Aquecimento global é inevitável e 6 bi morrerão, diz cientista
Na edição 14 da revista Rolling
Stone de Novembro de 2007, saiu está matéria do renomado cientista James
Lovelock, e dizia que o aquecimento global é irreversível - e que mais de 6
bilhões de pessoas vão morrer neste século. Bom lembrando que o intuito deste
BLOG é deixar espaço para todos os assuntos e dar abertura para comentários. Estejam
à vontade com está leitura e vejam como influencia o papel de um cientista e
sua tese ou opinião sobre os assuntos. Lembrando que cada um tem seu direito de
acreditar ou não ou rebater cientificamente tais dizeres. Boa leitura.
Aos 88 anos, depois de quatro
filhos e uma carreira longa e respeitada como um dos cientistas mais influentes
do século 20, James Lovelock chegou a uma conclusão desconcertante: a raça
humana está condenada. "Gostaria de ser mais esperançoso", ele me diz
em uma manhã ensolarada enquanto caminhamos em um parque em Oslo (Noruega),
onde o estudioso fará uma palestra em uma universidade. Lovelock é baixinho,
invariavelmente educado, com cabelo branco e óculos redondos que lhe dão ares
de coruja. Seus passos são gingados; sua mente, vívida; seus modos, tudo menos
pessimistas. Aliás, a chegada dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse - guerra,
fome, pestilência e morte - parece deixá-lo animado. "Será uma época
sombria", reconhece. "Mas, para quem sobreviver, desconfio que vá ser
bem emocionante."
Na visão de Lovelock, até 2020,
secas e outros extremos climáticos serão lugar-comum. Até 2040, o Saara vai
invadir a Europa, e Berlim será tão quente quanto Bagdá. Atlanta acabará se
transformando em uma selva de trepadeiras kudzu. Phoenix se tornará um lugar
inabitável, assim como partes de Beijing (deserto), Miami (elevação do nível do
mar) e Londres (enchentes). A falta de alimentos fará com que milhões de pessoas
se dirijam para o norte, elevando as tensões políticas. "Os chineses não
terão para onde ir além da Sibéria", sentencia Lovelock. "O que os
russos vão achar disso? Sinto que uma guerra entre a Rússia e a China seja
inevitável." Com as dificuldades de sobrevivência e as migrações em massa,
virão as epidemias. Até 2100, a população da Terra encolherá dos atuais 6,6
bilhões de habitantes para cerca de 500 milhões, sendo que a maior parte dos
sobreviventes habitará altas latitudes - Canadá, Islândia, Escandinávia, Bacia
Ártica.
Até o final do século, segundo o
cientista, o aquecimento global fará com que zonas de temperatura como a
América do Norte e a Europa se aqueçam quase 8 graus Celsius - quase o dobro
das previsões mais prováveis do relatório mais recente do Painel
Intergovernamental sobre a Mudança Climática, a organização sancionada pela ONU
que inclui os principais cientistas do mundo. "Nosso futuro",
Lovelock escreveu, "é como o dos passageiros em um barquinho de passeio
navegando tranquilamente sobre as cataratas do Niagara, sem saber que os
motores em breve sofrerão pane". E trocar as lâmpadas de casa por aquelas
que economizam energia não vai nos salvar. Para Lovelock, diminuir a poluição
dos gases responsáveis pelo efeito estufa não vai fazer muita diferença a esta
altura, e boa parte do que é considerado desenvolvimento sustentável não passa
de um truque para tirar proveito do desastre. "Verde", ele me diz, só
meio de piada, "é a cor do mofo e da corrupção."
Se tais previsões saíssem da boca
de qualquer outra pessoa, daria para rir delas como se fossem devaneios. Mas
não é tão fácil assim descartar as ideias de Lovelock. Na posição de inventor,
ele criou um aparelho que ajudou a detectar o buraco crescente na camada de
ozônio e que deu início ao movimento ambientalista da década de 1970. E, na
posição de cientista, apresentou a teoria revolucionária conhecida como Gaia -
a ideia de que nosso planeta é um superorganismo que, de certa maneira, está
"vivo". Essa visão hoje serve como base a praticamente toda a ciência
climática. Lynn Margulis, bióloga pioneira na Universidade de Massachusetts
(Estados Unidos), diz que ele é "uma das mentes científicas mais
inovadoras e rebeldes da atualidade". Richard Branson, empresário
britânico, afirma que Lovelock o inspirou a gastar bilhões de dólares para
lutar contra o aquecimento global. "Jim é um cientista brilhante que já
esteve certo a respeito de muitas coisas no passado", diz Branson. E
completa: "Se ele se sente pessimista a respeito do futuro, é importante
para a humanidade prestar atenção."
