Secas agora afetam a população urbana brasileira
Mudanças climáticas e o aumento
no consumo de água ameaçam o abastecimento em algumas das principais cidades,
algo inimaginável há alguns anos. Até pouco tempo atrás, no imaginário coletivo
dos brasileiros, a seca ainda era um problema exclusivo da região nordeste, uma
das mais pobres do país. Novelas, filmes, músicas e outras obras de arte
imortalizaram as famílias que, definhando de fome e sede, deixavam seus
pequenos sítios para trás. E rumavam para cidades como São Paulo, no sudeste,
onde havia mais oportunidades.
Este ano (2013), porém, o destino
dos antigos migrantes passou a sofrer com secas e a possibilidade de falta
d’água (a partir de novembro). Ironia do destino? Não. De fato, a maior cidade
da América do Sul, com 11 milhões de habitantes, sofre desde o fim de 2013 com
a pior seca em 80 anos.
Como consequência, o nível das
represas que abastecem a cidade baixou a 22%. Como comparação, nessa mesma
época em 2013, o sistema funcionava com 57%.
A possibilidade de racionamento
de água preocupa não só a população, mas também os candidatos a governador do
estado. As eleições estão marcadas para outubro (2014).
Fenômeno
inevitável
Esses problemas têm raízes bem
claras: mudanças climáticas, inchaço urbano e infraestrutura insuficiente de
abastecimento.
“A situação de São Paulo mostra o
quanto as mudanças climáticas afetam a todas as partes do país e são
inevitáveis”, avaliou recentemente o ministro da Integração Nacional, Francisco
Teixeira. De fato, as secas há muito tempo deixaram de ser exclusividade do
campo e, mais ainda, do Nordeste.
Na última década, por exemplo, o
sul do país sofreu com estiagens mais intensas e frequentes do que o normal
para a região. Este ano, até a hidrelétrica de Itaipu foi afetada: o nível do
lago que a abastece se aproximou do registrado em 2001, o mais baixo da
história. Já em 2005 e 2010, foi a vez da Amazônia.
Para completar as análises, vem a
previsão de que o El Niño – fenômeno capaz de afetar o clima latino-americano e
global – tem 90% de chances de ocorrer em 2014, aumentando a possibilidade de
calor e seca em diversas partes do Brasil.
Segundo Assunção Dias, Professora da Universidade de São Paulo,“ É
importante considerar que a população das grandes cidades cresce a cada ano e,
com isso, o consumo de água tende a subir. Só que a infraestrutura não
acompanha esse crescimento com a velocidade necessária".
Economia
ameaçada
As consequências de uma seca
urbana são diferentes das ocorridas na zona rural. A possível falta d’água pode
não causar uma emigração, como no Nordeste, mas preocupa a economia – ainda que
não existam dados gerais sobre o impacto econômico.
O estado de São Paulo concentra
36% da produção industrial e 33,5% da renda gerada pelo setor de serviços no
país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo um estudo da Universidade
de São Paulo (USP), o grande problema é a variabilidade climática: os períodos
de secas e cheias ficaram mais intensos nas últimas oito décadas.
“Também é importante considerar
que a população das grandes cidades cresce a cada ano e, com isso, o consumo de
água tende a subir. Só que a infraestrutura não acompanha esse crescimento com
a velocidade necessária. O resultado é o que estamos vendo hoje em São Paulo”,
explicou a professora e pesquisadora Assunção Dias, autora do trabalho.
Do sertão
ao litoral
As mudanças climáticas são uma
realidade que Araguacy Silva (mais conhecida como Guel), líder comunitária em
um bairro pobre da região metropolitana de Recife, passou a acompanhar e temer.
Quando vê na televisão as
notícias sobre o possível racionamento em São Paulo, lembra-se do que viveu em
2013, quando ela e os vizinhos passaram vários dias com água liberada por no
máximo duas horas. O motivo? As secas no árido interior do estado de
Pernambuco, cujos efeitos chegaram até o litoral.
Por causa delas, o nível da
barragem de Pirapama, inaugurada nesse mesmo ano – justamente para acabar com a
falta d’água de milhares de pessoas –, chegou a somente 13%, prolongando o
sofrimento da população.
No bairro onde Guel mora, o jeito
foi chamar caminhões-pipa, guardar o líquido como fosse possível (nem todos
dispunham de tanques ou caixas d’água) e reusá-lo. “Sabia que estava faltando
água no interior, mas não fazia ideia de que esse problema podia nos afetar”,
comentou.
Na opinião dela, a crise em São
Paulo deveria ser o ponto de partida para que governo e especialistas estudem
não só o clima do sertão, mas também o das grandes cidades, com mais cuidado.
“Se vivemos um problema no ano passado, quais as chances de ele acontecer de
novo? E como vamos nos preparar?”, preocupa-se.
O
“relógio” das secas
Parte da solução está na criação
do primeiro monitor brasileiro de secas, um projeto apoiado pelo Banco Mundial
que envolve uma série de instituições federais e dos estados do Nordeste que
avaliam a seca em suas múltiplas dimensões: meteorológica, hidrológica, assim como
seus impactos sobre os vários setores da economia.
O monitor tem o objetivo de
produzir um mapa (mensal ou quinzenal) que descreve o estado atual da seca em
todo o Nordeste, integrando dados que hoje são coletados e analisados
separadamente por essas mesmas instituições. A metodologia, facilmente
replicável para outras partes do Brasil, está sendo desenvolvida e deverá ser
posta em prática a partir de janeiro de 2015.
“O principal desafio que o Brasil
enfrenta agora é aproveitar esse momento crucial e a oportunidade de agir de
forma ousada, para avançar em direção a uma gestão e um planejamento com ações
proativas, que minimizem os efeitos das secas no país”, diz Erwin De Nys,
especialista sênior em recursos hídricos do Banco Mundial.
“As secas têm diferentes fases ou
graus de severidade; é importante para a sociedade saber se estamos passando
por uma seca moderada ou severa; cada fase será representada como o quadrante
de um relógio”, compara Francisco de Assis de Sousa Filho, professor da
Universidade Federal do Ceará. “E o monitor de secas funcionará como o
ponteiro, indicando precisamente a fase em que se está”.
É uma experiência que já teve
sucesso em cidades como Madri, por exemplo, e gradualmente está sendo adotada
em outras partes do mundo, como o México.
Fonte: www.ecodebate.com.br
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