Eucalipto transgênico ameaça mel orgânico
O Brasil abriga a terceira maior
floresta plantada do mundo e pode, também, se tornar o primeiro país a criar
florestas totalmente transgênicas. O exemplar escolhido é o eucalipto, cujas
plantações já ocupam 5,1 milhões dos 6,6 milhões de florestas plantadas no
país. Graças a mudanças feitas em laboratório, o eucalipto geneticamente
modificado (GM) garante ganho de 20% de produtividade, a árvore adquire mais
massa e cresce em menos tempo.
Mas a proposta de liberação
comercial do produto, apresentada à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBIO) pela FuturaGene, empresa de biotecnologia adquirida pela Suzano Papel
e Celulose em 2010, causa polêmica. Para a empresa, a aprovação é estratégica
para garantir vantagem competitiva. Cientistas, porém, veem risco de
contaminação de outras plantações. Já produtores e exportadores de mel (cuja
produção, em grande parte, é atrelada ao eucalipto), alertam para o perigo de
perda do mercado externo.
Segunda maior produtora de
celulose de eucalipto e uma das oito maiores empresas do setor no mundo, a
Suzano Papel e Celulose se abastece em 881 mil hectares de florestas de
eucalipto, das quais 367 são florestas plantadas. Por dia, são fincadas 219 mil
mudas, e 177 mil árvores são cortadas. De acordo com o balanço de 2013, sua
meta é alcançar uma posição “diferenciada” no mercado, incrementando a produção
florestal. E o eucalipto GM colocará a empresa “em outro patamar de
produtividade em florestas plantadas”. Segundo Eugênio Ulian, vice-presidente
de assuntos regulatórios da FuturaGene, num primeiro momento apenas a Suzano
deve utilizar as mudas transgênicas.
A ideia é levar as plantações
geneticamente modificadas, mais produtivas, para mais perto das fábricas, explica
Ulian.
COM
TRANSGENIA, PERDE-SE SELO INTERNACIONAL
O Brasil tem 350 mil pequenos
produtores de mel. Este ano, as exportações bateram recorde e alcançaram US$
74,2 milhões. Do total exportado, principalmente para Europa e Estados Unidos,
80% são orgânicos. Nada menos do que 35% da produção brasileira de mel vêm do
eucalipto e, para ser aceito como orgânico lá fora, não pode apresentar
qualquer traço de transgenia. Como o eucalipto exerce grande atração para as
abelhas, é dado como certo que abelhas vizinhas a florestas GM produzirão mel
com traços transgênicos. O mel brasileiro vem de abelhas que se alimentam em
florestas nativas e diversificadas. Para a Associação Brasileira dos
Exportadores de Mel (Abemel), é justamente esse diferencial do produto
brasileiro lá fora que pode ser perdido.
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O Brasil conseguiu se tornar
competitivo no mercado de orgânicos, e a norma do mel é clara: não pode ter
nenhum pólen transgênico. Com florestas inteiras de eucalipto transgênico
estamos arriscados a perder mercado. Todo lote exportado é analisado e, se
houver algum traço transgênico, ele é descartado, diz Joelma Lambertucci,
secretaria-executiva da Abemel.
Segundo dados do Conselho de
Informações sobre Biotecnologia (CIB), 63 produtos GM já foram aprovados no
Brasil, como sementes GM de soja, algodão, feijão e milho, micro-organismos e
vacinas de uso animal e até uma versão transgênica do mosquito Aedis aegypti,
destinada a conter a proliferação da dengue.
No caso do eucalipto já não se
discute mais se o transgênico pode ou não fazer mal a saúde. O problema agora é
o que ele vai mudar no ambiente à sua volta. Para o professor Edson Furtado, da
Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais da Unesp, o Brasil tem a
meta de chegar a 30 milhões de hectares de eucalipto plantado, e o risco de contaminação
de outras plantações tende a crescer no futuro. Florestas plantadas ocupam
grandes extensões, e o tempo de vida de uma árvore na natureza, cinco anos e
meio, no caso do eucalipto GM, é muito maior do que o de uma cultura de grãos,
que cresce e é colhida em meses.
Teremos que ter regras para o
isolamento do plantio e fazer barreiras naturais, pois o eucalipto GM pode
inviabilizar a produção de mel orgânico, afirma. O produtor de mel terá de
manter suas colmeias longe deles.
EXECUTIVO
PEDE NOVOS LIMITES
Furtado alerta ainda que, nesta
fase do projeto, não há muitos riscos, mas, como ocorre com outros transgênicos
que estão no mercado, a tendência é que pragas que atingem as plantações se
tornem mais resistentes, obrigando a novas modificações genéticas, criando
ciclos de interferências constantes. Diz ainda que a espécie está sendo
desenvolvida para o mercado de celulose, enquanto o eucalipto convencional
plantado por pequenos proprietários de terra é multiuso, podendo ser vendido a
outros segmentos, como os mercados de móveis e de carvão.
Estamos criando um monopólio.
Quem cede suas terras para produzir eucalipto terá de ser muito bem informado, diz
ele.
Ulian afirma que o alto ganho de
produtividade alcançado para competir no mercado mundial de celulose, de 20%,
justifica o eucalipto GM. Afinal, seria como poder liberar 20% da área plantada
hoje com eucalipto para outras culturas. Além disso, pelas pesquisas
convencionais de seleção de melhoramento da espécie, o eucalipto normal levaria
20 anos para alcançar a produtividade de seu par GM. O executivo admite que há
riscos para o mercado de mel, mas defende que o Brasil busque tornar as regras
internacionais menos rígidas, estabelecendo limites para traços de genes
transgênicos, já que os transgênicos devem chegar a várias culturas.
Tem uma quantidade muito pequena no pólen, mas
o DNA é detectável, diz. Teria de discutir o limite de tolerância, já que hoje
eles (os países com legislação de orgânicos) não aceitam nada.
José Alexandre Silva de Abreu, da
empresa Pharma Nectar, que desenvolve produtos à base de própolis e veneno de
abelha, diz que as implicações da aprovação são extensas e podem significar
prejuízos a centenas de apicultores e aos mercados a eles relacionados.
É como fumar e soltar a fumaça na
cabeça de quem não é fumante, resume. O pólen transgênico pode ser levado pelo
vento e contaminar colmeias a quilômetros de distância.
Fonte: www.oglobo.globo.com
Há dois aspectos desta postagem que merecem comentários.
ResponderExcluirPrimeiramente, as abelhas no Brasil podem e de fato carregam pólen de milho transgênico para as colmeias. O mesmo ocorre com o pólen do algodão. A soja é menos visitada por abelhas, mas o pólen também podem chegar às colmeias. E, de toda forma, o vento pode fazer o mesmo, se as caixas estiverem a sotavento de plantações floradas e milho e soja. Se até agora o mel que é produzido em áreas onde há cultivos GM (boa parte do Sul, do Sudeste e do Centro Oeste) vem sendo vendido como orgânico, é porque não está sendo testado para a presença de pólen GM.
O segundo ponto tem a ver com a "contaminação" que o eucalipto provocaria, por ser uma perene e, ainda por cima, muito numerosa. Mas acontece que eucalipto só cruza com eucalipto, não existem espécies silvestres no Brasil que sejam sexualmente compatíveis, Assim, não há fluxo de pólen para além da própria espécie, não importando que o eucalipto esteja em pé por 100 anos. É preciso mais cuidado quando se afirmam estas coisas...