Brasileiros estão consumindo altas doses de agrotóxicos nos alimentos
A opção do país pelo agronegócio
faz o brasileiro consumir 5,2 litros de agrotóxicos por ano. “A opção clara da política agrícola brasileira
pelo agronegócio é a grande responsável pela situação”, destaca a agrônoma Fran
Paula.
Pensar um Brasil que não priorize
uma produção agrícola em latifúndios de monoculturas para exterminar o uso de
agrotóxicos. É o que propõe Fran Paula, engenheira agrônoma da coordenação
nacional da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida em entrevista
concedida por e-mail para a IHU On-Line. Para ela, “o agronegócio utiliza
largas extensões de terras, criando áreas de monocultivos. Dessa maneira,
destrói toda a biodiversidade do local e desequilibra o ambiente natural,
tornando o ambiente propício para o surgimento de elevadas populações de
insetos e de doenças”. E a priorização por esse tipo de produção se reforça no conjunto
de normas que concedem muito mais benefícios a quem adota o cultivo à base de
agrotóxicos ao invés de optar por culturas ecológicas. Um exemplo: redução de
impostos sobre produção desses agentes químicos, tornando o produto muito mais
barato. Segundo Fran, em estados como Mato Grosso e Ceará essa isenção de
tributos chega a 100%.
E, ao contrário do que se possa
supor, a luta pela redução do consumo de agrotóxicos não passa necessariamente
por uma reforma na legislação brasileira. Para a agrônoma, basta aplicar de
forma eficaz o que dizem as leis e cobrar ações mais duras de órgãos
governamentais. O desafio maior, para ela, é enfrentar a bancada ruralista e
sua bandeira do agronegócio, além de cobrar ações que levem à efetivação da
Política Nacional de Agroecologia. “A bancada ruralista ocupa hoje mais de 50%
do Congresso brasileiro e vem constantemente atuando na tentativa do que
consideramos legalizar a contaminação. Isso à medida que exerce forte pressão
no governo sobre os órgãos reguladores, dificultando processos de fiscalização,
monitoramento e retirada de agrotóxicos do mercado. E, ainda, vem tentando
constantemente flexibilizar a lei no intuito de facilitar a liberação de mais
agrotóxicos a interesse da indústria química financiadora de campanhas
eleitorais”, completa.
Fran Paula é engenheira Agrônoma
e também técnica da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional –
FASE. Hoje, atua na coordenação nacional da Campanha Permanente contra os
Agrotóxicos e pela Vida. É um grupo que congrega ações com objetivo de
sensibilizar a população brasileira para os riscos que os agrotóxicos
representam e, a partir disso, adotar ações para acabar com o uso dessas
substâncias.
Confira a
entrevista
IHU On-Line - No último dia 3 de
dezembro, dia internacional da luta contra agrotóxicos, a Campanha contra os
Agrotóxicos divulgou que cada brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxicos por
ano. Como chegaram à contabilização desses dados? O que esse valor indica
acerca do uso de agrotóxicos no Brasil em relação a outros países do mundo que
utilizam esses produtos na agricultura?
Fran Paula - O dado se refere à
exposição ocupacional, ambiental e alimentar a que o brasileiro se encontra,
devido ao uso indiscriminado de agrotóxico no país. O número se refere à média
de exposição de agrotóxicos utilizados no ano em relação ao número da população
brasileira. Esse número se eleva quando a referência são alguns estados
produtores de grãos, como o caso do Estado de Mato Grosso. No ano de 2013,
utilizou 150 milhões de litros de agrotóxicos, levando a população do Estado a
uma exposição de 50 litros de agrotóxicos por pessoa ao ano.
Um dado revela que o Brasil é, desde 2008, o campeão no ranking mundial
de uso de agrotóxicos. Ou seja, somos o país que mais consome venenos no
Planeta.
IHU On-Line - A que atribuem
esse consumo elevado de agrotóxicos?