Lovelock sabe que prever o fim da
civilização não é uma ciência exata. "Posso estar errado a respeito de
tudo isso", ele admite. "O problema é que todos os cientistas bem
intencionados que argumentam que não estamos sujeitos a nenhum perigo iminente
baseiam suas previsões em modelos de computador. Eu me baseio no que realmente
está acontecendo."
Quando você se aproxima da casa
de Lovelock em Devon, uma área rural no sudoeste da Inglaterra, a placa no
portão de metal diz, claramente: "Estação Experimental de Coombe Mill.
Local de um novo hábitat. Por favor, não entre nem incomode".
Depois de percorrer algumas
centenas de metros em uma alameda estreita, ao lado de um moinho antigo, fica
uma casinha branca com telhado de ardósia onde Lovelock mora com a segunda
mulher, Sandy, uma norte-americana, e seu filho mais novo, John, de 51 anos e
que tem incapacidade leve. É um cenário digno de conto de fadas, cercado de 14
hectares de bosques, sem hortas nem jardins com planejamento paisagístico.
Parcialmente escondida no bosque fica uma estátua em tamanho natural de Gaia, a
deusa grega da Terra, em homenagem à qual James Lovelock batizou sua teoria
inovadora.
A maior parte dos cientistas
trabalha às margens do conhecimento humano, adicionando, aos poucos novas
informações para a nossa compreensão do mundo. Lovelock é um dos poucos cujas
ideias fomentaram, além da revolução científica, também a espiritual. "Os
futuros historiadores da ciência considerarão Lovelock como o homem que inspirou
uma mudança digna de Copérnico na maneira como nos enxergamos no mundo",
prevê Tim Lenton, pesquisador de clima na Universidade de East Anglia, na
Inglaterra. Antes de Lovelock aparecer, a Terra era considerada pouco mais do
que um pedaço de pedra aconchegante que dava voltas em torno do Sol. De acordo
com a sabedoria em voga, a vida evoluiu aqui porque as condições eram
adequadas: não muito quente nem muito frio, muita água. De algum modo, as
bactérias se transformaram em organismos multicelulares, os peixes saíram do
mar e, pouco tempo depois, surgiu Britney Spears.
Na década de 1970, Lovelock virou
essa ideia de cabeça para baixo com uma simples pergunta: Por que a Terra é
diferente de Marte e de Vênus, onde a atmosfera é tóxica para a vida? Em um
arroubo de inspiração, ele compreendeu que nossa atmosfera não foi criada por
eventos geológicos aleatórios, mas sim devido à efusão de tudo que já respirou,
cresceu e apodreceu.
Nosso ar "não é meramente um
produto biológico", James Lovelock escreveu. "É mais provável que
seja uma construção biológica: uma extensão de um sistema vivo feito para
manter um ambiente específico." De acordo com a teoria de Gaia, a vida é
participante ativa que ajuda a criar exatamente as condições que a sustentam. É
uma bela idéia: a vida que sustenta a vida. Também estava bem em sintonia com o
tom pós-hippie dos anos 70. Lovelock foi rapidamente adotado como guru
espiritual, o homem que matou Deus e colocou o planeta no centro da experiência
religiosa da Nova Era. O maior erro de sua carreira, aliás, não foi afirmar que
o céu estava caindo, mas deixar de perceber que estava. Em 1973, depois de ser
o primeiro a descobrir que os clorofluocarbonetos (CFCs), um produto químico
industrial, tinham poluído a atmosfera, Lovelock declarou que a acumulação de
CFCs "não apresentava perigo concebível". De fato, os CFCs não eram
tóxicos para a respiração, mas estavam abrindo um buraco na camada de ozônio.
Lovelock rapidamente revisou sua opinião, chamando aquilo de "uma das
minhas maiores bolas fora", mas o erro pode ter lhe custado um prêmio
Nobel.
