O crescimento econômico pode ser sustentável
É possível garantir a prática da
sustentabilidade em um mundo em que mercados consumidores acabam de emergir,
ansiosos por usufruir do seu poder de compra recém conquistado? Esse é o caso
da China pós-socialista e da classe C brasileira, em que bens e serviços como
computadores, carros e viagens aéreas, por exemplo, se tornaram acessíveis. O
aumento do poder aquisitivo é, sem dúvida, um avanço sob a perspectiva social,
e merece ser comemorado. Mas, se não for acompanhado do consumo consciente e
orientado, pode representar uma ameaça do ponto de vista ambiental. Uma
resposta imediata poderia orientar para a adoção de produtos inteligentes e de
tecnologia limpa na produção. Mas o alto custo dessas tecnologias e o nível em
que se encontram as pesquisas nesse sentido não permitem, ainda, que os
produtos que causam menor impacto sejam consumidos em larga escala.
Contamos, então, com as reflexões
de três convidados. O primeiro deles, o físico austríaco Fritjof Capra, autor
de obras como ‘Tao da Física’ e ‘Ponto de Mutação’. Depois, dá sua visão o
arquiteto Sandro Tubertini, um dos responsáveis pelo escritório BDSP, que
assina a construção do Velódromo de Londres, considerada a construção mais
sustentável do parque olímpico de 2012. No final, a reflexão de Homero Santos,
professor, administrador e consultor em sustentabilidade.
Fritjof Capra: Nosso principal
desafio é mudar de um sistema baseado na noção de crescimento ilimitado para
outro que seja tão ecologicamente sustentável quanto socialmente justo.
"No growth", ou a ausência de crescimento, não é a saída. O
crescimento é uma característica central de toda vida. No entanto, crescimento,
na Natureza, não é linear e ilimitado. Enquanto algumas partes de organismos ou
ecossistemas crescem, outras declinam, liberando e reciclando seus componentes
como resíduos, que se tornam recursos para novas formas de crescimento. Eu
sugiro o termo "crescimento qualitativo" para descrever esse tipo de
desenvolvimento equilibrado, multifacetado, tão familiar aos biólogos e ecologistas,
e que contrasta com o conceito de crescimento quantitativo, usado pelos
economistas. (Fritjof Capra and Hazel
Henderson, "Qualitative Growth”)
A maioria dos países mede sua
riqueza pelo Produto Interno Bruto (PIB), pelo qual todas as atividades econômicas
estão associadas e valores monetários são somados indiscriminadamente, ao mesmo
tempo em que todos os aspectos não monetários são ignorados. O crescimento
indiferenciado desse índice quantitativo tão cru é considerado um sinal de uma
economia "saudável". A ideia de que o crescimento possa representar
um obstáculo, ser insalubre ou mesmo patológico não é sequer cogitada. Quando
estudamos a Natureza, podemos ver bem claramente que o crescimento
quantitativo, promovido vigorosamente pelos economistas e políticos, é
insustentável. Em contra partida, crescimento econômico qualitativo pode ser
sustentável se envolver um balanço entre aumento, declínio e reciclagem, e se
também incluir desenvolvimento em termos de aprendizado e amadurecimento. Em
vez de avaliar o estado de uma economia por meio do PIB, precisamos distinguir
entre "bom" crescimento e "mau" crescimento.
Sandro Tubertini: Não há
resposta simples e definitiva. A questão aponta os sintomas da realidade
econômica que começou a se construir no século 20, quando socialismo e
capitalismo estavam em expansão. Ambos contam com dinâmicas de mercado que não
contemplam a preocupação com o meio ambiente e, portanto, contribuíram em muito
a levar o mundo a situação atual, de degradação. Hoje, inovações introduzidas
ao modelo de consumo capitalista tentam reduzir o impacto, mas elas são
paliativas, já que o grande motor do sistema ainda é o aumento da produção e do
consumo. É natural imaginar, então, que a parte da população que não tinha
poder de compra seja agora o alvo da expansão capitalista.
São raras as iniciativas em que
redução de consumo ou de dano ambiental resulte em bonificação para esses novos
compradores. Dificilmente elas se revertem em atrativos reais e competitivos.
Em alguns casos, no lugar de serem efetivas na redução do impacto e refletir um
princípio, essas práticas são, na verdade, adotadas apenas como mecanismos de
propaganda verde, garantindo poucos resultados além da melhor percepção da
marca.
O Estado e a sociedade são as
únicas instâncias que arcaram com o custo da conta ambiental e, portanto, têm
um benefício imediato na redução desses impactos. Assim, um papel importante
cabe às políticas públicas, que podem direcionar o mercado para práticas de
redução de impactos. Taxas sobre poluição, limites à emissão de gases e
incentivos ao uso de tecnologias renováveis são alguns exemplos de estratégias
que podem alterar o rumo de forças econômicas. Sem dúvida a solução para o
problema passará por uma mudança drástica no modelo econômico, sendo que o novo
paradigma deverá de alguma forma precificar o custo ambiental. A visão de longo
prazo também terá um papel mais importante. Esse novo pano de fundo deverá
estimular a adoção de práticas sustentáveis.
Homero Santos: Temos duas
certezas. A primeira delas é de que nosso tempo de vida na Terra é finito. A
segunda é que não podemos nem prever nem determinar o momento em que esse tempo
terminará - posso viver mais trinta segundos ou trinta anos. Isso condiciona o
comportamento humano. Nossas escolhas tendem a privilegiar o curto prazo. Se
posso ter imediatamente uma satisfação, obter um objeto ou conseguir uma
identidade por meio de um dele, renunciar a isso é uma exigência muito grande.
Além dessa tendência individual, estamos enredados em um sistema que se baseia
no consumo. E se quisermos sair, de fato, desse sistema, seremos muito
prejudicados. Por exemplo: usamos internet, temos contas em bancos, fazemos
compras em supermercados. É uma rede complexa, muito grande, que consome
energia e da qual é muito difícil escapar. Com qualquer movimento que façamos
hoje, causamos impacto no meio ambiente.
Organizamos nossa vida em
profunda dependência do sistema, e agora, de dentro dele, queremos mudá-lo. E
isso é uma coisa que eu considero impossível. Einstein nos ensinou que não se
podem resolver os problemas de um sistema usando a lógica do próprio sistema.
Essa mudança só vai acontecer por meio de uma ruptura, um choque que venha de
fora e que seja maior do que a nossa capacidade de interferência. Então, somos
obrigados a resumir nossa ação trocando um banho prolongado por um curto,
adotando placas solares, etc.. São atitudes tímidas e não tão eficazes para uma
mudança real, porque estão inseridas dentro da lógica do sistema. Ainda assim,
não podem ser simplesmente descartadas... Os problemas estruturais se resolvem
de uma outra perspectiva, que só conseguimos alcançar no plano ideológico,
pensando em um novo modelo para nos organizarmos após a ruptura de nosso
sistema, e nos preparando para esse novo momento.
Fonte: www.asboasnovas.com
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