Cientistas brasileiros discutem a polêmica geoengenharia
Cientistas brasileiros e
britânicos discutiram, por meio de videoconferência, possibilidades de
cooperação entre instituições dos dois países para desenvolvimento de estudos e
programas de pesquisa conjuntos na área de geoengenharia, que inclui diversos
métodos de intervenção de larga escala no sistema climático do planeta, com a
finalidade de moderar o aquecimento global.
O Café Scientifique: Encontro
Brasileiro-Britânico sobre Geoengenharia, promovido pelo British Council, Royal
Society e FAPESP, foi realizado nas sedes do British Council em São Paulo e em
Londres, na Inglaterra.
Geoengenharia
no Brasil
O ponto de partida para a
discussão foi o relatório Geoengenharia para o clima: Ciência, governança e
incerteza, apresentado pelo professor John Shepherd, da Royal Society.
Em seguida, Luiz Gylvan Meira
Filho, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo (USP), apresentou um breve panorama da geoengenharia no Brasil.
"A reunião teve um caráter
exploratório, já que o próprio conceito de geoengenharia ainda não foi definido
com precisão. O objetivo principal era avaliar o interesse das duas partes em
iniciar alguma pesquisa conjunta nessa área e expor potenciais contribuições
que cada um pode dar nesse sentido", disse Carlos Afonso Nobre,
pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O que é
geoengenharia
Segundo Nobre, a geoengenharia é
um conjunto de possibilidades de intervenção dividido em dois métodos bastante
distintos: o manejo de radiação solar e a remoção de dióxido de carbono.
Durante a reunião, os brasileiros deixaram claro que têm interesse apenas na
segunda vertente.
O manejo de radiação solar, de
acordo com o relatório britânico, inclui técnicas capazes de refletir a luz do
Sol a fim de diminuir o aquecimento global, como a instalação de espelhos no
espaço, o uso de aerossóis estratosféricos - com aplicação de sulfatos, por
exemplo -, reforço do albedo das nuvens e incremento do albedo da superfície
terrestre, com instalação de telhados brancos nas edificações.
A remoção de dióxido de carbono,
por outro lado, inclui metodologias de captura do carbono da atmosfera - ou
"árvores artificiais" -, geração de carbono por pirólise de biomassa,
sequestro de carbono por meio de bioenergia, fertilização do oceano e
armazenamento de carbono no solo ou nos oceanos.
A principal diferença entre as
duas vertentes é que os métodos de manejo de radiação solar funcionam com mais
rapidez, em prazos de um ou dois anos, enquanto os métodos de remoção de gás
carbônico levam várias décadas para surtirem efeito.
Artificialismo
O relatório apresentado na
reunião avaliou todas as técnicas segundo a eficácia, prazo de funcionamento,
segurança e custo. Seria preciso ainda estudar os impactos sociais, políticos e
éticos, de acordo com os cientistas britânicos.
Nobre aponta que o Brasil teria
interesse em contribuir com estudos relacionados à vertente da remoção de
dióxido de carbono, que seria coerente com o estágio avançado das pesquisas já
realizadas no país em áreas como bioenergia e métodos de captura de carbono.
"Sou muito cético em relação
ao manejo de energia de radiação solar. A implementação dessas técnicas é
rápida, mas, quando esses dispositivos forem desativados - o que ocorrerá
inevitavelmente, já que não é sustentável mantê-los por vários milênios -, a
situação do clima voltará rapidamente ao cenário anterior. Seria preciso,
necessariamente, reduzir rapidamente a causa das mudanças climáticas, que são
as emissões de gases de efeito estufa", disse Nobre.
Manejo da
energia solar
De acordo com Nobre, as técnicas
de manejo de energia solar são vistas, em geral, como um "plano B",
em caso de iminência de um desastre climático de grandes consequências. Ou
seja, seriam acionadas emergencialmente quando os sistemas climáticos
estivessem atingindo pontos de saturação que provocariam mudanças irreversíveis
- os chamados tipping points.
"Mas o problema é que vários
tipping points foram atingidos e já não há mais plano B. O derretimento do gelo
do Ártico, por exemplo, de acordo com 80% dos glaciologistas, atingiu o ponto
de saturação. Em algumas décadas, no verão, ali não haverá mais gelo. Não
podemos criar a ilusão de que é possível acionar um plano B. Não há sistemas de
governança capazes de definir o momento de lançar essas alternativas",
disse.
Remoção
do dióxido de carbono
A vertente da remoção do dióxido
de carbono, por outro lado, deverá ser amplamente estudada, de acordo com
Nobre. "Essa vertente segue a linha lógica do restabelecimento da
qualidade atmosférica. O princípio é fazer a concentração dos gases voltar a um
estado de equilíbrio no qual o planeta se manteve por pelo menos 1 ou 2 milhões
de anos."
Ainda assim, essas soluções de
engenharia climáticas devem ser encaradas com cuidado. "A natureza é muito
complexa e as soluções de engenharia não são fáceis, especialmente em escala
global. Acho que vale a pena estudar as várias técnicas de remoção de gás
carbônico e definir quais delas têm potencial - mas sempre lembrando que são
processos lentos que vão levar décadas ou séculos. Nada elimina a necessidade
de reduzir emissões", disse Nobre.
Alertas
contra a geoengenharia
A geoengenharia ainda não está
sendo discutida pela sociedade. Mas, mesmo no meio científico, há fortes
resistências à ideia de qualquer manipulação do clima em escala global. Estudos
iniciais também indicam que a geoengenharia poderia frear o ciclo global da
água.
James Lovelock, criador da Teoria
de Gaia e um dos pais do movimento ambientalista, disse hoje em entrevista à
BBC que tentar salvar o planeta é uma bobagem porque o clima não se comporta
segundo os cálculos que os cientistas fazem em seus modelos climáticos.
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