Educação ambiental - onde falhamos


Basta observar o comportamento de banhistas em uma praia qualquer para perceber quão longe estamos de ter consciência sobre o respeito aos outros e ao meio que nos abriga. Nem mesmo locais chamados de "classe A" escapam das condutas inadequadas.

Já contamos com mais de 30 anos de trabalhos dedicados à educação ambiental em nosso país, se não direta e formalmente, por meio da escola, pelo menos de modo informal e por outros canais. Mas, basta passar um domingo de sol na praia ou em um parque, para nos questionarmos sobre onde se encontra, na prática, a nossa educação ambiental.

Fiz isso há algumas semanas e fiquei chocada, diz a escritora da matéria Vera Rita. As cenas presenciadas no final do dia na praia do Tombo, no Guarujá (SP), eram de fazer cair o queixo de qualquer observador atento. Havia lixo espalhado por todos os lados, embora existissem no local lixeiras e garis. Estes últimos, aliás, tentando em vão dar conta daquilo que as pessoas, totalmente indiferentes e displicentes aos apelos distribuídos pelo local, lançavam em seu entorno.

As cenas que vi não diferiam muito do retrato traçado na campanha "Povo desenvolvido, povo limpo", uma das primeiras ações de educação ambiental promovidas no Brasil, ainda na década de 1970. Recordavam em muito até um de seus episódios, em que "Sujismundo", o personagem central da campanha, e sua família iam, justamente, à praia.

A praia do Tombo a que me refiro é considerada "classe A", uma das poucas de nosso país que obtiveram a certificação do Programa Bandeira Azul, uma iniciativa da Foundation for Environmental Education (Fundação para Educação Ambiental), organização não governamental criada na Inglaterra e com sede atual na Dinamarca. A classificação "A" foi obtida em 2011 e recentemente renovada para o próximo ano. São, portanto, cinco anos consecutivos de certificação obtidos pela Prefeitura do município do Guarujá para essa bela praia, em um trabalho ambiental que merece ser aplaudido, mas que também vale reflexão.

O próprio fato de termos no Brasil tão poucas praias certificadas por esse programa já serve de alerta. Ao lado da praia do Tombo só se encontram na lista de certificações de 2014 do Programa Bandeira Azul Brasil, a Prainha, no Rio de Janeiro, e duas marinas, uma em Angra dos Reis (RJ) e outra também no Guarujá (SP). Em outros países, no entanto, esse número pode chegar a centenas. Portugal, por exemplo, teve para o mesmo período (2014) 298 praias e 17 marinas certificadas.

Bandeira azul

Que inveja boa! Seria ótimo se nos igualássemos a Portugal nesse quesito. Afinal, obter a certificação do Programa Bandeira Azul não é simples. É preciso cumprir uma série de critérios que envolvem, por exemplo, a garantia da qualidade da água, o monitoramento do ambiente costeiro, a manutenção da segurança dos banhistas e demais usuários do local, o apoio a portadores de necessidades especiais, a disponibilidade de água potável e instalações sanitárias em número e condições adequadas, além de fiscalização permanente de condutas e regras no local.

Em outras palavras, nas praias certificadas pelo Programa Bandeira Azul, deve haver o mínimo desejável em qualquer praia urbana e pública: monitores ambientais, guarda-vidas, policiais, fiscais, equipamentos e pessoal treinado para apoio a pessoas com necessidades especiais, além de bebedouros, chuveiros e banheiros que funcionem e sejam limpos, entre outros quesitos básicos e essenciais.

Nas praias "bandeira azul", deve haver fiscalização permanente, não sendo permitido levar cães na areia, praticar esportes coletivos em meio às outras pessoas ou ouvir som alto, condutas que possam prejudicar ou incomodar outras pessoas.

Como pude observar no domingo que passei na praia do Tombo, no entanto, nem tudo é perfeito. Os recursos podem estar disponíveis, mas falta para a maioria dos frequentadores a tal consciência ambiental.

Triste realidade

Havia lixeiras, mas nem todas as pessoas levavam seu lixo até elas. Havia chuveiros, mas nem todos os fechavam depois de usados, e muitos os usavam sem qualquer parcimônia (apesar da escassez de água), para lavar pranchas de surf ou cadeiras de praia, por exemplo. E isso porque estou me restringindo a dar apenas dois exemplos, aqueles que considero mais emblemáticos, dois dos temas mais batidos em termos de educação ambiental no país: a necessidade de dispor corretamente o próprio lixo e de se economizar e fazer bom uso da água.

