Dessalinização, você ainda bebera desta água
Embora ainda cara, a
dessalinização é um método cada vez mais disseminado no mundo.
A procura cada vez maior por água
potável num planeta onde um terço da população humana convive com a sede está
tornando mais disseminado um método que antes parecia reservado apenas a navios
de cruzeiro, embarcações militares e países do Oriente Médio ricos em petróleo:
a dessalinização. De acordo com o relatório anual divulgado pela organização
britânica Global Water Intelligence (GWI), ela responde pelo aumento recorde na
produção de água doce no ano passado – 9,5 milhões de metros cúbicos por dia,
um acréscimo que corresponde a cerca de 10% da capacidade de produção global.
Em primeiro lugar, um
esclarecimento: a dessalinização envolve a remoção do sal que se encontra na
água para torná-la potável, mas isso não significa que o método se restrinja à
água do mar. Hoje em dia, ele é aplicado até no reaproveitamento de água de
esgoto, é esse líquido tratado, depurado do sal e de outros minerais e
elementos indesejáveis, que abastece, por exemplo, as torneiras dos moradores
de Windhoek, a capital da desértica Namíbia.
A ideia da dessalinização é bem
antiga. Há milhares de anos, marinheiros já usavam a evaporação solar para
separar o sal da água do mar. Hoje em dia, as usinas empregam técnicas como
destilação, osmose reversa, dessalinização térmica e congelamento. Todas elas
têm um fator em comum: são caras e só recebem investimentos se não existem
outras alternativas economicamente mais viáveis. Esse quadro, porém, está sendo
mudado com o aumento de áreas no mundo que sofrem de escassez de água potável.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, prevê que,
em 15 anos, cerca de 2 bilhões de pessoas viverão esse problema; nos Estados
Unidos, a falta d’água deverá atingir 36 dos 50 Estados do país ainda em 2013.
A demanda favorece o investimento em pesquisas e, com os resultados positivos
obtidos por elas, os preços na área têm caído.
A
NECESSIDADE PREMENTE DE CONSEGUIR ÁGUA PARA O CONSUMO JÁ NÃO FAZ DISTINÇÃO
ENTRE CONTINENTES, PAÍSES OU VALORES DO PRODUTO INTERNO BRUTO
A necessidade premente de
conseguir água já não faz distinção entre continentes, países ou valores do
produto interno bruto. A lista dos seis maiores produtores de água
dessalinizada – Arábia Saudita (onde o método responde por 70% da água potável
consumida), Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Espanha, Kuwait e Japão –
ainda mostra que a dessalinização é associada majoritariamente a países ricos.
Entre os recentes investidores em usinas de dessalinização, porém, a Austrália
e as abastadas cidades de Londres e Dublin (a capital irlandesa) fazem
companhia a Gana, Argélia e à metrópole indiana Chennai (ex- Madras). O Estado
de Nevada, nos Estados Unidos, quer erguer uma dessas usinas no México e, em
troca, ficar com uma parcela maior da água do Rio Colorado, que desemboca no
país vizinho. No Brasil, além de uma usina pioneira em Fernando de Noronha,
outras unidades estão sendo instaladas, sobretudo no Nordeste – o Programa Água
Doce, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, já construiu 65 delas para
populações de baixa renda do Semiárido, a maioria em Pernambuco, na Paraíba e
no Rio Grande do Norte. E já se especula se esse será o caminho do Recife,
cujas alternativas de abastecimento estão ficando cada vez mais restritas.
“As pessoas fazem dessalinização
quando acabam suas opções, e o problema é que o mundo em geral está ficando sem
opções: as águas subterrâneas são superexploradas na medida em que estão
ficando salgadas e inutilizáveis; os rios estão sendo drenados; novas barragens
estão se tornando cada vez menos viáveis [e] a transferência de longa distância
é cara e controversa”, disse Christopher Gasson, editor da GWI, ao jornal
inglês The Guardian. “Para populações costeiras, a dessalinização é a
alternativa mais óbvia: se você é do interior, então pode haver alguma água
subterrânea salobra que poderia dessalinizar, ou talvez você precise olhar para
o reúso”, comentou ele.
Se esse é um caminho viável,
então vamos aos números, diriam os planejadores. Até recentemente, purificar a
água do mar implicava um investimento entre 5 e 10 vezes maior do que obter
água potável de fontes mais tradicionais. Mas a evolução na área é palpável:
hoje, a dessalinização em grande escala custa cerca de 50% do valor
desembolsado há 10 ou 15 anos. Com isso, a tecnologia já deixou de representar
o principal impacto na formação do preço; hoje, a energia, o transporte e os
custos ambientais passaram a ocupar esse lugar. Só a energia, aliás, responde
por cerca de um terço do valor total.
Inter-relacionados com o fator
energético, os desdobramentos ambientais dessa atividade também são tema de
muita reflexão. Usar combustíveis fósseis a fim de gerar energia para a
dessalinização é, naturalmente, um problema. Outra preocupação é o subproduto
desse processo: o que fazer com a solução salina concentrada que é separada da
água aproveitada? Usinas de dessalinização próximas ao mar ainda têm o (cada
vez mais polêmico) recurso de devolvê-la à origem, mas isso não é alternativa
para aquelas localizadas no interior. Já existem estudos para plantas que não
fazem nenhum despejo desses subprodutos, mas o custo em energia desse processo
é muito mais elevado.
Além do prejuízo para a natureza
de receber esses resíduos, ambientalistas apontam outros dois aspectos
problemáticos. Um é a localização das usinas, que muitas vezes podem estar
instaladas em áreas de ecossistemas muito vulneráveis. A outra é a própria
ingestão da água tratada, a qual ainda poderia conter parte dos incontáveis
microrganismos que habitam as águas marinhas, afora resíduos do próprio processo
de limpeza deixados por falhas de manutenção. Certas usinas, aliás, procuram
contornar riscos do gênero bombeando a água depurada para reservatórios, rios
ou aquíferos, trazendo-a de volta e tratando-a novamente – o que, naturalmente,
eleva ainda mais o custo.
Muitos críticos da dessalinização
afirmam que o método ainda é dispensável em boa parte dos lugares nos quais
está sendo cogitado ou entrou em uso. Para eles, um conjunto de medidas daria
conta da necessidade de água dessas localidades, como pequenas melhorias nas
tubulações e nos canais de irrigação existentes, para evitar ou diminuir o
desperdício, e mudanças culturais destinadas à redução do consumo. Essa visão
está presente, por exemplo, num recente relatório do 2030 Water Resources Group,
entidade que reúne organizações públicas e privadas altamente dependentes de
água, como a Coca-Cola, as empresas alimentícias Nestlé e Barilla, a fabricante
de maquinário agrícola New Holland e a cervejaria SAB Miller, além do Banco
Mundial.
Enquanto isso, a tecnologia
continua a trabalhar para contornar os obstáculos à dessalinização, elaborando
alternativas mais baratas e ambientalmente aceitáveis. Algumas usinas mais
modernas estão testando, por exemplo, fontes energéticas mais limpas para
consumo – na Austrália, energia solar; nos Emirados Árabes Unidos, energia
nuclear; na Grã-Bretanha, biodiesel obtido a partir de plantas. A sinalização
cada vez mais nítida é de que, com o aumento populacional, o aquecimento do
planeta e as crescentes dificuldades de obter água adequada para o consumo,
usinas de dessalinização se tornarão algo cada vez mais disseminado na paisagem
do século 21.
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