CÓDIGO FLORESTAL - Começar de novo
Em 2011, no auge das discussões
em torno da polêmica alteração do código florestal pelo congresso, a comunidade
cientifica propôs dialogo para aperfeiçoar uma nova lei florestal que fosse
balanceada, justa e respeitosa, no interesse do bem comum e iluminada pelo
conhecimento. Como exemplo de que o diálogo suportado pelo conhecimento era
possível e vantajoso, o próprio grupo de trabalho de especialistas montado
conjuntamente pelas duas mais importantes organizações de ciência no País – a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira
de Ciências (ABC) – continha representantes das contrastantes visões sobre o
tema, com mais da metade do grupo vindo da EMBRAPA. No estudo exaustivo de
centenas de trabalhos da literatura científica que trata do tema, o grupo
constatou que agricultura e proteção ambiental tinham rico potencial de se
complementar no uso e preservação inteligente da paisagem e que, portanto, não
havia motivo para conflito.
Coerentes com o diálogo que
haviam proposto e com os achados dos especialistas, a SBPC e ABC, ao
apresentarem publicamente seu estudo, pediram um período de dois anos para uma
melhor elaboração da nova lei, de tal forma que o saber cientifico pudesse ser
diligentemente absorvido na atividade legislativa. Ao invés disso, e usando de
subterfúgios e chantagens, o Congresso apresentou à Nação uma lei que
desprezava a ciência e afrontava a vontade majoritária da população, manifesta
em pesquisas de opinião.
Pressionada pela indignação
popular, a Presidente impôs alguns vetos que atenderam minimamente às
recomendações científicas, removendo o que de pior havia sido colocado no
simulacro de lei produzido pelo Congresso. Não obstante, olhado em conjunto,
mesmo com os vetos presidenciais, a nova lei florestal não melhorou os
principais pontos de reinvindicação alardeados para a alteração do código de
1965, como a segurança jurídica por exemplo. E piorou muito os demais pontos,
para a agricultura e para a conservação e valorização ambiental, tanto que
vários estudiosos tem igualado seu efeito àquele da desregulamentação
despudorada dos mercados financeiros que levou à quebra generalizada em 2008,
iniciada em Wall Street.
Dois anos após sua publicação –
no tempo que a ciência havia solicitado para turbinar uma lei que teria saído
eficaz, séria e responsável – a nova lei Frankenstein das florestas tem o setor
imobilizado, pois as dificuldades de aplicação somente aumentaram em relação à
lei anterior.
Se o diálogo construtivo na busca
de harmonia e sinergia em torno do código florestal pode acontecer entre
agricultores e ambientalistas, como exemplificam projetos associativos do tipo
do Y Ykatu Xingu para recuperação de matas ciliares; ou no âmbito econômico e
intelectual, como exemplificam iniciativas empresariais e da comunidade
cientifica, porque não pode ocorrer no âmbito maior e mais impactante da
atividade legislativa?
Paradoxalmente, nosso Congresso
não tem demonstrado compromisso com uma ação em consonância com a vontade dos
eleitores. Infelizmente, parece que o problema da construção de leis em
dissonância com os interesses da sociedade não é desvio ou privilegio da nossa
democracia. Recentemente Paul Krugman relatou afirmação de Thomas Mann e Norman
Ornstein em seu livro “It’s even worse than it looks” (“É ainda pior do que
parece”) que um dos partidos no sistema norte-americano tornou-se “uma força
insurgente e fora de centro — ideologicamente extremista; desdenhosa do regime
social e político que nos foi legado; avessa a compromissos; resistente ao
entendimento convencional dos fatos, provas e ciência; e desrespeitosa da
legitimidade de sua oposição política“.
No caso do Brasil, os
representantes políticos no Congresso, responsáveis pela gestação e aprovação
da nova lei das florestas, pertencem a vários partidos, mas em seu conjunto
seguem lógica similar a esta descrita para o
partido extremista norte-americano. Aqui o manto ideológico unificador
destes políticos parece ter sido seu interesse privado, ligado à propriedade de
grandes extensões de terras.
Uma certeza resta deste processo:
para funcionar como deve, o Código Florestal terá que ser reconstruído. Com o
conhecimento cientifico e tecnologias disponíveis hoje é possível desenvolver
uma lei florestal moderna, compreensível, efetiva, justa, juridicamente
incontroversa e inteligente. Uma lei que
logre ao mesmo tempo estimular vigorosamente a produção agrícola saudável,
enquanto preserva as riquezas da biodiversidade e garante os indispensáveis
serviços ambientais dos ecossistemas.
Para tanto basta a sociedade
escolher melhor seus representantes na próxima legislatura, colocando
claramente sua demanda e depois cobrando um novo Código Florestal iluminado
pelo conhecimento. Sempre é tempo para começar
de novo.
Fonte: Antônio Donato Nobre - Pesquisador sênior do INPA e
pesquisador visitante no Centro de Ciência do Sistema Terrestre do INPE
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