Fran Paula - A opção clara da
política agrícola brasileira pelo agronegócio é a grande responsável pela
situação. O agronegócio utiliza largas extensões de terras, criando áreas de
monocultivos. Por exemplo: soja, milho, algodão, eucalipto ou cana-de-açúcar.
Dessa maneira, destrói toda a biodiversidade do local e desequilibra o ambiente
natural, tornando o ambiente propício para o surgimento de elevadas populações
de insetos e de doenças. Por isso este modelo de produção é dependente da
química, só funciona com muito veneno. E, além de usar grande quantidade de
agrotóxicos e transgênicos, não gera empregos e não produz alimentos.
A bancada ruralista ocupa hoje
mais de 50% do Congresso brasileiro e vem constantemente atuando na tentativa
do que consideramos legalizar a contaminação. Isso à medida que exerce forte
pressão no governo sobre os órgãos reguladores (principalmente saúde e meio
ambiente), dificultando processos de fiscalização, monitoramento e retirada de
agrotóxicos do mercado. E, ainda, vem tentando constantemente flexibilizar a
lei no intuito de facilitar a liberação de mais agrotóxicos a interesse da
indústria química financiadora de campanhas eleitorais. Política essa que
permite absurdos como o uso de agrotóxicos já banidos em outros países, havendo
comprovação científica do grau de periculosidade destes produtos na saúde dos
humanos e do meio ambiente.
No Brasil, um conjunto de normas
reduz a cobrança de impostos sobre agrotóxicos. E a isenção destes impostos
(Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Programa de Integração Social –
PIS e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP, Tabela de
Incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados - TIPI) pode chegar a
100% em alguns estados como Ceará e Mato Grosso.
Contradizendo as promessas das
sementes transgênicas, os transgênicos elevaram o uso de agrotóxicos no país.
Um exemplo é o da soja Roundup Ready, resistente ao herbicida glifosato. Com a
entrada da soja transgênica, o consumo de glifosato se elevou mais de 150%. A
Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, considerando o potencial
aumento de resíduos do herbicida, determinou o aumento de 50 vezes no Limite
Máximo Residual - LMR do glifosato na soja transgênica, passando de 0,2 mg/kg
para 10 mg/kg. Assim, a ANVISA demonstra que os argumentos da Monsanto
anunciando uma diminuição do uso de herbicida com o advento da soja transgênica
não são verificáveis na realidade, o que já estava previsto com a expansão da
indústria de Roundup no Brasil.
IHU On-Line - Quais são as
culturas que recebem uma carga mais pesada de defensivos?
Fran Paula – Primeiramente: não
existem defensivos. Defesa para quem? E do quê? Não existe essa terminologia na
legislação. O termo é agrotóxicos e assim devemos tratar do assunto. O termo
defensivo é utilizado pelos setores do agronegócio, incluindo as indústrias que
os produzem, para tirar de foco a função desses produtos e seus efeitos nocivos
à saúde da população e do meio ambiente. Da mesma forma que uso seguro de
agrotóxicos é um mito. Isso faz parte do lobby da indústria química para
esvaziar o debate sobre o risco que os agrotóxicos representam.
Entre os mais utilizados,
destacamos: o Abamectina, um tipo de inseticida altamente tóxico, utilizado em
plantações de batata, algodão e frutíferas; o Acefato, que é um inseticida que
pertence à classe toxicológica III - Medianamente Tóxico e que é utilizado com
frequência em plantações de couve, amendoim, brócolis, fumo, crisântemo,
repolho, melão, tomate, soja, rosas, citros e batata; e o Glifosato, um
herbicida bastante utilizado no combate a ervas indesejáveis no cultivo de
soja, principalmente.
Não é o tipo de cultura que
define a quantidade de agrotóxico utilizada. O que define é o modelo de
produção. Posso ter um pimentão com alta concentração de agrotóxico, como posso
ter um pimentão orgânico.
IHU On-Line - Quais os efeitos
na saúde de quem consome alimentos com traços de agrotóxicos?
