Escolha de espécies em projetos de recuperação
As áreas degradadas, em função
dos desequilíbrios e das condições adversas de clima e solo, oferecem um
ambiente muitas vezes impróprio ao crescimento das espécies, tais como:
- temperaturas elevadas;
- radiação solar direta;
- estresse hídrico;
- degradação das suas
propriedades físicas e químicas; e
- ausência de matéria orgânica no
solo e carência nutricional para o desenvolvimento das plantas.
Portanto, a seleção de espécies
para recuperação destas áreas é muito importante para seu sucesso (de fato, é a
primeira etapa do projeto de plantio de mudas), sendo que estas precisam ter
características ecofisiológicas que as possibilitem sobreviver em ambiente
hostil e garantam a sucessão e regeneração natural nas etapas posteriores.
Para o êxito de um projeto de
recuperação, é necessário manter, ou melhor, recuperar, os processos ecológicos
existentes num ecossistema, tais como a polinização e a dispersão de sementes.
Eles são fundamentais para que se estabeleça um processo contínuo de
regeneração, que permite a área restaurada se auto-sustentar, bem como
influencia a composição de espécies que irá compor a futura comunidade.
Definições
Características ecofisiológicas:
são adaptações funcionais (ecológicas e fisiológicas) das espécies, diante de
distintas condições ambientais.
No contexto utilizado, podem ser
citadas, entre outras:
- produção de sementes e de
folhas;
- presença (ou não) de banco de
sementes no solo;
- condições requeridas de luz
para germinação e crescimento;
- ciclo de vida (quanto tempo
levam para germinar, crescer, reproduzir e morrer);
- tolerantes ou não a solos com
déficits hídrico, alagados, salinos, arenoso, pedregoso ou argiloso.
Algumas destas características
são utilizadas para o enquadramento das espécies de plantas nos grupos
ecológicos de sucessão. A saber: pioneiras, secundárias e clímacicas.
Alguns autores propuseram outras
terminologias para designar os grupos ecológicos, por exemplo, as secundárias
divididas em secundárias iniciais e secundárias tardias, ou ainda, a divisão
das espécies apenas em dois grupos: pioneiras e não pioneiras.
Banco de sementes: estoque de sementes viáveis no solo.
As espécies que compõem o banco
de sementes são, principalmente, aquelas das fases iniciais da sucessão, que
ficam vivas no solo, aguardando alguma perturbação que altere as
características do ambiente (aumentando os níveis de luz, temperatura e/ou
umidade), para germinarem.
Polinização: é o processo de transporte de pólen para o estigma de
uma flor que resulta na fertilização do óvulo, e consequentemente, na formação
de sementes. Constitui uma forte interação entre fauna-flora (exceto nas
plantas que polinizadas pelo vento, as plantas anemófilas). Vários trabalhos
têm demonstrado que espécies de estágios sucessionais iniciais têm
polinizadores mais comuns e generalistas, enquanto que as de estágios
sucessionais mais avançados apresentam polinizadores especialistas e raros.
Dispersão de sementes: é o transporte de sementes a diferentes
distâncias de sua planta-mãe, dependendo da distancia percorrida pelo
dispersor. Por ex. sementes dispersadas pelo vento ou aves podem ser levadas
muito longe.
A dispersão de sementes é um fator
considerado essencial na recobertura florestal de áreas degradadas, porque o
banco de sementes e outras fontes de regeneração (ex. brotos de caule ou raiz)
geralmente foram eliminados por cultivos prolongados, corte ou fogo.
Estes dois processos, polinização
e dispersão, promovem o fluxo gênico entre as espécies e garante uma maior
diversidade genética.
Para espécies de cultivo
agrícola, é desejável que as plantas apresentem uniformidade em relação a sua
morfologia e respostas às condições ambientais, pois isso facilita o comércio
(afinal, quando compramos feijão, por exemplo, queremos que os grãos sejam
todos do mesmo tamanho) e o cultivo (a área cultivada é homogênea, isto é,
recebe luz, água e nutrientes iguais em toda ela, e as plantas vão responder a
estes fatores, assim como a herbicidas e pesticidas, da mesma forma).
Ao contrário, para espécies que
vão formar uma comunidade vegetal auto sustentável, é benéfico que as plantas
da mesma espécie se comportem de maneiras diferentes, pois assim poderão ocupar
locais heterogêneos, às vezes recebendo mais luz, água ou nutrientes. Algumas,
também, podem apresentar maior resistência aos predadores, por exemplo.
Agora, vamos ver alguns critérios
que podem ser utilizados para escolha das espécies e do grupo de espécies a
serem utilizados na RAD...