No início, ele também não
considerou o aquecimento global como uma ameaça urgente ao planeta. "Gaia
é uma vagabunda durona", ele explica com frequência, tomando emprestada
uma frase cunhada por um colega. Mas, há alguns anos, preocupado com o
derretimento acelerado do gelo no Ártico e com outras mudanças relacionadas ao
clima, ele se convenceu de que o sistema de piloto automático de Gaia está
seriamente desregulado, tirado dos trilhos pela poluição e pelo desmatamento.
Lovelock acredita que o planeta vai recuperar seu equilíbrio sozinho, mesmo que
demore milhões de anos. Mas o que realmente está em risco é a civilização.
"É bem possível considerar seriamente as mudanças climáticas como uma
resposta do sistema que tem como objetivo se livrar de uma espécie irritante:
nós, os seres humanos", Lovelock me diz no pequeno escritório que montou
em sua casa. "Ou pelo menos fazer com que diminua de tamanho."
Se você digitar "gaia"
e "religion" no Google, vai obter 2,36 milhões de páginas -
praticantes de wicca, viajantes espirituais, massagistas e curandeiros sexuais,
todos inspirados pela visão de Lovelock a respeito do planeta. Mas se você
perguntar a ele sobre cultos pagãos, ele responde com uma careta: não tem
interesse na espiritualidade desmiolada nem na religião organizada,
principalmente quando coloca a existência humana acima de tudo o mais. Em
Oxford, certa vez ele se levantou e repreendeu Madre Teresa por pedir à plateia
que cuidasse dos pobres e "deixasse que Deus tomasse conta da Terra".
Como Lovelock explicou a ela, "se nós, humanos, não respeitarmos a Terra e
não tomarmos conta dela, podemos, ter certeza de que ela, no papel de Gaia, vai
tomar conta de nós e, se necessário for, vai nos eliminar".
Gaia oferece uma visão cheia de
esperança a respeito de como o mundo funciona. Afinal de contas, se a Terra é
mais do que uma simples pedra que gira ao redor do sol, se é um superorganismo
que pode evoluir, isso significa que existe certa quantidade de perdão embutida
em nosso mundo - e essa é uma conclusão que vai irritar profundamente
estudiosos de biologia e neodarwinistas de absolutamente todas as origens.
Para Lovelock, essa é uma ideia
reconfortante. Considere a pequena propriedade que ele tem em Devon. Quando ele
comprou o terreno, há 30 anos, era rodeada por campos aparados por mil anos de
ovelhas pastando. E ele se empenhou em devolver a seus 14 hectares um caráter
mais próximo do natural. Depois de consultar um engenheiro florestal, plantou 20
mil árvores - amieiros, carvalhos, pinheiros. Infelizmente, plantou muitas
delas próximas demais, e em fileiras. Agora, as árvores estão com cerca de 12
metros de altura, mas em vez de ter ar "natural", partes do terreno
dele parecem simplesmente um projeto de reflorestamento mal executado.
"Meti os pés pelas mãos", Lovelock diz com um sorriso enquanto
caminhamos no bosque. "Mas, com o passar dos anos, Gaia vai dar um
jeito."
Até pouco tempo atrás, Lovelock
achava que o aquecimento global seria como sua floresta meia-boca - algo que o
planeta seria capaz de corrigir. Então, em 2004, Richard Betts, amigo de
Lovelock e pesquisador no Centro Hadley para as Mudanças Climáticas - o principal
instituto climático da Inglaterra -, convidou-o para dar uma passada lá e bater
um papo com os cientistas. Lovelock fez reunião atrás de reunião, ouvindo os
dados mais recentes a respeito do gelo derretido nos polos, das florestas
tropicais cada vez menores, do ciclo de carbono nos oceanos. "Foi
apavorante", conta.
"Mostraram para nós cinco
cenas separadas de respostas positivas em climas regionais - polar, glacial,
floresta boreal, floresta tropical e oceanos -, mas parecia que ninguém estava
trabalhando nas consequências relativas ao planeta como um todo." Segundo
ele, o tom usado pelos cientistas para falar das mudanças que testemunharam foi
igualmente de arrepiar: "Parecia que estavam discutindo algum planeta
distante ou um universo-modelo, em vez do lugar em que todos nós, a humanidade,
vivemos".
