A crise silenciosa da Amazônia
A Amazônia é a maior floresta
intacta do mundo e lar para mais de 24 milhões de pessoas, incluindo centenas
de povos indígenas. A floresta é essencial para a sobrevivência desses povos,
servindo de fonte de alimentos, abrigo e medicamentos, bem como desempenhando um
papel importante em sua vida espiritual.
Ela também serve de habitat para
cerca de um quarto de todas as espécies conhecidas da Terra, incluindo a
onça-pintada, o boto cor de rosa, a preguiça, entre outros. Na verdade, a
Amazônia é um dos lugares mais ricos do planeta em relação à diversidade da
flora e fauna.
Ela abriga aproximadamente 40 mil
espécies de plantas; 427 mamíferos; 1.294 aves; 378 répteis; 426 anfíbios e 3 mil
espécies de peixes.
A bacia amazônica abrange uma
área de aproximadamente 6,5 milhões de km², distribuídos por nove países
sul-americanos e compondo 5% da superfície terrestre. Ela abriga o maior
sistema fluvial do planeta, cerca de um quinto do volume total de água doce do
mundo.
Cerca de 60% da bacia amazônica
(4,1 milhões de km²) está dentro das fronteiras do Brasil. Até o momento, foram
desmatados cerca de 700 mil km² da floresta amazônica brasileira - uma área equivalente
a mais de duas vezes o tamanho da Polônia. Somente nas últimas três décadas, 18%
da Amazônia brasileira foi perdida.
A
Amazônia e o clima
Além de sua incomparável riqueza
natural, a Amazônia desempenha um papel essencial para ajudar a controlar os
níveis de carbono em todo o planeta. Assim como outras florestas intactas,
retira o carbono da atmosfera para suas árvores e isso ajuda a compensar a
emissão de gases de efeito estufa. Trata-se de uma armazenagem enorme –
aproximadamente 100 bilhões de gigatoneladas (Gt) de carbono – mais de 10 vezes
as emissões anuais de combustíveis fósseis.
No entanto, o desmatamento não só
reduz a quantidade de carbono que a floresta pode armazenar, como também emite
mais carbono. Além disso, deixa o restante da floresta fragmentada e vulnerável
a mais desmatamentos, a espécies invasoras, à exploração e aos impactos das
mudanças climáticas.
Quanto mais vulnerável à mudança
do clima está uma floresta, mais facilmente os estoques de carbono serão
jogados na atmosfera. Isto aumenta o risco de desastrosas perdas de
biodiversidade e serviços vitais do ecossistema, como água limpa e qualidade do
ar.
Quanto mais os impactos das
mudanças climáticas são sentidos, aumentam as preocupações de que a Amazônia
possa chegar a um “ponto de inflexão”, onde a floresta sofrerá uma transição
rápida para savana.
A avaliação de 2014 do Painel
Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), da ONU, relatou que a probabilidade
de se chegar a este ponto de inflexão foi causada por uma combinação de
mudanças climáticas e um processo de fragmentação da floresta agindo concomitantemente.
Exploração
madeireira seletiva & degradação florestal
A exploração madeireira seletiva
é um importante agente de degradação florestal. É bem documentado que a
extração seletiva de árvores de mogno na floresta amazônica primária foi um
grande impulsionador do início do processo de fragmentação da floresta até o
comércio dessa espécie ser estritamente controlado em 2003 pela CITES, o que
reduziu substancialmente a escala do problema.
A exploração madeireira de mogno
também foi o primeiro passo em um processo de colonização envolvendo
agricultura e queimadas. Colonos avançaram ao longo de uma estrada construída
por empresas, desmatando áreas abertas pelos madeireiros e convertendo-as em
lavouras e pecuária. O assentamento agrícola ao longo de estradas leva à
degradação e, finalmente, ao desaparecimento da floresta nativa restante. Mesmo
que o comércio de mogno tenha sido controlado, a extração seletiva de madeira
continua a ser um enorme problema na Amazônia, com consequências semelhantes. Se
não for controlada, a degradação da floresta acabará por levar ao
desaparecimento de áreas inteiras de floresta.
