Gentrificação
A palavra gentrificação (do
inglês gentrification) pode ser entendida como o processo de mudança
imobiliária, nos perfis residenciais e padrões culturais, seja de um bairro,
região ou cidade. Esse processo envolve necessariamente a troca de um grupo por
outro com maior poder aquisitivo em um determinado espaço e que passa a ser
visto como mais qualificado que o outro.
O termo é derivado de um
neologismo criado pela socióloga britânica Ruth Glass em 1963, em um artigo
onde ela falava sobre as mudanças urbanas em Londres (Inglaterra). Ela se
referia ao “aburguesamento” do centro da cidade, usando o termo irônico
“gentry”, que pode ser traduzido como “bem-nascido”, como consequência da
ocupação de bairros operários pela classe média e alta londrina.
Este fenômeno é mundial, e é
encontrado principalmente em países desenvolvidos ou em desenvolvimento onde
renda média e a população são crescentes e os bairros nobres começam a
"invadir" seus vizinhos menos nobres, empurrando para mais distante
as periferias. Existem diversos exemplos em países como Inglaterra, Estados
Unidos, Canadá, Espanha, entre outros.
Direto ao
ponto
O uso da expressão teve altos e
baixos. Em meados dos anos 1980 foi usada em tom positivo, apontando
melhoramentos em uma área abandonada ou degradada, e depois passou a ter uma
conotação negativa, que permanece até hoje, justificada pela visão de que essa
gentrificação promoveria um urbanismo excludente, expulsando as camadas mais
pobres das zonas centrais, em uma espécie de “higienização social”.
Entre os principais resultados da
mudança que gentrificação provoca em um espaço, podemos destacar:
1) a reorganização da geografia
urbana com a substituição de um grupo por outro;
2) a reorganização espacial de
indivíduos com determinados estilos de vida e características culturais;
3) a transformação do ambiente
construído com a criação de novos serviços e melhorias;
4) a alteração de leis de
zoneamento que permita um aumento no valor dos imóveis, aumento da densidade
populacional e uma mudança no perfil socioeconômico.
Em Nova York, por exemplo, a
gentrificação ocorreu nos bairros do Soho, Greenwich Village e Harlem. O
processo começou naturalmente, com a instalação de artistas que buscavam
alugueis mais baratos e valorizavam o patrimônio histórico. Sua chegada a esses
bairros antigos gerou uma nova vida cultural e boêmia e aumentou o preço das
propriedades.
Hoje, este processo pode ser
observado em diferentes capitais brasileiras: na revitalização do Centro de São
Paulo (SP); nas obras da zona portuária e no aumento do preço da moradia em
bairros como Botafogo e Flamengo, no Rio de Janeiro (RJ); em Salvador (BA) e no
Recife (PE), no histórico cais Estelita, recente alvo de manifestações para
impedir a construção de mais de dez prédios no local. Todas essas mudanças
foram impulsionadas também pela realização de eventos internacionais no País,
como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
A gentrificação não está limitada
ao espaço urbano. Muitos desses processos acontecem em áreas periféricas ou
suburbanas, em casos de remoções forçadas de comunidades para dar espaço ao
novo paisagismo urbano ou a projetos de transportes.
No Rio de Janeiro, esse processo
estaria ocorrendo na favela do Vidigal, conhecida pela bela vista para a praia
de Ipanema. Após a instalação da UPP em 2012, a violência diminuiu e os imóveis
da comunidade foram valorizados, atraindo muitos estrangeiros e novos moradores
em busca de terrenos e casas. Para este ano, ainda é esperada a inauguração de
um hotel de luxo no morro.
Em São Paulo, desde meados dos
anos 1980, o poder público, associado à iniciativa privada, vem traçando planos
de revitalização para o centro da cidade, já que a sua deterioração barraria a
atração imobiliária na região e impede também a instalação de melhores
serviços, comércios e outros benefícios aos residentes e trabalhadores da área.
Dentre inúmeras obras e operações
que visam reorganizar e reocupar um espaço está a Operação Urbana Nova Luz cujo
objetivo é, segundo documentos oficiais, "promover a requalificação e a
recuperação da área da Nova Luz a partir de intervenções públicas que valorizem
os espaços públicos da criação de um conjunto de estímulos à realização de
novos investimentos privados". O local degradado, que abriga a Cracolândia,
vem sofrendo diversas intervenções para revitalizar a área.
