças. Pesquisadores do Projeto Bichos do
Pantanal fazem um alerta sobre os impactos que podem por em risco o equilíbrio
que sustenta o rio Paraguai e o Pantanal. “Existem muitas atividades econômicas
possíveis no Pantanal, e a própria população local espera por mais crescimento,
a grande questão é que devemos sempre relembrar que em uma região tão frágil,
essas ações necessitam de estudos prévios e muito debate com a sociedade”.
A construção de Pequenas Centrais
Hidrelétricas (PCHs), o aumento do desmatamento, do assoreamento e da poluição
dos mananciais são algumas das ações que podem acelerar o desaparecimento de
uma das mais belas paisagens do planeta. Vivem hoje no Pantanal cerca de 500
espécies de aves, 269 de peixes, 212 mamíferos e 4.700 espécies de plantas
diferentes. A beleza e singularidade desse ecossistema fizeram com que geólogos
como Aziz Nacib Ab’ Saber o batizassem como: paisagem de exceção. O cenário
pantaneiro formado por lagoas, antigas morrarias, e grandes planícies é
considerado um dos locais mais belos do mundo e a região é Patrimônio Nacional
e Patrimônio Natural da Humanidade, reconhecido pela Unesco.
Apesar de toda essa beleza, nem
essa porção isolada no coração do país está livre de ameaças. O lixo já é um
problema visível em muitos pontos do rio Paraguai. No 26º Mutirão de limpeza do
rio Paraguai, organizado pela sociedade civil de Cáceres, no Mato Grosso, foram
retiradas aproximadamente 10 toneladas de lixo do rio, um dos principais
formadores do Pantanal. “Os plásticos, filtros de cigarro e restos de linhas de
pescaria podem parecer inofensivos, porém para a fauna do Pantanal isso pode
ser confundido com alimento e mata-los. Também não sabemos ao certo quais serão
os efeitos do crescente uso de agrotóxico nas regiões das cabeceiras dos rios
do Pantanal”, afirma Douglas Trent, pesquisador-chefe do Projeto Bichos do
Pantanal.
Além da poluição, outra ameaça a
esse importante bioma é o desmatamento. A perda da vegetação nativa nas margens
dos rios do Pantanal induz o aumento do assoreamento, um processo que ocorre
quando os detritos são levados de forma mais intensa para o leito dos rios
deixando as águas mais rasas. O problema se agrava quando o desmatamento é
somado as queimadas e produz o que os pantaneiros chamam de “Dequada”.
Para os pescadores profissionais,
o processo da Dequada é uma das piores ameaças a vida nos rios da região. “Nós
que vivemos parte do ano isolados nos acampamentos do rio Paraguai, temos muito
medo de onça-pintada e de jacaré. Mas, na verdade o que acaba com os peixes é a
tal da Dequada. Quando o solo queimado e desmatado é levado para dentro do rio
pela enxurrada”, afirma o pescador. “Eu queria trazer gente aqui para filmar,
morrem tantos peixes que o rio e as baías ficam alastrados de animais mortos e
apodrecidos”, alerta um pescador.
O fenômeno é conhecido por cientistas
como um processo natural do Pantanal. Dependendo da rapidez e intensidade das
cheias, a Dequada pode baixar drasticamente o nível de oxigênio do rio
Paraguai, porém, muitos peixes podem se adaptar e sobreviverem a esse ambiente
inóspito.
O grande problema é quando esse
fenômeno é associado as queimadas provocadas pelo homem para abrir novas
pastagens e desmatar florestas nas margens dos rios. “O que percebemos é que as
queimadas intensificam esse processo de perda de oxigênio na água e também traz
para a água inúmeras substâncias tóxicas que aumentam a mortandade dos peixes”,
explica Claumir Muniz, pesquisador de ictiologia do Projeto Bichos do Pantanal
e da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). “Nas baías que se formam
durante as cheias, e que servem de berçário para a maioria das espécies de
peixes do Pantanal, o processo é mais grave, pois os pequenos alevinos são mais
sensíveis a perda de oxigênio e ao envenenamento d’águas. Não é incorreto
afirmar que as queimadas ilegais e descontroladas são hoje uma das principais
ameaças ao equilíbrio do Pantanal”, conclui.