•Possuir elevada capacidade de
produção de biomassa;
•Não produzir substâncias tóxicas
(alelopatia);
•Apresentar rusticidade, quando
para solos pobres;
•É favorável ter raízes profundas
para melhorar as condições de solo muito compactado, ou raízes superficiais,
quando o solo se apresenta muito arenoso;
•Espécies especializadas em
nutrir o solo, através de processos de simbiose com bactérias fixadoras de
nitrogênio, tais como as leguminosas, e com fungos micorrízicos;
•Espécies capazes de atrair
animais para a área, através dos processos de polinização e dispersão de
sementes;
•O grupo de espécies deve ser
capaz de promover a maior diversidade possível de síndromes de polinização e de
dispersão na comunidade e, ao mesmo tempo, contemplar todos os meses com
floração, para manter os agentes polinizadores e dispersores na área em processo
de restauração;
•Entre as espécies selecionadas,
devem estar presentes diferentes grupos ecológicos de sucessão.
Dois pontos muito importantes
devem ser ressaltados:
Primeiro, que as espécies selecionadas para o uso em recuperação
sejam nativas, às quais já possuem adaptações às condições climáticas, relevo,
solos e biota (tanto flora como fauna) locais. Para saber quais plantas
existiam no local, podemos recorrer a observações de campo e/ou levantamento
Florístico e Fitossociológico de remanescentes próximos ou, quando possível, da
própria área quando ainda tinha vegetação.
Segundo, deve ser utilizado o maior número de espécies possíveis.
No estado de São Paulo, por
exemplo, foi determinado que a recuperação florestal deverá atingir, no prazo
de execução do projeto, no mínimo, 80 espécies nativas regionais.
Posso
utilizar espécies exóticas
Uma espécie exótica é aquela que
foi introduzida, por meio de atividades humanas relativamente recentes, numa
área onde não ocorria previamente.
Quando o objetivo da recuperação
da área é atingir um ecossistema mais próximo possível do que o existia
naturalmente, é inadequado utilizar espécies exóticas, sendo, inclusive,
desejável a eliminação daquelas que já estão presentes.
Isto porque, em ecossistemas naturais,
as espécies exóticas invasoras - aquelas especialmente móveis e que se
reproduzem abundantemente, comumente competem com as espécies indígenas e as
substituem, como é o caso do picão-da-praia (Wedelia paludosa- foto), uma erva
que tolera o sombreamento no interior da floresta e, portanto, compete com as
ervas nativas, ameaçando a biodiversidade destas.
Algumas exóticas são tão
agressivas que impedem ou permitem, de forma muito lenta, o processo
sucessional, como por exemplo, algumas gramíneas como o sapé (Imperata
brasiliensis) e o capim-colonião (Panicum maximum), cujas sementes são
dispersas pelo vento, portanto atingem grandes distancias e, consequentemente,
grandes áreas. Além disso, muitas são resistentes ao fogo e têm um crescimento
muito rápido.
Estas espécies, muitas vezes, se
constituem num problema nos reflorestamentos porque crescem nos espaços entre
as arvores plantadas, e impedem o estabelecimento de espécies nativas que
porventura chegam de matas vizinhas.
Observe o estabelecimento
vigoroso de capim, promovido pela alta incidência de sol no solo, em uma área
recuperada.
No entanto, em alguns casos, as
plantas exóticas são usadas para algum propósito específico no projeto de
restauração, tais como:
- proporcionar uma rápida
cobertura do solo;
- fornecer madeira;
- auxiliar na fertilidade do solo
através da fixação de nitrogênio.
Atenção: Se estas espécies exóticas plantadas não forem de
longevidade relativamente curta e de pouca persistência, sendo naturalmente
substituídas no transcorrer da sucessão, a sua remoção deve constar no plano de
restauração, atentando que este processo pode ser muito complicado.
Já imaginou erradicar um grupo
enorme de gramíneas ou cipós, os quais não possuem predadores/competidores
nativos, de uma extensa área?
Talvez você pense...”Puxa, se um
agricultor quiser reflorestar seu sítio, não poderá tirar nenhum proveito
econômico direto e rápido?”
Ressalto que, acrescentei “direto
e rápido” porque a recuperação de áreas traz vários benefícios econômicos e
serviços ambientais, só que nem sempre tão rápidos...
Bom, então, respondendo esta
pergunta...
Pode sim, através do plantio de
espécies agrícolas e/ou de interesse econômico (por ex. milho, feijão, abóbora,
girassol e gergelim; frutíferas como o mamão; cultivares perenes como o café,
urucum e arbóreas diversas, com distintos ciclos de vida.) nas entrelinhas das
árvores plantadas ou nas bordas da área a ser restaurada. Esta ação pode ser
realizada nos dois primeiros anos da área restaurada, servindo, inclusive, como
estratégia de manutenção.
Este tipo de associação pode ser
chamado de Sistemas Agroflorestais (SAFs), que são sistemas de uso da terra em
que plantas de espécies agrícolas são combinadas com espécies arbóreas sobre a
mesma unidade de manejo da terra, sendo muito adequado para a pequena produção
familiar.
Fonte: www.trabalhosfeitos.com
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