Gravidade dos problemas ambientais e a inconsciência generalizada
É cada vez mais frequente na
sociedade a sensação de que as instituições das áreas de políticas públicas (Executivo,
Legislativo; no Judiciário os problemas têm outros formatos) parecem
sempre mais distantes da formulação de macropolíticas e projetos capazes
de resolver nossos gravíssimos problemas sociais. Suas decisões ou são muito
limitadas na abrangência ou atendem a interesses específicos dos formuladores e
dos que os apóiam – não da sociedade nem da solução de graves carências que a
afligem.
Ainda há poucos dias (28 de
setembro de 2013), este jornal publicou em várias páginas as gravíssimas consequências
das alterações no clima do planeta enumeradas no novo relatório do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da ONU) e endossadas pela
quase totalidade dos cientistas. Que consequências ou desdobramentos isso está
tendo em nossas políticas internas? Que urgência está sendo dada às
recomendações do IPCC, embora seu secretário-geral, Rajendra Pachauri, tenha
dito que o mundo está “a cinco minutos da meia noite”?
Não que nos faltem, internamente,
informações capazes de embasar políticas adequadas. Ainda há poucas semanas, o
próprio relatório de 345 cientistas do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
– onde o governo federal está representado – afirmou que a temperatura no nosso
Semiárido (que já passa pela maior seca em 50 anos) poderá aumentar de 3 a 4,5
graus Celsius até o fim do século, com a 40 a 50% menos de chuvas; na Amazônia
poderão ser 6 graus mais; na Mata Atlântica do Sudeste poderá haver 30% mais de
chuvas, no Cerrado 40% menos. Vamos mudar algo? Estudo de grupo
interdisciplinar de 26 pesquisadores da Unicamp alerta (1 de outubro de 2013)
que, ao contrário, a expansão da cana-de-açúcar no Centro-Oeste, em função de
vantagens econômicas de curto prazo, esconde problemas sociais e ambientais que
“tendem a se agravar por causa de mudanças climáticas”. A necessidade de
irrigação intensa, principalmente, está levando a conflitos pelo uso de
recursos hídricos cada vez mais escassos – quando o conveniente seria gerar
variedades mais resistentes às condições locais.
Enquanto isso, as administrações
públicas “parecem fascinadas demais pela riqueza fácil” trazida pela cultura.
Nessa área dos recursos hídricos,
não é preciso trazer de novo os dramas do saneamento, com quase 90 milhões de
pessoas no país sem ligação de suas casas com redes de esgotos, quase 15
milhões sem receber água tratada – e com todas as nossas bacias hidrográficas,
da Bahia ao Sul, em “situação crítica”, segundo a Agência Nacional de Águas,
por causa do despejo de esgotos sem tratamento.
Mas não é só aqui. Na recente 23º
Semana Mundial da Água, em Estocolmo, lembrou-se (2 de setembro de 2013) que as
insuficiências no abastecimento de água provocam 5 mil mortes diárias no mundo,
quase 2 milhões por ano. 350 cientistas reunidos no seminário “Water in the
Anthropocene”, em Bonn, asseguraram (New Scientist, 1 de junho de 2013)que “em
apenas uma ou duas gerações a maioria da população da Terra sofrerá com a falta
de água de boa qualidade”.Mais de metade dos rios e córregos dos Estados
Unidos, diz a Agência de Proteção Ambiental daquele país (16 de abril de 2013),
já tem problemas graves de contaminação
dos peixes, contaminação por bactérias fecais e nutrientes contidos em
fertilizantes, que fazem proliferar algas, poluem com fósforo e nitratos. A
cada ano, diz o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA que 100
milhões de toneladas de nitrogênio usadas nas lavouras chegam aos oceanos. O
respeitado Thomas Friedman (The New York Times) contou neste jornal (STADO, 10
de maio de 2013) que ao visitar o Iêmen encontrou uma cidade na região de
montanhas (Taiz) onde as pessoas só podem usar as torneiras de suas casas por
36 horas a cada 30 dias; no restante do tempo, têm de pagar por água
transportada por caminhões que a comercializam.
A gravidade progressiva dos
conflitos por água já está à vista. O volume de água necessário para produzir
energia dobrará no mundo em 15 anos, segundo a Agência Internacional de Energia
(O Globo, 31 de março de 2013). Enquanto isso, já chegamos à perda de 50% das
áreas úmidas no planeta, com o avanço da exploração agropecuária, industrial e
urbana. E ainda precisaríamos aumentar o consumo de água para irrigação, de 70%
do total atual para 90%, com o aumento da população. Como ? No Forum Mundial da
Água, em junho, em Foz do Iguaçu, o brasileiro Benedito Braga, seu presidente,
enfatizou que o Nordeste brasileiro “já precisa armazenar água”. E foi ao ponto
central abordado no início deste texto:
“Soluções técnicas nós temos; mas a questão é política; e necessita de
recursos financeiros.”
Enquanto não chegamos às
macropolíticas e à conjugação de projetos, vamos com ações isoladas. São Paulo
lança pacote de barragens e diques urbanos, mas continuamos com centenas de
milhares de pessoas morando em áreas de preservação obrigatória às margens de
reservatórios para abastecimento. Enquanto se vai buscar mais água a dezenas de
quilômetros de distância e a custos altíssimos; outras tantas pessoas vivem em
áreas de risco, sujeitas a deslizamentos, desmoronamentos. Não se consegue
evitar que dezenas de afluentes do Tietê, sepultados sob o asfalto, levem para
o rio mais lixo e sedimentos; e ele tem mais de 100 quilômetros de suas águas
sob um mar de espuma, que o transforma no rio mais poluido do país, embora a
nascente, em Salesópolis, continue a fornecer água potável (ESTADO, 22 de
setembro de 2013).
Onde teremos de chegar ? Todos os
dias discutimos o crescimento ou recuo do produto interno bruto, o avanço ou
decréscimo da dívida pública, o progresso ou retrocesso deste ou daquele setor
econômico, mais ou menos empregos – mas sem discutir o que está na base física
de tudo: os recursos naturais (que não são infinitos). Será preciso
enfrentarmos racionamentos, penúrias ?
Não teremos competência para formular políticas adequadas ?
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