Um dos principais impulsionadores
da degradação, hoje, é a demanda por espécies de alto valor, tais como o ipê.
Ipê – o
novo mogno
O grupo de espécies conhecidas
como ipê (Handroanthus spp.)tem sido considerado como o “novo mogno” por serem
madeiras altamente procuradas e valorizadas no mercado, além de estarem sendo
coletadas de forma muito semelhante. Uma árvore grande de ipê apresenta flores
cor-de-rosa, roxas, amarelas ou brancas brilhantes em setembro –
distinguindo-se do resto das outras árvores da época. É uma madeira valiosa e
conhecida por sua durabilidade, força e resistência natural ao envelhecer.
O ipê cresce na Amazônia em uma
área de dispersão, aparecendo, em média, uma árvore a cada dez hectares.
Isto significa que grandes áreas
de floresta precisam ser abertas para acessar esta espécie valiosa.
Ironicamente, o ipê é sobretudo
conhecido por ser uma árvore plantada em diversas cidades brasileiras. É
considerada a “espécie típica do Brasil”, e parte integrante da história
indígena como a madeira usada para a fabricação de arcos e flechas.
A casca do ipê também é conhecida
por suas propriedades medicinais pelas indústrias farmacêuticas e pela medicina
tradicional, além de ser usada como remédio para úlceras, câncer e artrite,
entre outras doenças.
A madeira do ipê tem sido
considerada a melhor opção para a produção de pavimentos comerciais e
residenciais, frequentemente dada como uma alternativa “verde”, pois não requer
tratamento com produtos químicos tóxicos. No mercado do “faça você mesmo” (“do
it yourself”), o ipê – também conhecido como noz brasileira ou lapacho – é
vendido como deques e pisos. Nos Estados Unidos, é usado por muitos píeres icônicos
e calçadões em lugares como Nova Jersey, Califórnia e Nova Iorque (incluindo a
Ponte do Brooklyn). Na Europa, ele tem sido usado como pavimentos em edifícios
importantes, incluindo o World Trade Center em Genebra e a Biblioteca Nacional
de Paris (Bibliothèque François Mitterrand). No Brasil, o ipê é encontrado em
muitas cidades e recentemente foi usado como piso na Biblioteca Presidencial do
Palácio do Planalto.
Mesmo deixando de lado o impacto
da exploração madeireira ilegal, espécies de ipê estão em sério risco de
sobre-exploração.
As empresas madeireiras têm
permissão para derrubarem 90% das espécies de tamanho comercial já adulto, com
um segundo corte permitida após 35 anos. No entanto, estima-se que, depois de
uma derrubada inicial de 90% das espécies, levaria pelo menos 60 anos para uma
única espécie (Handroanthus impetiginosus) recuperar os volumes comerciais nos
níveis da pré-colheita.
O ipê é hoje a madeira tropical
brasileira mais valiosa, e está entre as mais caras no mundo. Enquanto os
volumes de ipê colhidos e exportados diminuíram nos últimos anos, o preço
continua a aumentar – o que tem direcionado os madeireiros cada vez mais para
dentro da floresta em busca dela.
Sob pressão de grupos de
interesse, o governo brasileiro recentemente afrouxou as regras para o
desmatamento e limitou a capacidade das agências ambientais federais de aplicar
essas regras. Por conseguinte, as taxas anuais de desmatamento na Amazônia
brasileira, que haviam caído nos últimos anos, aumentaram 28% entre agosto de
2012 e julho de 2013.
Os Estados com o maior aumento de
desmatamento por área, Mato Grosso e Pará, também são os que apresentam os mais
altos níveis de exploração madeireira ilegal. O Pará é o maior exportador de
madeira da Amazônia brasileira, e estima-se que 78% dessa exploração madeireira
(por área) seja ilegal. Análise semelhante ocorreu no Mato Grosso, o segundo
maior produtor e exportador de madeira, que mostra que 54% da área total registrada
foi explorada ilegalmente.