Quando Lovelock estava voltando
para casa em seu carro naquela noite, a compreensão lhe veio. A capacidade de
adaptação do sistema se perdera. O perdão fora exaurido. "O sistema
todo", concluiu, "está em modo de falha." Algumas semanas
depois, ele começou a trabalhar em seu livro mais pessimista, A Vingança de
Gaia, publicado no Brasil em 2006. Na sua visão, as falhas nos modelos
climáticos computadorizados são dolorosamente aparentes. Tome como exemplo a
incerteza relativa à projeção do nível do mar: o IPCC, o painel da ONU sobre
mudanças climáticas, estima que o aquecimento global vá fazer com que a
temperatura média da Terra aumente até 6,4 graus Celsius até 2100. Isso fará
com que geleiras em terra firme derretam e que o mar se expanda, dando lugar à
elevação máxima do nível de mar de apenas pouco menos de 60 centímetros. A
Groenlândia, de acordo com os modelos do IPCC, demorará mil anos para derreter.
Mas evidências do mundo real
sugerem que as estimativas do IPCC são conservadoras demais. Para começo de
conversa, os cientistas sabem, devido aos registros geológicos, que há 3
milhões de anos, quando as temperaturas subiram cinco graus acima dos níveis
atuais, os mares subiram não 60 centímetros, mas 24 metros. Além do mais,
medidas feitas por satélite recentemente indicam que o Ártico está derretendo
com tanta rapidez que a região pode ficar totalmente sem gelo até 2030.
"Quem elabora os modelos não tem a menor noção sobre derretimento de placas
de gelo", desdenha o estudioso, sem sorrir.
Mas não é apenas o gelo que
invalida os modelos climáticos. Sabe-se que é difícil prever corretamente a
física das nuvens, e fatores da biosfera, como o desmatamento e o derretimento
da Tundra, raramente são levados em conta. "Os modelos de computador não
são bolas de cristal", argumenta Ken Caldeira, que elabora modelos
climáticos na Universidade de Stanford, cuja carreira foi profundamente
influenciada pelas ideias de Lovelock. "Ao observar o passado, fazemos
estimativas bem informadas em relação ao futuro. Os modelos de computador são
apenas uma maneira de codificar esse conhecimento acumulado em apostas
automatizadas e bem informadas."
Aqui, em sua essência
supersimplificada, está o cenário pessimista de Lovelock: o aumento da
temperatura significa que mais gelo derreterá nos polos, e isso significa mais
água e terra. Isso, por sua vez, faz aumentar o calor (o gelo reflete o sol, a
terra e a água o absorvem), fazendo com que mais gelo derreta. O nível do mar
sobe. Mais calor faz com que a intensidade das chuvas aumente em alguns lugares
e com que as secas se intensifiquem em outros. As florestas tropicais
amazônicas e as grandes florestas boreais do norte - o cinturão de pinheiros e
piceas que cobre o Alasca, o Canadá e a Sibéria - passarão por um estirão de
crescimento, depois murcharão até desaparecer. O solo permanentemente congelado
das latitudes do norte derrete, liberando metano, um gás que contribui para o
efeito estufa e que é 20 vezes mais potente do que o CO2... e assim por diante.
Em um mundo de Gaia funcional, essas respostas positivas seriam moduladas por
respostas negativas, sendo que a maior de todas é a capacidade da Terra de
irradiar calor para o espaço. Mas, a certa altura, o sistema de regulagem para
de funcionar e o clima dá um salto - como já aconteceu muitas vezes no passado
- para uma nova situação, mais quente. Não é o fim do mundo, mas certamente é o
fim do mundo como o conhecemos.
O cenário pessimista de Lovelock
é desprezado por pesquisadores de clima de renome, sendo que a maior parte
deles rejeita a ideia de que haja um único ponto de desequilíbrio para o
planeta inteiro. "Ecossistemas individuais podem falhar ou as placas de
gelo podem entrar em colapso", esclarece Caldeira, "mas o sistema
mais amplo parece ser surpreendentemente adaptável." No entanto, vamos
partir do princípio, por enquanto, de que Lovelock esteja certo e que de fato
estejamos navegando por cima das cataratas do Niagara. Simplesmente vamos
acenar antes de cair? Na visão de Lovelock, reduções modestas de emissões de
gases que contribuem para o efeito estufa não vão nos ajudar - já é tarde
demais para deter o aquecimento global trocando jipões a diesel por carrinhos
híbridos. E a ideia de capturar a poluição de dióxido de carbono criada pelas
usinas a carvão e bombear para o subsolo? "Não há como enterrar quantidade
suficiente para fazer diferença." Biocombustíveis? "Uma ideia
monumentalmente idiota." Renováveis? "Bacana, mas não vão nem fazer
cócegas." Para Lovelock, a ideia toda do desenvolvimento sustentável é
equivocada: "Deveríamos estar pensando em retirada sustentável".
