O espantoso sumiço das abelhas
O nome científico é Desordem do
Colapso das Colônias, traduzido do inglês. Um fenômeno que ganhou relevância
nos Estados Unidos, particularmente na Califórnia, em 2006, quando milhões de
colmeias desapareceram. O cálculo do sumiço em 27 estados era de 1,4 milhão de
colmeias para um total de 2,5 milhões. As abelhas não morrem, elas somem. Não
deixam rastro. É como no navio fantasma Maria Celeste, cuja tripulação sumiu em
1872, daí chegaram a apelidar o evento de “Maria Celeste”.
O problema aumentou quando o
sumiço atingiu vários países da Europa, incluindo, Alemanha, França, Espanha,
Portugal, Suíça, entre outros. Começaram a levantar as causas do problema. Das
antenas de celulares, ao estresse de percorrer milhares de quilômetros
transportando abelhas dentro de caminhões acompanhando as safras de várias
culturas. Das 250 mil espécies de plantas com flores, 90% são polinizadas por
animais, na maioria insetos, e na sua maioria abelhas – cálculo de 40 mil
espécies no mundo, três mil no Brasil.
A polinização das plantas é
obrigatória para a reprodução, enfim, garante a continuidade da espécie, a
variedade genética e, principalmente, a produtividade. É o caso da maioria das
culturas comerciais, como soja, milho, a maioria das frutas. Enfim, calculando
em dinheiro o valor atinge US$200 bilhões no mundo inteiro, US$40 bilhões nos
Estados Unidos. Em janeiro desse ano, as autoridades sanitárias da Europa
(EFSA, que controla a segurança dos alimentos), determinaram que fossem
submetidos a exames detalhados três inseticidas, da classe dos neonicotinoides
(origem da nicotina), fabricados pela Bayer – clotidianidina e imidacloprida –
e tiametoxan, da Syngenta.
Inseticidas
suspeitos
A EFSA argumenta que os
inseticidas por meio de resíduos na terra, no néctar e pólen são alto e grave
risco para as abelhas na forma pelo qual são aplicados em cereais, algodão,
canola, milho e girassol, entre outras plantas. O órgão regulador determinou a
avaliação de risco muito mais abrangente para o caso das abelhas e introduziu
um nível mais alto de atenção na interpretação dos estudos de campo,
ressaltando que não tem dados para concluir que os inseticidas contribuem para
o colapso das colônias. Mesmo assim países como Itália, França, Alemanha e
Eslovênia proibiram ou suspenderam o uso dos venenos.
A Syngenta divulgou uma
declaração de que “esse relatório não é digno da EFSA e seus cientistas”. Já a
Bayer, que fatura 800 milhões de euros com os neonicotinoidas, informou que os
produtos químicos não causam danos as abelhas se usados da maneira pela qual
foram aprovados na Europa. Existem 18 casos relatados na literatura mundial de
mortandade de abelhas, segundo os pesquisadores Maria Cecília de Lima e Sá de
Alencar Rocha, em um amplo estudo publicado no ano passado pelo IBAMA, chamado
“Efeitos dos Agrotóxicos sobre abelhas silvestres no Brasil”.
“O que diferencia essa ocorrência
é que as chamadas escoteiras ou exploradoras não estão retornando às colmeias,
mas deixando para trás a ninhada (abelhas jovens), a rainha e talvez um pequeno
grupo de adultos, provocando o enfraquecimento da colônia. Além disso, não são
encontradas abelhas mortas dentro do ninho, nem ao redor das colmeias”,
registra o trabalho dos pesquisadores.
Mais interessante é que as
colmeias não são saqueadas por outros insetos, como formigas ou besouros.
Também é importante ressaltar que as abelhas, que existem há 60 milhões de
anos, formam um sistema mutualista com os vegetais. Seguramente, é um dos
sistemas mais importantes de suporte da vida no planeta. O físico Albert Einstein
deu uma declaração há muitos anos, dizia o seguinte:
“No dia em que as abelhas desaparecerem do globo, o homem não terá mais
do que quatro anos de vida”.
Um estudo da Escola de Saúde
Pública de Harvard realizado em Wocester Country, Massachussets, com 20
colmeias, usando aplicação dos inseticidas citados, determinou que a partir da
23ª semana, 15 de 16 colmeias tinham desparecido. Usaram uma dosagem do
inseticida menor do que a encontrada no ambiente. O Programa de Meio Ambiente
da ONU (PNUMA) apresentou um relatório sobre o caso e 2011, também faz
referência ao uso indiscriminado de agrotóxicos no mundo.
