UM MOMENTO DECISIVO
O mundo vive um período decisivo.
As grandes economias do Planeta movimentam-se, com velocidade e ambição
diferentes, na direção da Economia Verde, ou seja, em busca de um modelo de
desenvolvimento baseado em fontes de energia de baixo carbono, na utilização
mais racional possível dos ativos ambientais e na formação de cidadãos que
assimilem e implementem as diretrizes e as ações nessa inexorável rota de
mudanças.
Nas últimas conferências globais
dos grandes temas – clima, biodiversidade, água -, os especialistas estabelecem
a década de 2020 como ponto de partida para que os países consolidem uma nova
configuração institucional capaz de estimular a atividade econômica integrada à
conservação dos recursos naturais e à expansão da inclusão social. Essas transformações
acontecerão exatamente durante o próximo mandado presidencial, de 2015 a 2018.
Pecamos na visão estratégica
sobre o nosso futuro. Historicamente, a relação entre governos e empresas é
limitada aos negócios vistos de forma isolada e com muito pouco espaço para um
diálogo institucionalizado, franco e transparente, aberto à participação da
sociedade civil. Por ser multifacetado e transversal, o desenvolvimento
sustentável demanda um modelo de Estado mais democrático e aberto aos demais
setores da sociedade. Os governos são indutores e coordenadores dos processos,
sempre pensados de forma integrada.
O Conselho Empresarial Brasileiro
para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e demais Conselhos nacionais que
integram a rede do WBCSD (sigla em inglês do Conselho Mundial) adotaram como
diretriz estratégica o estudo Vision 2050, que apresenta um conjunto de
recomendações concretas sobre o que precisamos fazer para chegar à metade do
século em condições de oferecer vida digna aos 9 bilhões de habitantes que estarão
vivendo no Planeta, sem afetar ainda mais os ativos ambientais oferecidos pelos
ecossistemas.
Entre as recomendações do estudo
endereçadas a líderes empresariais, governamentais e de outros setores,
destacamos a de integração entre os vários setores da sociedade, a partir do
aprimoramento, por exemplo, das Parcerias Público-Privadas, capazes de abarcar
a complexidade de soluções mais sustentáveis no longo prazo. O documento
defende, por exemplo, a substituição da prática do lobby individual de cada empresa
por um “esforço comum para criar campos de atuação estáveis e equilibrados de
longo prazo”.
Aqui no País, fizemos uma
adaptação do estudo e lançamos durante a RIO+20 o Visão Brasil 2050, que, como
o documento original, traça linhas estratégicas de desenvolvimento para os
próximos 40 anos, mas com base na nossa realidade. Estamos agora dando o
segundo passo para colocar em prática a visão estratégica que defendemos, com a
elaboração do projeto Ação 2020. O projeto consiste na construção de uma agenda
colaborativa de negócios que responda às urgências da sociedade em áreas
prioritárias de desenvolvimento sustentável, com escala e velocidade na
implantação de soluções.
Os próximos quatro anos serão
decisivos para finalizar uma década que vai nos exigir energia e dinamismo
voltados para a visão da sustentabilidade, com a formação de ideias e dos
relacionamentos que vão ser processados para a construção de uma sociedade mais
justa e sustentável. Precisamos aprender a aproveitar nossas vantagens
competitivas e até nossas demandas sociais e ambientais para transformá-las em
oportunidades gerando num círculo virtuoso de desenvolvimento sustentável.
Questão
Energética
Na questão energética, por
exemplo, dispomos da matriz mais limpa entre as grandes economias do mundo, mas
enfrentamos o desafio de continuar crescendo com níveis de emissão de CO2
equivalente cada vez menores. Para tanto, devemos incentivar a eficiência
energética e ampliar a diversificação da matriz, promovendo leilões por fontes
de energia e por regiões do País. Devemos valorizar a energia eólica, solar,
biomassa e hidráulica a partir das pequenas centrais, e reduzir a dependência
das termoelétricas movidas a combustíveis fósseis. Nossas potencialidades de
expandir a matriz energética com fontes limpas e renováveis são reconhecidas
mundialmente, mas precisamos encontrar regras de mercado para que essas opções
de diversificação ganhem escala e tenham, consequentemente, viabilidade
econômica.
