A mineração na Amazônia e o falso brilho da festa


Os pesquisadores fazem referência ao que chamam de um processo de desmonte da legislação ambiental brasileira. As regras para desmatamentos legais foram flexibilizadas pelo Congresso no novo Código Florestal, houve redução de unidades de conservação nos últimos anos para permitir a construção de grandes usinas hidrelétricas, e agora há uma tentativa de liberar áreas protegidas para a mineração. O Brasil não deveria desperdiçar a liderança e sucesso ambiental, duramente conquistados, em favor de projetos de desenvolvimento de curta duração que deixam um longo legado de destruição ambiental.

A história

Ao se casar, a cientista ambiental Annie Leonard recusou-se a buscar em uma joalheria da moda o seu anel de ouro, novo em folha, como costuma acontecer à maioria dos noivos nesse momento, repleto de simbolismos. Preferiu garimpar em um antiquário uma peça usada, que lhe ornasse o dedo anular. O episódio é descrito em seu extraordinário livro A História das Coisas (Editora Zahar), em que a autora faz uma análise sobre a origem das coisas que consumimos no dia a dia. Ela relaciona essa origem aos processos produtivos, nem sempre limpos, como ocorre com o algodão de nossas prosaicas camisetas básicas, ou mesmo o ouro, cuja extração ao redor do mundo ainda deixa um rastro obscuro de devastação ambiental, social, humana.

Ao optar em não estimular o consumo do metal, nossa protagonista rompeu com cadeia produtiva nefanda na qual o ouro costuma estar metido.

Embora haja iniciativas ao redor do mundo que tentam limpar a pegada do metal precioso, fato é que para a América Latina o tema carece de emergencial revisão.

Entre 2001 e 2013, cerca de 1.680 km² de floresta tropical, algo como a cidade de São Paulo, foram perdidos para a atividade ilegal na região, conforme recente estudo feito pela Universidade de Porto Rico, liderado pela pesquisadora Nora Álvarez-Berríos e publicado na revista Environmental Research Letters.

Segundo a pesquisa, nas florestas tropicais do continente sul-americano, a maior parte (89%) do garimpo ocorre em quatro regiões, sobretudo nas florestas peruanas e no interior da Colômbia. No Brasil, o epicentro da destruição está situado entre os rios Tapajós e Xingu, no Pará. Em uma década, o número de garimpeiros no país praticamente dobrou e a atividade ilegal ameaça rios, florestas e populações ribeirinhas.

O uso do mercúrio é indiscriminado e corre solto na floresta, sem controle do estado. As condições nos garimpos são sub-humanas: drogas, exploração sexual e trabalho escravo são mazelas que costumam acompanhar a extração ilegal do ouro na floresta.

E o problema também mancha zonas de fronteira, a exemplo da interseção entre o estado do Amapá e a Guiana Francesa. Ali, há décadas vêm-se tentando conter a explosão do garimpo ilegal naquela que é uma das regiões mais ricas em minério do mundo.
Depois de se arrastar por seis anos nos corredores do Congresso Nacional, finalmente o Brasil ratificou um acordo com a França, em que os dois países se comprometem em atuar em conjunto contra o garimpo ilegal de ouro em uma faixa de 150 quilômetros em ambos os lados da fronteira entre a Guiana e o estado do Amapá. Lá, o conflito social gerado pelo garimpo ilegal já matou gente e gerou mal-estar entre as autoridades nacionais.

A extração ilegal do ouro ameaça a preservação do patrimônio ambiental do Planalto das Guianas e compromete a saúde e a segurança das populações que extraem os seus meios de subsistência da floresta. Por isso é preciso implantar um regime interno completo de regulamentação e controle das atividades de pesquisa e lavra de ouro nas áreas protegidas ou de interesse patrimonial. Falta agora desenhar o plano de ação.

Ao regressar do recesso de fim de ano, o que vi na imprensa sobre o tema do garimpo ilegal foi uma declaração do governo dizendo que a Polícia Federal está em campo e que vêm aí mais cenas desse capítulo. Me pus a pensar: Será que não veremos por parte do governo brasileiro iniciativas que apontem para além da repressão pura e simples aos miseráveis garimpeiros e seus sonhos dourados de enriquecimento? Pois são eles que acabam presos nas operações. A abominável teia que os move segue blindada, bem longe da miséria humana que se oculta na floresta. Não haverá na nenhuma forma de inclusão desses contingentes que agem na ilegalidade amazônica?

Pelo visto, o governo vai apostar no licenciamento como resposta a esse drama socioambiental. Em breve, vamos ouvir os governadores da Amazônia, de olho no que podem haurir, fazendo coro ao “Legalize Já” do garimpo.

Para nós, simples mortais, fica a recomendação dos estudiosos porto-riquenhos para que evitemos o consumo desnecessário de ouro ou mesmo o investimento financeiro nesse metal como forma de desestimular cadeias produtivas que destroem o ambiente em que se instalam. Investigar a origem das coisas que povoam nosso consumo também pode revelar surpresas. Nem sempre agradáveis.



Fonte: Maria Cecília Wey de Brito - Secretária Geral do WWF-Brasil

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