Circula
com a seiva
Claro, o desmatamento também é
outra causa. Nos últimos anos, mais de 100 milhões de hectares de floresta
foram perdidos no mundo, se contar outros usos das terras, a agricultura
avançou em quase 500 milhões de hectares. Dos 13,066 bilhões de hectares ela
ocupa 38,3%. Mas também está mais do que evidente que o consumo de agrotóxicos
aumentou muito mais do que a área expandida da agricultura.
Os neonicotinoides são
considerados uma classe de inseticidas que agride menos o meio ambiente,
comparado com os organofosforados, piretroides e carbamatos. Mas a função dele
é matar insetos. Todos eles. Além disso, tem ação sistêmica, ou seja, ele se
espalha pela planta e atinge a seiva e passa a percorrer todo o organismo.
Outro ponto: os agricultores fazem tratamento das sementes com os inseticidas.
Isso significa que, ao germinar, a planta já traz o veneno na seiva,
contaminando o pólen e o néctar, alimento das abelhas e das suas crias.
No Brasil não existe avaliação
sobre colapso ou contaminação de colmeias. Existem muitos casos registrados em
vários estados, como o Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas e São
Paulo. Todos ligados a produção de colmeias localizadas nas cercanias de áreas
agrícolas, como soja, cana ou milho. O presidente da Federação Internacional de
Apicultura, Gilles Ratia, diz que no Brasil em função do uso indiscriminado de
agrotóxicos a perda das colônias atinge 5 a 6%, das cerca de dois milhões de
colmeias consideradas, um número em torno de 350 mil apicultores. Esta é uma
atividade da agricultura familiar no Brasil, e o grande crescimento ocorre no
nordeste, onde a atividade cresceu 290% nos últimos anos. O Piauí é o segundo
produtor nacional de mel, com quase cinco mil toneladas, atrás do RS, que
produz quase oito mil toneladas. Os dados são do SEBRAE, de 2009.
Perde o
rumo
Entretanto, nos países
desenvolvidos a taxa de mortandade por contaminação de agrotóxicos alcança 40%,
segundo Gilles Ratia.
A abelha “apis mellifera” é a
espécie mais usada na polinização, principalmente das culturas comerciais. É um
inseto social, que trabalha coletivamente e de forma organizada. É capaz de
voar quase três quilômetros em volta da colônia. Ela avisa suas companheiras
sobre o local onde está a fonte de alimentação, através de uma dança circular,
e também por contato olfativo. Qualquer interferência nesse processo, ela perde
a referência, não informa suas companheiras e, como está acontecendo agora, não
memoriza o local da colmeia. Perde o rumo.
É conhecido internacionalmente o
poder de fogo dos venenos usados nas plantações comerciais. O objetivo deles é
atingir o sistema nervoso dos insetos. Por um motivo simples: eles foram
fabricados para matar humanos, e o ponto central, era atingir o sistema
nervoso. O sujeito contaminado entra em convulsão e morre rápido. O veneno
penetra no espaço entre as células e acelera o processo, devido à transmissão
contínua e descontrolada dos impulsos nervosos. O sistema nervoso central entra
em colapso.
O Brasil que é o campeão no uso
de agrotóxicos com mais de um milhão de toneladas de consumo, sem contar o que
entra contrabandeado. Até a aprovação da lei que regulamenta o uso desses
venenos em 1989, as indústrias registravam os produtos com uma facilidade
enorme, inclusive muitos já proibidos nos países de origem das mesmas empresas,
como Estados Unidos e Alemanha. Aliás, ainda durante a ditadura, quando ocorreu
a ocupação do Centro-Oeste e parte da Amazônia existia um Plano Nacional de
Defensivos Agrícolas. O agricultor que procurava crédito rural destinava 20% na
compra de insumos técnicos, como fertilizantes, venenos e sementes industriais.
Flores em
Nova Friburgo
Agora, há quase três anos a
ANVISA tenta reavaliar 14 princípios ativos desses agrotóxicos. Conseguiu banir
um (tricloform), e outro já proibido em vários países – metamidofós -, está
para ser banido. Mas o SINDAG, que representa as maiores indústrias recorreu na
justiça, e nove ainda estão impedidos de ser reavaliados. Incluindo o
glifosato, que foi aprovado como um agrotóxico classe IV, de baixa toxicidade.