Esta prática madeireira ilegal
ocorre por falta de governança em áreas públicas, terras indígenas e outras
áreas protegidas; falta de capacidade de controle e execução pelas autoridades locais;
alta demanda por madeira, incluindo espécies de alto valor; compensação ilegal
de madeira ilegal; uso indevido de inventários dos planos de manejo florestal e
a “lavagem” da madeira ilegal através de documentos autênticos – nomeadamente
através da criação de créditos virtuais de manejo florestal aprovados, mas de
planos florestais não controlados.
O sistema de controle do setor de
madeira brasileira na Amazônia é fraco e facilmente explorável. Estudos têm
demonstrado grandes discrepâncias entre as áreas autorizadas e aquelas efetivamente
exploradas. O sistema de licenciamento e controle dos planos de gestão
florestal oficiais em âmbito nacional é estruturalmente falho, levando ao crime
sistêmico no setor de registro. Grandes quantidades de madeira ilegal entram em
mercados nacionais e internacionais de madeira após serem lavadas, apesar do
uso de “documentos oficiais”. Os madeireiros são capazes de fabricar documentos
de autorização legal para lavar madeira ilegalmente.
De acordo com o IBAMA (Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), a agência
ambiental federal responsável pelo monitoramento, fiscalização e controle das atividades
florestais, somente nos Estados do Maranhão e Pará, quase 500 mil m³ de madeira
serrada apresentaram documentos fraudulentos em 2013 – o suficiente para
carregar 14 mil caminhões.
Dada a magnitude da fraude e
corrupção, não há dúvida alguma que documentos administrativos emitidos no
Brasil para certificação da legalidade da madeira são totalmente ineficientes e
não podem ser considerados como evidência de legalidade.
Um
caminho diferente é necessário
A extração madeireira na Amazônia
brasileira é atualmente um motivador para a degradação e um catalisador do desmatamento.
A extração madeireira, particularmente para espécies valiosas de madeiras,
incluindo o ipê, é a primeira fase do ciclo de desmatamento, motivando a colonização
de áreas de floresta intacta, e que serve como importante fonte de emissões de
gases do efeito estufa, que alimenta as mudanças climáticas.
Grande número de conflitos
sociais resulta do atual status quo vigente na região. Quando a madeira é
roubada de áreas públicas, sejam elas Terras Indígenas ou Unidades de
Conservação, ela normalmente está sendo extraída sem o conhecimento das
populações que ali vivem ou está desafiando a vontade das mesmas. Além disso,
muitas vezes essa exploração é realizada com uso do trabalho escravo ou
degradante e incitando a violência, ameaças de morte e assassinatos.
Uma maneira diferente de se
aproximar da floresta e daqueles cuja subsistência depende de produtos
florestais não é apenas possível, mas é absolutamente necessária.
Isso significa que investimentos
e capacitação precisam ser focados nas comunidades para que o manejo florestal comunitário
seja realizado com qualidade. Iniciativas de comando e controle e sistemas de
vigilância devem ser transparentes e em tempo real, para que as comunidades, sociedade
civil e outras partes interessadas possam assegurar que a extração de madeira
cumpra rigorosos critérios e seja feita de acordo com os regulamentos governamentais.
Com isso, haverá maior segurança
para aqueles que compram madeira proveniente da Amazônia de que tais produtos
não contribuem para a destruição da floresta e outras mazelas sociais. A
proteção da Amazônia e a criação de um modelo de desenvolvimento sustentável e
justo para a região pode gerar oportunidades para os povos que dependem da
floresta. Ao mesmo tempo, também podem ser preservadas a rica biodiversidade e
a grande importância que a floresta possui na luta contra as mudanças
climáticas.
Fonte: www.chegademadeirailegal.org.br
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