Quais os
principais problemas
A gentrificação não é
necessariamente ruim, mas o processo pode resultar na descaracterização total
de um bairro -- em janeiro deste ano, a revista The New Yorker chamou o estádio
do Itaquerão, em São Paulo, de “monumento à gentrificação”, ao afirmar que a
opulência do estádio contrasta com “a arruinada zona leste, onde grafites e
lixo predominam” e que poderia aumentar o abismo da desigualdade social se for
guiada pela lógica da especulação imobiliária.
Os defensores argumentam que essa
reorganização espacial cria bairros e vizinhanças sustentáveis, promove a
reconstrução de locais abandonados e introduz novos moradores articulados que
pressionam para a melhoria de serviços que beneficiam a todos.
Os críticos deste processo se
preocupam justamente com os que não estão dentro deste grupo. Na forma como a
gentrificação ocorre hoje, moradores são expulsos ou obrigados a sair de suas
casas devido aos altos custos dos serviços e despesas. Muitas vezes, se vendem
sua casa para uma empreiteira, nem sempre conseguem comprar uma casa ou um
apartamento na mesma região devido à alta dos
preços. Dessa forma, o espaço se torna um mecanismo de poder.
"É importante lembrar que ao
mesmo tempo que o espaço é produto e meio da ação social, é também instrumental
e um mecanismo de poder que simultaneamente produz uma hierarquia de lugares.
Portanto, o espaço é fundamental para o processo de acumulação e de
reacomodação de poder e deve ser colocado como prioridade nos estudos sobre
gentrificação", escreve o professor Christopher Gaffney no artigo Forjando
os anéis: a paisagem imobiliária pré-Olímpica no Rio de Janeiro.
Outro ponto levantado por
críticos como resultado dessa mudança no espaço é a homogeneização de paisagens comerciais e
residenciais ao redor do mundo, que, baseadas em cidades-modelo, acabam
construindo obras parecidas, e também a desvalorização ambiental. Boa parte das
áreas verdes derrubadas para a construção de prédios ou outros empreendimentos
que preenchem a nova paisagem urbana não são “devolvidas” à cidade.
No livro “De volta à cidade: dos
processos de gentrificação às políticas de "revitalização" dos
centros urbanos”, a autora Catherine Bidou-Zachariasen escreve as etapas de
gentrificação observadas na Europa nos anos 1970 e 1980, para apontar que a
gentrificação de hoje vem acompanhada de novas políticas e práticas.
"Para as classes médias,
reconquistar a cidade implica muito mais do que somente obter um apartamento
gentrificado”, escreve a autora, segundo a qual, o processo atual mostra que
essa gentrificação “conecta o mercado financeiro mundial com os promotores
imobiliários, com o comércio local, com agentes imobiliários e com lojas de
marcas, todos estimulados pelos poderes locais, para os quais os impactos
sociais serão doravante mais asseguradas pelo mercado do que por sua própria
regulamentação; a lógica do mercado, e não mais os financiamentos dos serviços
sociais, é o novo modus operandi das políticas públicas".
O papel
do Estado
O Governo possui um papel
fundamental no planejamento e gestão do espaço de uma cidade, criando regras
para o desenvolvimento local. O processo de gentrificação seria uma das
consequências de planos de revitalização de áreas e também de políticas
habitacionais.
Na cidade de Recife (PE), o
bairro do Recife Antigo, que possui diversos imóveis tombados pelo patrimônio
histórico também teve sua recuperação impulsionada por um plano de
revitalização desenhado pelo Governo do Estado. As ações foram iniciadas em
1993 e em 2000 foi criado o projeto Porto Digital, que contou com investimentos
públicos na reforma de prédios e incentivos fiscais para atrair pequenas e
médias empresas de tecnologia. Hoje a região é um importante polo turístico,
cultural e boêmio da cidade.
No bairro histórico do
Pelourinho, em Salvador (BA) a revitalização começou em 1992. Antes, a região
era considerada como uma das mais degradadas e perigosas da cidade. A
prefeitura promoveu a restauração de imóveis do centro histórico de Salvador e
indenizou os moradores, muitos deles foram viver em casas populares em bairros
proletários ou de periferia.
O Plano Diretor Estratégico (PDE)
de São Paulo, aprovado em julho deste ano, visa estabelecer algumas regras para
orientar o crescimento urbano da cidade nos próximos 16 anos. O plano tem como
principal meta o estímulo ao adensamento populacional ao longo dos corredores
de transporte, como estações de metrô e trem e as faixas exclusivas de ônibus,
além de limitar a altura de prédios nos miolos dos bairros e ampliar o número
de Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), destinadas à produção de moradia
para famílias de baixa renda.
Fonte: Uol
Comentários
Postar um comentário