A retirada, na visão dele,
significa que está na hora de começar a discutir a mudança do lugar onde
vivemos e de onde tiramos nossos alimentos; a fazer planos para a migração de
milhões de pessoas de regiões de baixa altitude, como Bangladesh, para a
Europa; a admitir que Nova Orleans já era e mudar as pessoas para cidades mais
bem posicionadas para o futuro. E o mais importante de tudo é que absolutamente
todo mundo "deve fazer o máximo que pode para sustentar a civilização, de
modo que ela não degenere para a Idade das Trevas, com senhores guerreiros
mandando em tudo, o que é um perigo real. Assim, podemos vir a perder
tudo".
Até os amigos de Lovelock se
retraem quando ele fala assim. "Acho que ele está deixando nossa cota de
desespero no negativo", diz Chris Rapley, chefe do Museu de Ciência de
Londres, que se empenhou com afinco para despertar a consciência mundial sobre
o aquecimento global. Outros têm a preocupação justificada de que as opiniões
de Lovelock sirvam para dispersar o momento de concentração de vontade política
para impor restrições pesadas às emissões de gases poluentes que contribuem
para o efeito estufa. Broecker, o paleoclimatologista de Columbia, classifica a
crença de Lovelock de que reduzir a poluição é inútil como "uma bobagem
perigosa".
"Eu gostaria de poder dizer
que turbinas de vento e painéis solares vão nos salvar", Lovelock
responde. "Mas não posso. Não existe nenhum tipo de solução possível.
Hoje, há quase 7 bilhões de pessoas no planeta, isso sem falar nos animais. Se
pegarmos apenas o CO2 de tudo que respira, já é 25% do total - quatro vezes
mais CO2 do que todas as companhias aéreas do mundo. Então, se você quer diminuir
suas emissões, é só parar de respirar. É apavorante. Simplesmente ultrapassamos
todos os limites razoáveis em números. E, do ponto de vista puramente
biológico, qualquer espécie que faz isso tem que entrar em colapso."
Mas isso não é sugerir, no entanto,
que Lovelock acredita que deveríamos ficar tocando harpa enquanto assistimos o
mundo queimar. É bem o contrário. "Precisamos tomar ações ousadas",
ele insiste. "Temos uma quantidade enorme de coisas a fazer." De
acordo com a visão dele, temos duas escolhas: podemos retornar a um estilo de
vida mais primitivo e viver em equilíbrio com o planeta como
caçadores-coletores ou podemos nos isolar em uma civilização muito sofisticada,
de altíssima tecnologia. "Não há dúvida sobre que caminho eu preferiria",
diz certa manhã, em sua casa, com um sorriso aberto no rosto enquanto digita em
seu computador. "Realmente, é uma questão de como organizamos a sociedade
- onde vamos conseguir nossa comida, nossa água. Como vamos gerar
energia."
Em relação à água, a resposta é
bem direta: usinas de dessalinização, que são capazes de transformar água do
mar em água potável. O suprimento de alimentos é mais difícil: o calor e a seca
vão acabar com a maior parte das regiões de plantações de alimentos hoje
existentes. Também vão empurrar as pessoas para o norte, onde vão se aglomerar
em cidades. Nessas áreas, não haverá lugar para quintais ajardinados. Como
resultado, Lovelock acredita, precisaremos sintetizar comida - teremos que
criar alimentos em barris com culturas de tecidos de carnes e vegetais. Isso
parece muito exagerado e profundamente desagradável, mas, do ponto de vista
tecnológico, não será difícil de realizar.