Afinal, quem ainda não ouviu falar sobre isso? Na escola, sobretudo na educação infantil e no ensino fundamental, há uma verdadeira overdose de conteúdos abordando as questões da água e do lixo. Na TV, assim como na mídia em geral, esses também são os temas mais lembrados quando se trata de educação ambiental.

Não se trata, portanto, de falta de informação. Fala-se de cuidar do ambiente desde os idos tempos de Sujismundo. Já era hora, portanto, de termos uma geração (ou mais) de pessoas que realmente praticassem esses preceitos básicos da educação ambiental. Mas não é o que se constata em muitos lugares públicos, como a praia.

Apenas engatinhando

Nesses locais, o que se percebe é muito diferente do desejável. Verifica-se que há uma distância significativa e muito perceptível entre possuir informações e agir realmente de acordo com elas ou, entre saber, em teoria, e colocar em uso, na prática. Em outros termos, torna-se patente também que, em relação às atitudes desejadas ou à nossa real educação ambiental, estamos apenas engatinhando.

Procuro mas não encontro na literatura acadêmica explicações para esse fenômeno. Por sinal, acho admirável conseguir localizar tantos artigos acadêmicos enaltecendo a educação ambiental e discutindo seus avanços, mas nenhum que a critique ou discuta a lentidão e a baixa eficácia em sua efetivação real ou na obtenção factual de mudança de atitudes.

Nota da autora do artigo: Será que estou delirando? Estou sendo exageradamente crítica e pessimista?

Lembro-me de uma fala da pesquisadora Elsa Meinardi, da Universidade de Buenos Aires, Argentina, no 3° Encontro Regional de Ensino de Biologia, realizado em setembro deste ano em São Paulo, que se aproxima do tema abordado aqui. Na oportunidade, referindo-se à educação sexual presente nos currículos oficiais e oferecida nas escolas aos nossos jovens, tema de alguns de seus estudos e principais pesquisas, Meinardi chamou a atenção dos professores de ciências e biologia para a distância que a separa da realidade vivida pelos jovens, quando imersos em sua cultura local.

Ela destacou, também, o desconhecimento que muitos professores têm dessa "outra realidade" ou dessas outras "forças culturais" que alimentam as escolhas e decisões dos jovens no campo da sexualidade e alertou para a ilusão de se pensar que apenas com informação e prescrições comportamentais oferecidas na escola se conseguirá a mudança de comportamentos e a prevenção desejável.

Visão e ação em contexto

Para que a educação sexual seja realmente eficaz, considera Meinardi, há muito mais trabalho a ser feito. Trabalho que, segundo a pesquisadora, depende de visão e ação em contexto. Ou seja, que envolva múltiplos setores e esferas culturais e em uma perspectiva que leve em conta, respeite e dialogue também com as diferentes visões e conhecimentos que se apresentam na sociedade. Nem sempre nos damos conta disso, alertou a pesquisadora, mas, principalmente nas grandes cidades, estamos vivendo em sociedades cada vez mais multiculturais, nas quais diferentes visões de mundo, valores e crenças, entre outras "forças culturais", também atuam para educar os indivíduos.

Com sua fala sobre educação sexual nas escolas, Meinardi me fez refletir sobre o quanto é pretensiosa a instituição escolar em achar que sozinha poderá dar conta de educar sexualmente os jovens, desprezando a poderosa influência que outras instâncias e instituições culturais, como família e o grupo de convívio próximo, têm sobre o comportamento das pessoas. E agora, ao buscar relacionar essas ideias com a experiência de um fim de semana na praia, me faz pensar que o mesmo pode se aplicar à educação ambiental.

Será que não estamos superestimando o papel da escola e das informações gerais, depositando nelas uma enorme expectativa de mudança de comportamento, e subestimando o papel que outras instâncias e forças culturais têm sobre a educação ambiental?

Se de fato isso estiver acontecendo, nossas estratégias deveriam mudar. Deveríamos, nesse caso, ampliar em muito o leque das ações em educação ambiental, de forma a fazer com que as condutas desejadas se tornassem mais entranhadas em nossa cultura, via outros caminhos e métodos que não apenas a escola e algumas de suas prescrições tradicionais.

Sem abandonar o que tem sido feito de bom na escola, talvez seja necessário ampliar espaços e metodologias, dando menos peso à teoria (informação e prescrições do que deve ser feito) e valorizando mais a prática (atitudes ou aquilo que de fato se faz). Talvez, assim, a educação ambiental chegue realmente às praias.


Fonte: Vera Rita da Costa - Ciência Hoje/SP

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