Fran Paula - Não existe
agrotóxico que não seja tóxico. Portanto, não há nenhum que não apresente risco
à saúde humana mediante exposição e posterior contaminação. Os agrotóxicos
provocam dois tipos de efeitos: os agudos, provocados nas horas seguintes à
exposição; e os crônicos, que podem se manifestar em meses, anos e até décadas,
como resultado da acumulação dos resíduos químicos no organismo das pessoas.
Um exemplo nacional que tivemos
de contaminação por agrotóxicos e acumulação destes resíduos no organismo foi a
pesquisa que revelou contaminação do leite materno. Os efeitos de resíduos de
agrotóxicos no nosso organismo podem manifestar complicações como alterações genéticas,
problemas neurotóxicos, má-formação fetal, abortos, efeitos teratogênicos,
desregulação hormonal, desenvolvimento de células cancerígenas. Reforço que a
maioria dos agrotóxicos possui ação sistêmica e que medidas como lavar
superficialmente os alimentos com água e sabão não são suficientes para
eliminar os resíduos de agrotóxicos.
IHU On-Line - A campanha também
alerta que há regiões no país em que o consumo de agrotóxicos é ainda maior.
Quais são essas regiões e por que o consumo é tão elevado?
Fran Paula - Como já havia
citado anteriormente, em alguns estados onde o agronegócio exerce um
aparelhamento político forte e detém grandes áreas de monocultivos de soja e
outras commodities, o consumo de agrotóxicos é maior.
IHU On-Line - Além do consumo de
alimentos que foram expostos a agrotóxicos, a que riscos as pessoas que vivem
em regiões de altos índices de aplicação desses defensivos estão submetidas?
Fran Paula - Estão submetidas a
problemas de saúde devido à exposição direta aos agrotóxicos, devido à
contaminação da água para consumo, do ar que respiram e do solo. Ainda sofrem
as ameaças da pulverização aérea, como os milhares de casos pelo Brasil de
populações que são banhadas diariamente por venenos, principalmente pelo
desrespeito às medidas legais quanto aos limites desta pulverização tanto aérea
quanto terrestre no entorno dessas comunidades. A este contingente de
populações expostas a agrotóxicos cobramos atenção especial dos serviços de
saúde como forma de promoção da vida e sobrevivência destas pessoas. Por isso
uma das bandeiras de luta da Campanha tem sido a criação de áreas livres de
agrotóxicos e transgênicos.
IHU On-Line - O que é possível
fazer para frear esse uso tão grande de agrotóxicos? Quais as alternativas
junto às plantações para o controle de pragas?
Fran Paula - Analisemos a
história da agricultura no mundo, com registros de 12 mil anos atrás. Já a
história dos agrotóxicos tem registros de pouco mais de 50 anos. Ou seja, desde
muito tempo é possível produzir sem usar agrotóxicos. São crescentes os
investimentos em países da União Europeia, Japão, Índia, em práticas e técnicas
de produção de não uso de agrotóxicos. O Brasil é um país atrasado na medida em
que ainda utiliza um arsenal de produtos químicos provenientes da guerra. Nosso
país precisa urgentemente rever o modelo de produção quem vem adotando,
centrado no Agronegócio. Esse modelo concentra a terra, cria áreas de
monocultivos e desertos verdes, adota pacotes tecnológicos (adubos químicos,
sementes híbridas e transgênicas e agrotóxicos) ofertados pelas indústrias
químicas. É preciso implementar o Plano Nacional de Redução de Agrotóxicos –
PRONARA, vinculado à Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica,
construído em 2014. Essa legislação prevê ações no campo da pesquisa de
tecnologias sustentáveis de produção, crédito para o fortalecimento da
agricultura de base agroecológica responsável pela produção de alimentos,
investimentos em assistência técnica e extensão rural agroecológica aos
agricultores, retirada imediata dos agrotóxicos já banidos em outros países e
que são utilizados livremente no Brasil e fim do subsídio fiscal aos
agrotóxicos. Além disso, adoção de práticas de menor impacto, como o controle
biológico de pragas e o manejo integrado; adoção de práticas agroecológicas de
produção, que permitem a seleção natural das culturas, e variedades crioulas
com maior resistência à incidência de insetos e doenças e que permitam a
diversificação da produção e oferta de alimentos com base nos princípios da segurança
alimentar e nutricional.