O fornecimento contínuo de
eletricidade também será vital, segundo ele. Cinco dias depois de visitar o
centro Hadley, Lovelock escreveu um artigo opinativo polêmico, intitulado:
"Energia nuclear é a única solução verde". Lovelock argumentava que
"devemos usar o pequeno resultado dos renováveis com sensatez", mas
que "não temos tempo para fazer experimentos com essas fontes de energia
visionárias; a civilização está em perigo iminente e precisa usar a energia
nuclear - a fonte de energia mais segura disponível - agora ou sofrer a dor que
em breve será infligida a nosso planeta tão ressentido".
Ambientalistas urraram em
protesto, mas qualquer pessoa que conhecia o passado de Lovelock não se
surpreendeu com sua defesa à energia nuclear. Aos 14 anos, ao ler que a energia
do sol vem de uma reação nuclear, ele passou a acreditar que a energia nuclear
é uma das forças fundamentais no universo. Por que não aproveitá-la? No que diz
respeito aos perigos - lixo radioativo, vulnerabilidade ao terrorismo,
desastres como o de Chernobyl - Lovelock diz que este é dos males o menos pior:
"Mesmo que eles tenham razão a respeito dos perigos, e não têm, continua
não sendo nada na comparação com as mudanças climáticas".
Como último recurso, para manter
o planeta pelo menos marginalmente habitável, Lovelock acredita que os seres
humanos podem ser forçados a manipular o clima terrestre com a construção de
protetores solares no espaço ou instalando equipamentos para enviar enormes
quantidades de CO2 para fora da atmosfera. Mas ele considera a geoengenharia em
larga escala como um ato de arrogância - "Imagino que seria mais fácil um
bode se transformar em um bom jardineiro do que os seres humanos passarem a ser
guardiões da Terra". Na verdade, foi Lovelock que inspirou seu amigo
Richard Branson a oferecer um prêmio de US$ 25 milhões para o "Virgin
Earth Challenge" (Desafio Virgin da Terra), que será concedido à primeira
pessoa que conseguir criar um método comercialmente viável de remover os gases
responsáveis pelo efeito estufa da atmosfera. Lovelock é juiz do concurso, por
isso não pode participar dele, mas ficou intrigado com o desafio. Sua mais
recente ideia: suspender centenas de milhares de canos verticais de 18 metros
de comprimento nos oceanos tropicais, colocar uma válvula na base de cada cano
e permitir que a água das profundezas, rica em nutrientes, seja bombeada para a
superfície pela ação das ondas. Os nutrientes das águas das profundezas
aumentariam a proliferação das algas, que consumiriam o dióxido de carbono e
ajudariam a resfriar o planeta. "É uma maneira de contrabalançar o sistema
de energia natural da Terra usando ele próprio", Lovelock especula.
"Acho que Gaia aprovaria."
Oslo é o tipo perfeito de cidade
para Lovelock. Fica em latitudes do norte, que ficarão mais temperadas na
medida em que o clima for esquentando; tem água aos montes; graças a suas
reservas de petróleo e gás, é rica; e lá já há muito pensamento criativo relativo
à energia, incluindo, para a satisfação de Lovelock, discussões renovadas a
respeito da energia nuclear. "A questão principal a ser discutida aqui é
como manejar as hordas de pessoas que chegarão à cidade", Lovelock avisa.
"Nas próximas décadas, metade da população do sul da Europa vai tentar se
mudar para cá."
Nós nos dirigimos para perto da
água, passando pelo castelo de Akershus, uma fortaleza imponente do século 13
que funcionou como quartel-general nazista durante a ocupação da cidade na
Segunda Guerra Mundial. Para Lovelock, os paralelos entre o que o mundo
enfrentou naquela época e o que enfrenta hoje são bem claros. "Em certos
aspectos, é como se estivéssemos de novo em 1939", ele afirma. "A
ameaça é óbvia, mas não conseguimos nos dar conta do que está em jogo. Ainda
estamos falando de conciliação."
Naquele tempo, como hoje, o que
mais choca Lovelock é a ausência de liderança política. Apesar de respeitar as
iniciativas de Al Gore para conscientizar as pessoas, não acredita que nenhum
político tenha chegado perto de nos preparar para o que vem por aí. "Em
muito pouco tempo, estaremos vivendo em um mundo desesperador, comenta
Lovelock. Ele acredita que está mais do que na hora para uma versão
"aquecimento global" do famoso discurso que Winston Churchill fez
para preparar a Grã-Bretanha para a Segunda Guerra Mundial: "Não tenho
nada a oferecer além de sangue, trabalho, lágrimas e suor". "As
pessoas estão prontas para isso", Lovelock dispara quando passamos sob a
sombra do castelo. "A população entende o que está acontecendo muito
melhor do que a maior parte dos políticos."
