Sabemos o que fazer, porem quase nada fazemos
Só pode ser bem-vinda a notícia
de que o Departamento de Zoneamento Territorial do Ministério do Meio Ambiente
está preparando um diagnóstico para o Cerrado e uma proposta de estratégia para
esse bioma (Ministério do Meio Ambiente, 31/3/2014). O Cerrado já perdeu mais
de 50% de sua vegetação e, segundo estimativa de estudiosos, mais de metade da
água acumulada no subsolo e que gera 14% dos fluxos para as três grandes bacias
nacionais – a amazônica, a do Paraná e a do São Francisco. E pode perder mais,
dizem técnicos, com a expansão da fronteira agropecuária, pressionada pela
maior exportação de commodities, pelo aumento do consumo interno e pela
expansão dos agrocombustíveis. Tudo isso resulta em ampliação do uso da terra e
das taxas de desmatamento.
Pela mesma razão, é preciso que a
sociedade esteja atenta para o que acontecerá no Senado na discussão de parecer
do senador Blairo Maggi ao projeto de lei da Política de Gestão e Proteção do
Bioma Pantanal – outra área já diante de agressões em curso e da possibilidade
de que se permita ali a substituição de áreas preservadas por pastagens
cultivadas, da possível supressão de reservas legais e dos efeitos danosos
sobre os recursos hídricos. O Pantanal é um privilégio brasileiro, fundamental
para o clima e a conservação da biodiversidade.
O último relatório do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado há poucos dias
(Estado, 30/3/2014), alerta exatamente para a vulnerabilidade de espécies
terrestres e aquáticas, o risco de que tenham de migrar ou se extingam diante
dos impactos do clima. E menciona especificamente a Amazônia brasileira, mas
não apenas ela, embora lembre que no espaço amazônico estão estocados 90
bilhões de toneladas de carbono (na seca de 2005 foram liberados 5 bilhões de
toneladas).
Outros estudos estão apontando
para os impactos do clima nas populações de polinizadores, principalmente
abelhas, das quais depende cerca de 10% da produção agrícola mundial, perto de
US$ 212 bilhões anuais (30/3/2014). Os polinizadores estão sendo afetados principalmente
pelas mudanças no uso da terra, secas, inundações. Áreas particularmente
atingidas são as de produção de verduras e frutas. E a perda da biodiversidade
originária – estudo da Natura (17/3/2014) – pode ser muito problemática, já que
um hectare de palmeiras de dendê produz 200% mais óleo de palma do que um
hectare de sistema agroflorestal. No mundo todo, afirma o economista indiano
Pavan Sukhdev, o custo da perda da biodiversidade pode chegar a US$ 4,5
trilhões por ano.
Os dramas do clima e cenários
soturnos não são para o fim do século, estão acontecendo agora em todos os
continentes e oceanos – lembra texto de Giovana Girardi neste jornal (29/3/2014).
E podem desacelerar o crescimento econômico, dificultar a redução da pobreza e
a segurança alimentar. O cientista José A. Marengo enfatiza a necessidade de
correr com programas de adaptação – mas deixando claro que não há uma fórmula
única, depende de cada lugar, de seus problemas e possibilidades específicas.
Todavia já são evidentes os riscos de savanização de várias áreas.
O conservador e prudente jornal
britânico The Guardian chega a discorrer sobre estudo do Centro Espacial
Goddard, da Nasa, segundo o qual “a civilização industrial global pode entrar
em colapso nas próximas décadas” por causa do “consumo insustentável de
recursos e da distribuição desigual da renda” – cada vez maior. Não seria a
primeira vez na História do mundo, observa o jornal, citando o desaparecimento
de civilizações como as de Roma e da Mesopotâmia. Tecnologia, apenas, não resolverá.
O desfecho, contudo, não é inevitável, “dependerá de políticas adequadas” (14/3/2014).
Uma dessas políticas terá como
missão encontrar formatos adequados para expandir em 60% a produção global de
alimentos até 2050 sem ampliar os problemas da água (a agricultura já usa 70%
do total), da desertificação (mais 60 mil km2 por ano), do consumo de recursos
naturais acima (pelo menos 30%) da capacidade de reposição. Em outra área, diz
o World Economic Forum que serão necessários investimentos anuais de US$ 6 trilhões,
ao longo de quase duas décadas, para estabelecer uma “economia de baixo
carbono”. Mas como se fará para eliminar, por exemplo, o subsídio ao consumo de
combustíveis fósseis – petróleo, principalmente -, uma das fontes mais
poluidoras?
Diz o governo brasileiro que em
2010 a redução do desmatamento no Brasil produziu uma queda de emissões maior
que a do total dos países desenvolvidos. Isso foi consequência dos esforços
para reduzir o pico do desmatamento na Amazônia. Porém ainda não chegamos a
reduções mais fortes em outras áreas (transportes, indústria e agricultura,
principalmente).
Um dos problemas está exatamente
na falta de avanços na implantação do novo Código Florestal. E uma das questões
mais fortes está em que, dois anos depois da nova legislação, ainda não se
implementou o Cadastro Ambiental Rural (jornal Valor Econômico, 27/3/2014), que
permitiria identificar em cada propriedade áreas de preservação obrigatória da
vegetação, reservas legais e desobediências à lei. Os decretos de
regulamentação do novo código também estão parados. E com tudo isso, como
afirmou o Valor, “o Código Florestal continua no papel”, embora haja 5,4
milhões de imóveis rurais no País.
Paralelamente, as unidades
federais administradas pelo Instituto Chico Mendes não têm dinheiro para nada.
O Brasil, segundo as Universidades Yale e de Columbia, está em 71.º lugar entre
178 países em termos de “ameaças à natureza” e proteção à saúde humana
(Instituto Carbono Brasil, 29/1/2014).
O secretário-geral das Nações
Unidas, Ban Ki-moon, espera que os países cheguem a um acordo sobre o clima em
setembro, mas não há nada concreto à vista. E o experiente Nicholas Stern,
consultor do Reino Unido, alerta: “Sabemos o que está acontecendo. Mas nada
fazemos” (UN News, 21/3/2014).
Washington Novaes – Jornalista
Fonte: Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo
e reproduzido pelo EcoDebate
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