A especificidade ecológica do setor produtivo agrícola
A atividade agrícola depende de
espaço. É a principal responsável pela transformação irreversível de
ecossistemas naturais. Apresenta também a peculiariedade de ter a quantidade e
a qualidade de suas produções afetadas pelo grau em que as técnicas utilizadas
impactam sua base natural. As práticas ditas modernas garantiram a quantidade,
mas não a qualidade dos alimentos.
Estes têm apresentado graus
variados de contaminação por agroquímicos, bem como queda na qualidade
nutricional: estrutura de aminoácidos e teor de vitaminas afetados pela
fertilização desbalanceada e pela degradação da estrutura física dos solos.
Entretanto, mesmo a quantidade
não está garantida se considerarmos o muito longo prazo. Os defensores das
práticas atuais argumentam, de modo análogo aos defensores da agricultura
americana no começo do século 20, que a adoção de práticas agroecológicas
reduziria em muito a produtividade do trabalho agrícola, representando um custo
não aceitável pela população.
De fato, os chamados produtos
orgânicos ou, mais genericamente, agroecológicos são mais caros, sendo que sua
comercialização visa ainda a nichos de mercado compostos de um público mais
consciente e disposto a pagar mais caro por produtos de melhor qualidade.
Pode-se argumentar, entretanto,
que esses preços já poderiam ser menores se os Estados dedicassem às práticas
agroecológicas esforços semelhantes ao que dedicam à agricultura convencional,
em termos de pesquisa e extensão agrícolas, crédito, subsídios etc. Além disso,
é preciso considerar que uma correta contabilização ecológica mostraria que os
preços mais elevados dos produtos agroecológicos embutem uma série de serviços
ecossistêmicos que beneficiam toda a sociedade.
O primeiro deles, já mencionado,
é a qualidade dos alimentos. Alimentos mais saudáveis em termos nutritivos e
isentos de contaminação química. Outro serviço importante é a produção de água
de qualidade. Uma paisagem agrícola agroecológica resulta de um manejo de solo
que potencializa a capacidade de infiltração de água, eliminando a erosão e
contribuindo para a regularização do fluxo de água dos rios. Desse modo, a
qualidade das águas não é afetada pelo carreamento de terra e agroquímicos,
reduzindo o custo de tratamento de água nos centros urbanos (que não resolvem
todo o problema) e contribuindo para a manutenção da fauna aquática.
Um terceiro serviço ecossistêmico
é aquele da manutenção de uma biodiversidade florística e faunística na
paisagem agrícola que é cada vez mais valorizada na maioria dos países. Para o
ecoturismo ou turismo rural essa paisagem agroecológica é fundamental e cada
vez mais os cidadãos de diversos países estão dispostos a pagar por esses
serviços. A absorção e estocagem de carbono seria um quarto. Há outros, porém
nem todos podem ser monetizáveis devido à falta de informações. Os que são
monetizáveis deveriam ser contabilizados e levados em conta na formulação de
políticas agrícolas de apoio às práticas agroecológicas.
Possivelmente a necessária
contabilização da dimensão econômica (monetária) do valor da agricultura
agroecológica seja suficiente para justificar políticas mais incisivas em seu
apoio. De qualquer modo, é preciso não perder de vista suas dimensões
propriamente ecológica e sociocultural, cujas métricas não são monetárias. A
dimensão sociocultural tem sua métrica no papel que o espaço agrícola pode ter
para a preservação da identidade cultural de muitos povos. No caso da dimensão
ecológica, que interessa a todos, a métrica é a sustentabilidade de muito longo
prazo definida por critérios (a) utilitário (necessidade para a sobrevivência
humana) e (b) deontológico (aceitação do direito à sobrevivência de espécies
não úteis).
A ciência agrícola já acumulou
experiência suficiente para definir os parâmetros de sustentabilidade de
longuíssimo prazo para as práticas agrícolas, um agroecossistema onde certa
proporção de remanescentes de flora e fauna nativas contribue para a resiliência
agroecossistêmica de longo prazo de práticas agropecuárias baseadas no manejo
de processos naturais.
Fonte: Ademar Ribeiro Romeiro
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