Para completar o caso do sumiço das
abelhas, vou citar alguns dados do trabalho de mestrado em saúde pública da
pesquisadora da Fiocruz, do Rio de Janeiro, Marina Favrin Gasparini, sobre
trabalho rural e riscos socioambientais, na região de Nova Friburgo, onde
aconteceu a tragédia conhecida, com o desmoronamento de parte da serra. Ela
morou na região e fez a pesquisa, entrevistando muitos produtores, todos
pequenos, propriedades em média de 1 a 12 hectares, após o acidente. A região
serrana do Rio de Janeiro é o segundo maior polo produtor de flores do país,
atrás de Holambra, em São Paulo. Também é um dos maiores na produção de
hortigranjeiros, como tomate e couve-flor.
Tem um dos maiores índices de
aplicação de agrotóxicos por área e por trabalhador, é cinco vezes maior que a
média do Sudeste e 18 vezes a média do estado- 56,5kg por trabalhador
rural/ano. Segundo levantamento da empresa de pesquisa agropecuária do Rio –
PESAGRO -, dos 32 agrotóxicos mais usados, 17 sofrem restrições em outros
países, oito já foram proibidos. “Elevados índices de contaminação ambiental e
humana foram encontrados nessa região, como decorrência do uso intensivo destes
agentes químicos”, registra a pesquisadora.
Rosa
fluminense envenenada
Começando pelo deslizamento, dos
657 pontos vistoriados na região serrana pelo Ministério do Meio Ambiente, 92%
já tinham sofrido algum tipo de alteração, somente 8% mantinham mata nativa
original. A produção de flores iniciou em Nova Friburgo na década de 1950, por
descendentes de suíços e alemães que ocuparam a região desde 1819. Mas ganhou
forma depois dos anos 1970, quando a Holanda, maior produtor mundial de flores
– 85% da Europa -, começou a implantar polos nos países latinos. Casualmente,
logo depois que o livro de Rachel Carson sobre os efeitos dos venenos no ambiente
e para a saúde humana foi publicado. A Holanda, se considerarmos o uso de
agrotóxicos per capita e por área, é a campeã no uso.
As flores mais produzidas são de
clima temperado – rosa, crisântemo e palma. Mas outras 30 variedades são
produzidas. Também mudas de rosa. Com toda a beleza, a cultura da rosa é a que
mais aplicações recebe. No mínimo, uma por semana, no verão, quando os insetos
e fungos atacam mais, de duas a três aplicações por semana. Trata-se de uma
produção familiar onde todos os membros da família estão expostos. Os
produtores, em função do envolvimento intensivo na produção e comercialização,
compram os produtos dos representantes da indústria ou das casas comerciais da
cidade. Ganham em troca análise de solo baratinho, ou de graça.
Não reconhecem o risco de usar os
agrotóxicos. Vários dos entrevistados sentiram problemas de contaminação, mas
não chegam a registrar o caso. Procuram atendimento médico em último caso. É
assim em todo lugar. A indústria além de fabricar o veneno, ainda joga no
usuário o problema da contaminação. É sempre ele o culpado. Nova Friburgo é
cortada por três rios e está integrada em duas zonas de conservação permanente-
Macaé de Cima e o Parque Estadual Três Picos.
Pegando esse gancho, vou sugerir
aos sambistas da Vila Isabel, que receberam R$3,5 milhões da BASF, para
produzir o samba enredo campeão do carnaval carioca de 2013, que se inspirem em
outro tema para 2014. Quem sabe: “a rosa fluminense envenenada”. A BASF
comemorou como ninguém o campeonato do carnaval. O patrocínio “faz parte de uma
estratégia maior da companhia em ações de valorização do produtor rural,
conseguimos levar nossa mensagem a uma audiência enorme”, como declarou ao site
da empresa, o vice-presidente da Unidade de Proteção de Cultivos, Maurício
Russomano, como eles chamam a unidade que vende inseticidas, fungicidas e
herbicidas, e faturou em 2011, 4,1 bilhões de euros. Ela é líder mundial na
venda de “defensivos agrícolas”, como eles chamam os venenos.
Fonte: Najar Tubino
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