IHU On-Line - Uma das bandeiras
da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida é o fim da prática de
pulverização aérea das lavouras. Por quê?
Fran Paula - A pulverização
aérea de agrotóxicos é uma prática ameaçadora à vida. Diversos estudos
científicos e casos de intoxicação humana e contaminação ambiental têm
reiterado que não existem condições seguras para pulverização aérea. Além de
tratar-se de uma técnica atrasada em termos de eficiência de aplicação, requer
que sejam pulverizadas grandes quantidades de veneno para se atingir a
quantidade desejada do ponto de vista agronômico, por conta das elevadas
perdas. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA
mostraram que o percentual de perda pode chegar a mais de 80% em algumas
culturas. Esse elevado percentual corrobora o fato de que grande parte do que é
pulverizado atinge outros alvos que não os desejados, podendo contaminar água,
lençóis freáticos e ainda atingir diretamente pessoas e outros seres vivos.
Entre os casos de contaminação
via pulverização aérea, temos o ocorrido em 2013 na Escola Municipal de São
José do Pontal, localizada na região rural do município de Rio Verde, Goiás.
Ali, essa prática resultou em diversos casos de intoxicação aguda de
trabalhadores e de alunos de 9 a 16 anos. Nesse episódio, a pulverização teria
sido feita sobre a lavoura de milho localizada a poucos metros da escola, não
obedecendo aos limites mínimos de distância recomendados na legislação. O
produto pulverizado, segundo a empresa de aviação agrícola, era o inseticida
Engeo Pleno, fabricado pela multinacional Syngenta. Um de seus componentes é o
tiametoxam, do grupo dos neonicotinoides, produto altamente tóxico para abelhas
e que por isso havia sido proibido para uso por pulverização aérea pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente - IBAMA. No entanto, após pressão do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, a proibição foi
suspensa.
IHU On-Line - Qual sua avaliação
sobre a legislação brasileira no que diz respeito à liberação e uso de
agrotóxicos? Recentemente, a ANVISA aprovou a iniciativa para propor o
banimento dos agrotóxicos Forato e Parationa Metílica. Como avalia essa
iniciativa e quais as implicações desses agrotóxicos?
Fran Paula - O problema em geral
não está na lei 7802/89, que define a Legislação dos Agrotóxicos no Brasil, e
sim no não cumprimento da mesma. Quanto ao registro de agrotóxicos, a lei
estabelece a proibição para os quais o Brasil não disponha de métodos para
desativação de seus componentes, de modo a impedir que os seus resíduos
remanescentes provoquem riscos ao meio ambiente e à saúde pública, para os
quais não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil. Ainda proíbe registro
aos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas,
de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade
científica, que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor,
de acordo com procedimentos e experiências atualizadas na comunidade
científica. Não permite registro de agrotóxicos que se revelem mais perigosos
para o homem do que os testes de laboratório com animais tenham demonstrado,
segundo critérios técnicos e científicos atualizados e também cujas
características causem danos ao meio ambiente. O risco maior está nas inúmeras
tentativas de flexibilização da lei por parte da bancada ruralista, cujo
propósito é defender os interesses das indústrias químicas e assim liberar o
registro de mais agrotóxicos no mercado.
O efeito danoso dos agrotóxicos é
reconhecido e estabelecido em lei. A ANVISA é o órgão responsável no âmbito do
Ministério da Saúde pela avaliação da toxicidade dos agrotóxicos e seus
impactos à saúde humana; emite o parecer toxicológico favorável ou desfavorável
à concessão do registro pelo Ministério da Agricultura.
IHU On-Line - Quais os pontos
mais urgentes em que a legislação precisa avançar ou ser revista?