O uso de agrotóxico para limpar
as pastagens e a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHS) nos
afluentes do rio Paraguai se somam ao problema da intensificação das queimadas,
criando uma verdadeira bomba contra o futuro do Pantanal.
A proximidade da região com a
fronteira do Paraguai e da Bolívia facilita o contrabando de agrotóxicos
(muitos proibidos) no país, que são vendidos de forma ilegal e desregulada. Os
principais são os herbicidas.“Além de envenenar os rios e os peixes, a pessoa
acaba comprando esse tipo de produto sem qualquer orientação de uso, o que traz
um risco também de envenenamento das pessoas”, afirma Isidoro Salomão, ou padre
Salomão como também é conhecido o coordenador da sociedade civil de Cáceres e
do comitê popular do rio Paraguai.
O crescimento das hidrelétricas é
outro ponto de atenção quando o tema são as ameaças que pairam sobre o
Pantanal. No rio Jauru, um dos principais afluentes do rio Paraguai já existem
cinco PCHs. A grande questão é que a maioria foi construída sem estudo de
impacto ambiental, ou com análises que não consideram toda a bacia
hidrográfica. “Estamos para publicar um documentário sobre o dia em que o rio
secou, em setembro de 2008, quando começaram a construir essas PCHs e quase
todos os peixes do Jauru morreram. Até hoje o rio não se recuperou”, afirma
Salomão.
As ameaças ao Pantanal marcam
inclusive a data de comemoração desse ecossistema. O dia 12 de novembro foi
decretado, por Marina Silva, ministra do meio ambiente na época, como o Dia do
Pantanal. A data foi uma homenagem a morte de Francisco Anselmo de Barros
(Francelmo), que se matou em 2005 em um protesto contra a liberação das usinas
de álcool no Pantanal e outras ameaças a esse ecossistema.
No dia 14 de novembro, o Pantanal
volta a ganhar uma data de comemoração, dessa vez o Dia do rio Paraguai, que
tem como foco uma vitória da sociedade civil contra a construção da hidrovia
Paraná-Paraguai. O projeto foi intensamente debatido na década de 1990 e previa
a retificação das curva originais do rio Paraguai para transformar a região em
um enorme canal de transporte fluvial, tal qual o rio Mississipi nos EUA.
Pesquisadores, ambientalistas, acadêmicos e a população do Pantanal se uniram
contra o projeto, conseguindo evitar que o governo construísse a hidrovia. O
marco da luta contra o projeto foi uma audiência pública no dia 14 de novembro
de 2001, quando a sociedade civil organizada do Mato Grosso e do Mato Grosso do
Sul conseguiram pressionar que o governo desistisse do projeto que previa
intensas modificações do rio Paraguai na região do Pantanal de Cáceres.
As ameaças contra o Pantanal
podem afetar muitas outras regiões, inclusive o Sudeste que sofre hoje uma
crise de abastecimento de água. “A planície alagável de até 250 mil quilômetros
quadrados tem um papel fundamental na reprodução dos peixes e no abastecimento
dos recursos hídricos das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Qualquer impacto
sobre o Pantanal, afeta de forma negativa, as outras regiões.”, afirma Claumir
Muniz.
Para Douglas Trent, além do
equilíbrio ambiental o Pantanal é o último refúgio da vida selvagem e uma
importante morada para espécies como a onça-pintada. “No futuro, se vamos
desejar que esse tipo de animal exista e fique livre dos riscos de extinção que
já pairam sobre as onças na Mata Atlântica, vamos precisar preservar grandes
áreas naturais intocadas como o Pantanal”, diz Trent. “A região é um dos
últimos refúgios para a vida selvagem do mundo, cabe aos homens decidirem por
preservá-lo”.
O Projeto Bichos do Pantanal atua
no Alto Pantanal desde 2013, com sede em Cáceres, no Mato Grosso. Sua proposta
é trabalhar em três frentes de ações em prol do desenvolvimento e da
preservação do Pantanal: pesquisa e conservação, desenvolvimento econômico
regional e turismo de natureza e com a educação ambiental.
Fonte: www.bichosdopantanal.org
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