Brasil cria poucas unidades de conservação
No auge da crise hídrica vivida
pelo sudeste, estranhamente, pouco se fala em meio ambiente, menos ainda em
conservação da natureza. E se nem diante da eminente sede paulista esses temas
tão intrinsicamente ligados ao abastecimento não são trazidos a tona, menos
ainda se fala em unidades de conservação.
O que são
mesmo unidades de conservação
São a melhor forma de conservar a
natureza. São também o melhor serviço social que se pode prestar a uma
sociedade, já que ao preservar a biodiversidade, estamos também conservando os
recursos que nós precisamos para sobreviver: qualidade do ar, manutenção do
clima, solos férteis, polinização para a agricultura, segurança contra
desmoronamentos de encostas e... água.
Se as águas que brotam das
nascentes da mata atlântica abastecem as grandes cidades do Sul e do Sudeste,
as águas que vêm do cerrado ajudam a manter a qualidade dos solos agricultáveis
do Sudeste e Centro-Oeste, além de escoar para o Nordeste. De cima, através dos
rios voadores é a evaporação na Amazônia que traz a chuva para as áreas
agrícolas de todo o centro-sul. Tudo está interligado.
Sabemos disso. Há tempos sabemos.
Porém na corrida desenvolvimentista de curto prazo, que impera ano após ano no
nosso país, não levamos esse tipo de informação a sério – ou pelo menos não com
a seriedade que deveríamos – muito mais fácil acreditar que um milagre vindo
dos céus irá salvar a todos. Se o milagre em questão for água, para acontecer
vai antes precisar de florestas.
E as unidades de conservação, o
que têm a ver com isso? Tudo. São elas, que em dimensão e quantidade preservam
toda essa intricada rede de serviços ambientais, sem os quais sucumbimos. Não
obstante, são hoje as mais esquecidas. Signatário da Convenção da
Biodiversidade (CDB) desde 1992, o Brasil se comprometeu a proteger pelo menos
10% de cada um dos seus sete biomas em unidades de conservação (UCs). Não
cumpriu. Mais recentemente, também se comprometeu com as Metas de Aishi a
proteger 17% de cada bioma do seu território. Ainda está longe de cumprir.
Embora a Amazônia esteja
relativamente bem representada, com cerca de 30% de área protegida em unidades
de conservação, outros biomas não poderiam estar pior representados: o marinho,
por exemplo, somando tudo e mais um pouco não chega a ter 1,5% de área
protegida. De onde virão os estoques de peixes no futuro? A caatinga hoje não
tem nem 2% da área em UCs de proteção integral. O pampa... quem lembra do
pampa?
Se os números per se demonstram
nossa falta de comprometimento com a natureza e com a sobrevivência dos nossos
filhos – e os filhos dos nossos filhos – o panorama fica um pouco mais
complicado quando olhamos para nossa história recente.
As primeiras UCs brasileiras
foram criadas na década de 1930, com os Parques Nacionais de Itatiaia e Iguaçu,
sendo que nas décadas seguintes, especialmente durante o governo militar, a
demarcação de UCs aconteceu de forma modesta porém contínua. Em muitos casos
levava em conta a proteção de áreas fronteiriças e estratégicas para a defesa
do país.
Com o fim da ditatura e em
seguida com a promulgação da lei que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação, Lei 9985/2000, somada à constatação de que para conservar a
natureza são necessárias grandes extensões e conectadas entre si, e com alguma
vontade política, houve um notável avanço no processo de criação. Somando os
oito anos do governo FHC aos oito do governo Lula, a área protegida do Brasil
foi praticamente triplicada em hectares, passando de pouco mais de 20 milhões
para cerca de 75 milhões de hectares em 2010 quando Dilma assumiu.
Problemas sobravam, claro. Falta
de recursos e toda a sorte de investimentos, falta de equipe, de capacitação,
provisões, regularização fundiária... Tudo isso estava muito aquém do necessário,
mas pelo menos as unidades de conservação estavam sendo criadas. Ter as UCs
criadas era antes de tudo uma tentativa de resguardar parte da biodiversidade
dos avanços desenfreados e da política de governo imediatista, desprovida de
visão, que impera nesse país independente da mão que o governa. Se faltavam os
recursos para implementação, ao menos havia uma perspectiva de que em longo
prazo, com as áreas preservadas, o quadro pudesse ser pouco a pouco melhorado.
Longe do ideal, mas um pouco mais
próximo do minimamente aceitável, havia alguma lógica no processo. Havia… A
linearidade desse processo desmoronou nos últimos quatro anos. Resultado da
pressão constante de setores como agricultura, mineração, energia e as
proposições do PAC, levaram à estagnação do processo de criação de UCs no
Brasil. Somente oito UCs federais foram criadas nesses últimos quatro anos,
seis delas na última semana, a toque de caixa para não comprometer ainda mais a
imagem de um governo ambientalmente descomprometido. Não fosse isso aliás, o
governo Dilma entraria para a história como o primeiro a não criar uma única UC
na Amazônia. Para não levar esse troféu indigesto, foram criadas 4 UCs nesse
bioma, sendo três reservas extrativistas. As áreas são a Resex Marinha
Mocapajuba (21 mil hectares), a Resex Marinha Mestre Lucindo, (6,4 mil
hectares) e Resex Marinha Cuinarana, (11 mil hectares), além da Estação
Ecológica de Maués. Essa última, assim como o também recém criado Parque
Nacional de Gandarela em Minas Gerais, já nasce sob a mira da mineração em seu
entorno imediato, sinalizado no próprio Decreto de Criação. Um risco anunciado
e previamente calculado.
Do pacote de bondades de final de
mandato, ficaram de fora o Parque Nacional de Alcatrazes e a ampliação do
Parque Nacional Marinho de Abrolhos, importantíssimos berçários da vida
marinha. Também ficou de fora o tão aclamado e desejado Parque Nacional do
Boqueirão da Onça, na Bahia, uma das mais fantásticas e bem preservadas áreas
caatinga, que ainda abriga uma das últimas populações de onça-pintada desse
bioma, além de alguns indivíduos da arara-azul-de-lear, o nosso famoso
tatu-bola e tantas outras espécies de flora. Aliás, o próprio nome “Boqueirão
da Onça” pode ser traduzido como ‘o lugar onde a onça bebe água’. São poças encrustadas
nos paredões rochosos das chapadas e serras que em sua base acumulam a rara
água da chuva. Não só as onças, como toda a fauna se abastece nesses poços.
Também abriga um vasto número de nascentes, algumas perenes, que matam a sede
de milhares de sertanejos que vivem em seu entorno. Água na Caatinga é ouro, e
o Boqueirão é uma mina, hoje desprotegido e a céu aberto, que precisa com
urgência ser transformado em um parque nacional.
Voltando ao Sudeste, um antigo
projeto que pretendia criar o Parque Nacional dos Altos da Mantiqueira, uma das
caixas d’água da região, sequer é mencionado hoje em dia...
Há dez anos atrás nenhum
brasileiro imaginaria que a grande São Paulo, a cidade mais rica do país,
estaria passando por uma crise dessas por conta de um elemento tão básico
quanto abundante em nosso país.
Agora pense: A "terra da
garoa" (São Paulo - Brasil),sofre agora por falta d’água, imagine daqui há
30 anos.
Fonte: Angela Kuczach
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