Independentemente do que o futuro
trouxer, é provável que Lovelock não esteja por aí para ver. "O meu
objetivo é viver uma vida retangular: longa, forte e firme, com uma queda rápida
no final", sentencia. Lovelock não apresenta sinais de estar se
aproximando de seu ponto de queda. Apesar de já ter passado por 40 operações,
incluindo ponte de safena, continua viajando de um lado para o outro no
interior inglês em seu Honda branco, como um piloto de Fórmula 1. Ele e Sandy
recentemente passaram um mês de férias na Austrália, onde visitaram a Grande
Barreira de Corais. O cientista está prestes a começar a escrever mais um livro
sobre Gaia. Richard Branson o convidou para o primeiro voo do ônibus espacial
Virgin Galactic, que acontecerá no fim do ano que vem - "Quero oferecer a
ele a visão de Gaia do espaço", diz Branson. Lovelock está ansioso para
fazer o passeio, e planeja fazer um teste em uma centrífuga até o fim deste ano
para ver se seu corpo suporta as forças gravitacionais de um voo espacial. Ele
evita falar de seu legado, mas brinca com os filhos dizendo que quer ver
gravado na lápide de seu túmulo: "Ele nunca teve a intenção de ser
conciliador".
Em relação aos horrores que nos
aguardam, Lovelock pode muito bem estar errado. Não por ter interpretado a
ciência erroneamente (apesar de isso certamente ser possível), mas por ter
interpretado os seres humanos erroneamente. Poucos cientistas sérios duvidam
que estejamos prestes a viver uma catástrofe climática. Mas, apesar de toda a
sensibilidade de Lovelock para a dinâmica sutil e para os ciclos de resposta no
sistema climático, ele se mostra curiosamente alheio à dinâmica sutil e aos
ciclos de resposta no sistema humano. Ele acredita que, apesar dos nossos
iPhones e dos nossos ônibus espaciais, continuamos sendo animais tribais,
amplamente incapazes de agir pelo bem maior ou de tomar decisões de longo prazo
que garantam nosso bem-estar. "Nosso progresso moral", diz Lovelock,
"não acompanhou nosso progresso tecnológico."
Mas talvez seja exatamente esse o
motivo do apocalipse que está por vir. Uma das questões que fascina Lovelock é
a seguinte: A vida vem evoluindo na Terra há mais de 3 bilhões de anos - e por
que motivo? "Gostemos ou não, somos o cérebro e o sistema nervoso de
Gaia", ele explica. "Agora, assumimos responsabilidade pelo bem-estar
do planeta. Como vamos lidar com isso?"
Enquanto abrimos caminho no meio
dos turistas que se dirigem para o castelo, é fácil olhar para eles e ficar
triste. Mais difícil é olhar para eles e ter esperança. Mas quando digo isso a
Lovelock, ele argumenta que a raça humana passou por muitos gargalos antes - e
que talvez sejamos melhores por causa disso. Então ele me conta a história de
um acidente de avião, anos atrás, no aeroporto de Manchester. "Um tanque
de combustível pegou fogo durante a decolagem", recorda. "Havia tempo
de sobra para todo mundo sair, mas alguns passageiros simplesmente ficaram
paralisados, sentados nas poltronas, como tinham lhes dito para fazer, e as
pessoas que escaparam tiveram que passar por cima deles para sair. Era
perfeitamente óbvio o que era necessário fazer para sair, mas eles não se
mexiam. Morreram carbonizados ou asfixiados pela fumaça. E muita gente, fico
triste em dizer, é assim. E é isso que vai acontecer desta vez, só que em
escala muito maior."
Lovelock olha para mim com olhos
azuis muito firmes. "Algumas pessoas vão ficar sentadas na poltrona sem
fazer nada, paralisadas de pânico. Outras vão se mexer. Vão ver o que está
prestes a acontecer, e vão tomar uma atitude, e vão sobreviver. São elas que
vão levar a civilização em frente."
Fonte: www.rollingstone.uol.com.br/edicao/14
O cientista Lovelock está certo.
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