Fran Paula - A legislação
brasileira, apesar de conter normas de restrição ao registro de agrotóxicos,
não estipula tempo para reavaliação dos agrotóxicos. Acaba ficando a critério
dos órgãos responsáveis pelo registro solicitarem a mesma. No Brasil, a
validade do registro do produto é de tempo indeterminado, ao contrário de
países como Estados Unidos, onde o registro tem validade por 15 anos. Na União
Europeia são 10 anos, no Japão três anos e no Uruguai quatro anos. Apesar de a
lei atribuir responsabilidades quanto ao monitoramento e fiscalização, o
cenário é de uma capacidade reduzida dos órgãos de saúde e de meio ambiente.
Isso ocorre nas três esferas de governo, no que diz respeito ao desenvolvimento
de serviços de monitoramento e controle de agrotóxicos.
IHU On-Line - Um dos herbicidas
mais usados e conhecidos no Brasil e no mundo é o Glifosato, chamado “mata
mato”. Como acaba com praticamente todas as ervas daninhas, além da aplicação
em zona rural, há municípios que usam em áreas urbanas, fazendo o que algumas
pessoas chamam de “capina química”. Que problemas para o meio ambiente, no
campo e na cidade, o uso indiscriminado dessa substância pode causar?
Fran Paula - Mata mato é um dos
nomes comerciais do herbicida Glifosato. Possui uma ação sistêmica, ou seja, ao
ser aplicado nas folhas das plantas é translocado até as raízes e é não
seletivo. Mata todo tipo de plantas, exceto as transgênicas que apresentam
resistência a este princípio ativo. Dentre os riscos ao meio ambiente estão a
contaminação do lençol freático e do solo, com a morte de microrganismos e
consequente perda da fertilidade. E se tratando de capina química, há uma nota
técnica da ANVISA de 2010 recomendando a proibição dessa prática em ambientes
urbanos, devido à exposição da população ao risco de intoxicação, além de
contaminar a fauna e a flora local.
IHU ON-Line - E para a saúde de
quem se expõe ao Glifosato?
Fran Paula - Há estudos
toxicológicos do Glifosato em diversos países e todos são unânimes nos
resultados para efeitos tóxicos na saúde. Estes estudos revelam que a toxicidade
do Glifosato provoca os seguintes efeitos: toxicidade subaguda (lesões em
glândulas salivares), toxicidade crônica (inflamação gástrica), danos genéticos
(em células sanguíneas humanas), transtornos reprodutivos (diminuição de
espermatozoides e aumento da frequência de anomalias espermáticas) e
carcinogênese (aumento da frequência de tumores hepáticos e de câncer de
tireoide). Os sintomas de intoxicação incluem irritações na pele e nos olhos,
náuseas e tonturas, edema pulmonar, queda da pressão sanguínea, alergias, dor
abdominal, perda de líquido gastrointestinal, vômito, desmaios, destruição de
glóbulos vermelhos no sangue e danos no sistema renal. O herbicida ainda pode
continuar presente em alimentos num período de até dois anos após o contato com
o produto. Em solos pode estar presente por mais de três anos, dependendo do
tipo de solo e clima. Apesar da classificação toxicológica que recebe no
Brasil, o produto é considerado um biocida. Tanto que já foi banido de países
como a Noruega, Suécia e Dinamarca.
IHU On-Line - Qual o papel de
outros órgãos, como Ministério Público, nas discussões e no combate ao uso
indiscriminado de agrotóxicos?
Fran Paula - A atuação do
Ministério Público é fundamental diante do contexto e cenário que o Brasil se
encontra, de ineficiência de aplicação da lei e da omissão dos órgãos de
monitoramento e fiscalização. O Ministério Público do Trabalho lançou em 2009 o
Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos. Criado para funcionar
como instrumento de controle social, o Fórum Nacional conta com a participação
de organizações governamentais e não governamentais, sindicatos, universidades
e movimentos sociais, além do Ministério Público. Além do Fórum Nacional, foram
sendo criados os fóruns estaduais de combate aos impactos dos agrotóxicos com o
mesmo objetivo. A Campanha participa do Fórum Nacional e dos estaduais, com
objetivo de levantar elementos e embasar o Ministério Público em ações que
visem à redução do uso de agrotóxicos e promoção da agroecologia.