Recursos
hídricos
A água é outro ativo relevante e
que merece mais cuidado, tanto pelos governos quanto pelas empresas. Detemos a
maior reserva de água doce disponível do Planeta, mas transformamos essa
riqueza incalculável em vetor de doenças infectocontagiosas. Vale lembrar que
61,52% do volume de esgoto gerado nas cem maiores cidades brasileiras não
recebem tratamento adequado. O despejo diário de bilhões de litros de esgoto
sem tratamento no meio ambiente contamina lençóis freáticos, rios, lagos,
manguezais e as áreas mais ricas em biodiversidade dos mares e provoca efeitos
negativos na economia. As doenças de veiculação hídrica se refletem na queda do
rendimento escolar de nossas crianças e na produtividade das empresas. Ou seja,
a ausência de uma legislação que regulamente o retorno socioambiental, e não apenas
financeiro, no custo total do desenvolvimento vai gerar uma dívida que
compromete a qualidade do crescimento.
Educação,
Mobilidade e Habitação
Em áreas vitais como educação,
mobilidade e habitação, estamos, da mesma forma, ainda carentes de uma transformação
de qualidade em grande escala. Na educação, se por um lado estamos perto de
universalizar o acesso à escola, especialmente entre nossas crianças, por outro
estamos distantes de uma boa educação e de uma imprescindível valorização dessa
educação. Há um contingente ainda muito expressivo de analfabetos na população
com mais de 15 anos de idade (13 milhões de indivíduos), como também uma
parcela significativa de analfabetos funcionais.
Na questão da mobilidade, há
consenso de que a solução está nos transportes de massa de alto rendimento.
Continuamos, no entanto, a estimular, via incentivos fiscais e oferta de
crédito diferenciado, o uso do transporte individual. Devemos inverter essa
lógica e estimular os BRTs no curto prazo e os trens e o metrô no médio e longo
prazo. Nosso País, por sua concentração urbana no litoral e a abundância de
rios no interior, deveria também adotar o transporte marítimo e fluvial com
maior peso, além de explorar melhor o transporte de cargas por ferrovias. A
urgência das soluções de infraestrutura pensadas de forma sistêmica permanece
na agenda dos próximos governantes.
A política habitacional ainda
está distante de sanar um déficit histórico. Os projetos dos grandes
empreendimentos imobiliários do Programa Minha Casa Minha Vida devem ser
pensados de forma integrada à oferta de infraestrutura de transporte,
saneamento, escolas, unidades de saúde.
O modelo de construção a ser
adotado pelo programa federal tem como desafio identificar as melhores técnicas
sustentáveis e empregá-las sempre em busca da qualidade de vida de quem vai
viver nessas moradias. Para um país como o nosso, em que a taxa de concentração
urbana ultrapassa os 85%, a urbanização das favelas é uma alternativa para
vencer o desafio do déficit habitacional. Contudo, as tentativas nesse sentido
têm se mostrado ineficazes, justamente por falta de integração dos governos com
os demais setores da sociedade. Há ainda uma imensa oportunidade de
transformação por meio da adoção de critérios de sustentabilidade nos processos
de compras públicas, que, por movimentarem 15% do PIB nacional, permitiriam
impacto em grande escala.
Bolsas
No plano social, o Bolsa Família
é reconhecido internacionalmente como um dos mais eficientes programas de
transferência de renda, reduzindo drasticamente a pobreza extrema no País, mas
já dispomos de instrumentos capazes de ampliar o impacto positivo gerado pelo
programa. Os projetos de microfinanças, aliados a iniciativas de educação
financeira, podem funcionar como um segundo estágio no processo de inclusão
social. Instituições financeiras públicas e privadas estão habilitadas a operar
nesse mercado, ainda muito pouco explorado.
Finalizando
Um novo modelo de governança, que
de fato identifique melhor os espaços e caminhos mais adequados para o diálogo
com os diferentes setores da sociedade, vai certamente nos impulsionar a um
patamar mais avançado, no qual sejamos capazes de preservar e valorizar nossos
ativos ambientais e sociais. Água, biodiversidade, potencial energético, áreas
disponíveis para produção de alimentos e nossa diversidade cultural representam
fatores decisivos para nos projetar como nação de referência no contexto da
economia verde, o modelo de desenvolvimento de um futuro muito próximo.
Esperamos que o Brasil consiga explorar suas vantagens e valorizar a
sustentabilidade como diferencial competitivo para se tornar um país melhor.
Fonte: Marina Grossi - Presidenta do Conselho Empresarial
Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS. ** Publicado
originalmente no site Eco21
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