IHU On-Line - A Campanha
Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida já destacou que 2015 será um ano
em que se desenvolverão diversas políticas nacionais de agroecologia e produção
orgânica. Que políticas são?
Fran Paula - Em agosto de 2012,
a presidenta Dilma Rousseff instituiu a Política Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica – PNAPO, por meio do Decreto nº 7.794, de 20-08-2012,
resultado de intensos diálogos e reivindicações dos movimentos sociais. A
partir de então, governo e sociedade civil se debruçaram na tarefa de
construção de um Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PLANAPO.
No campo produtivo, o Plano
propõe mecanismos capazes de atender à demanda por tecnologias ambientalmente
apropriadas, compatíveis com os distintos sistemas culturais e com as dimensões
econômicas, sociais, políticas e éticas no campo do desenvolvimento agrícola e
rural. Ao mesmo tempo, apresenta alternativas que buscam assegurar melhores
condições de saúde e de qualidade de vida para a população rural. Assim foi
criado, no âmbito da PNAPO, o Programa Nacional de Redução do Uso de
Agrotóxicos – PRONARA. É construído numa parceria da Campanha com diversos
ministérios e órgãos subordinados, além de outros movimentos sociais. O PRONARA
contém 35 iniciativas que, se levadas a cabo, melhorariam drasticamente as
condições de saúde do povo brasileiro em relação aos agrotóxicos. A lógica do
PRONARA se desenvolve como base em iniciativas estruturadas de forma
articulada, cobrindo seis dimensões: registro; controle, monitoramento e
responsabilização da cadeia produtiva; medidas econômicas e financeiras;
desenvolvimento de alternativas; informação, participação e controle social; e
formação e capacitação.
O prazo de três anos para
execução desta primeira edição do Plano Nacional de Agroecologia vincula suas
iniciativas às ações orçamentárias já aprovadas no Plano Plurianual de 2012 a
2015. Trata-se, portanto, de um forte compromisso para trazer a agroecologia,
seus princípios e práticas, não só para dentro das unidades produtivas, como
para as próprias instituições do Estado, influenciando a agenda produtiva e de
pesquisa e os mais diferentes órgãos gestores de políticas públicas. Em
síntese, um grande avanço da sociedade brasileira na construção de um modelo de
desenvolvimento sustentável.
IHU On-Line - O que mais deve
pautar a luta do movimento em 2015?
Fran Paula - Já avaliamos que
2015 será um ano de grandes desafios e lutas intensas, a começar pelo cenário
sombrio da nomeação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura. Ela tem
sido até agora uma representante atuante da bancada ruralista no Congresso e
defensora dos interesses do agribusiness brasileiro. Também queremos garantir
mobilização social articulada e contrária às iniciativas da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança - CTNBIO para a não liberação de mais variedades
transgênicas.
Hoje, a Campanha tem mais de 100
organizações e movimentos sociais atuando de ponta a ponta do país. A meta para
2015 é ampliar e fortalecer nosso diálogo com a sociedade, alertando para o
risco que os agrotóxicos representam, reforçando a necessidade e urgência da
efetivação de políticas públicas de promoção da agroecologia, solução para a
produção de alimentos saudáveis a todos os brasileiros.
Temos, ainda, nossa agenda de
luta, onde são organizadas as ações massivas da Campanha: 07 de abril – Dia
Mundial da Saúde e o aniversário de quatro anos da Campanha, 16 de outubro –
Dia Mundial da Alimentação Saudável e 03 de dezembro – Dia Mundial de Luta
contra os Agrotóxicos. 2015 será um ano das Conferências Nacionais, a exemplo
da Conferência Nacional de Saúde e a Conferência Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional. São espaços onde estaremos reforçando a necessidade do
controle social e da importância da efetivação das políticas públicas de
promoção da agroecologia e do não uso de agrotóxicos.
Matéria por João Vitor Santos
Fonte: www.ihu.unisinos.br
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