Consumo de insetos na dieta já ocorre no Brasil
O consumo de insetos na
alimentação humana, recomendado em um relatório publicado nesta semana pela
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em
inglês), já existe em algumas espécies que são consumidas no Brasil.
A mais comum é a formiga
tanajura, que é um alimento relativamente tradicional em áreas do interior de
Minas Gerais e do Nordeste, em forma de farofa. Outro inseto conhecido é a
larva do besouro Pachymerus nucleorum, que se instala dentro de frutos, e que
por isso também é conhecida como “larva do coquinho”. Seu consumo faz parte de
brincadeiras na zona rural e de treinamentos de sobrevivência na selva.
Os órgãos oficiais ainda não dão
muita importância ao assunto, apesar da recente recomendação do órgão da ONU. No
Guia Alimentar para a População Brasileira, o Ministério da Saúde não faz
nenhuma menção ao consumo de insetos. Já a Secretaria de Segurança Alimentar e
Nutricional (Sesan) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS) entende que esse hábito alimentar não faz parte da cultura brasileira e
não tem estudos neste sentido. O Ministério da Agricultura, por sua vez, afirma
que não há registro oficial de estabelecimentos que produzam insetos para o
consumo humano.
“Eu espero fortemente que o governo
brasileiro reconheça os insetos como fonte de alimentos dos brasileiros”,
afirmou Eraldo Costa Neto, professor da Universidade Estadual de Feira de
Santana (BA) que pesquisa as relações entre humanos e insetos. “Infelizmente, o
governo brasileiro ainda vê insetos como pragas”, completou o especialista, que
foi o único brasileiro a participar da convenção da FAO que deu origem ao
relatório publicado na segunda.
À espera de reconhecimento – Apesar de o Ministério da Agricultura
dizer que nunca registrou nenhum produtor de insetos para consumo humano, uma
empresa de Minas Gerais afirma que já entrou com o pedido para obter a licença
e que ainda não recebeu resposta.
Na verdade, a Nutrinsecta é
especializada na produção de insetos para a alimentação de animais. No entanto,
como os animais são tratados em um ambiente limpo e saudável, não há nenhum
empecilho para o consumo humano. Isso atrai chefs de cozinha e curiosos, que,
esporadicamente, usam esses ingredientes para desenvolver seus pratos.
Com a orientação da FAO, a
empresa espera que o mercado cresça e se prepara para atender a uma possível
demanda. “Hoje, eu estou muito feliz porque realmente nunca fiz nenhuma gestão
para alimentação humana, exatamente pelo preconceito”, afirmou Luiz Otávio Gonçalves,
presidente do Grupo Vale Verde, ao qual a Nutrinsecta pertence. “Mas agora eu
posso sair do armário”, brincou o empresário.
Os insetos produzidos no local
são os tenébrios – um tipo de besouro do qual se consome a larva, nos tipos
comum e gigante – grilo preto, barata cinérea, larva de mosca e pupa de mosca.
A criação de insetos nasceu de um
hobby de Gonçalves, que mantém um viveiro com aves raras em um parque mantido
pela empresa em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ajudando,
inclusive, a reproduzir espécies em extinção.
No início, as aves eram
alimentadas com sementes, como na natureza. Porém, como gastam menos energia no
cativeiro, o excesso de gordura das sementes prejudicava o sistema reprodutivo
das aves. O criador pediu ajuda a especialistas e foi instruído a usar insetos
como ração. “O nível de reprodução das aves foi de 35% para 70%”, contou.
A partir daí, o grupo começou a
criar seus próprios insetos. Hoje, a produção está em uma tonelada por mês, com
planos de expansão, mas a ideia principal continua sendo o uso como ração
animal.
Valores nutricionais – A recomendação da FAO pelo consumo de
insetos se dá pela grande quantidade de proteínas encontrada nestes animais. Os
números variam muito de acordo com o tipo de inseto, mas as espécies já
consumidas no Brasil e as produzidas pela Nutrinsecta têm valores bem acima dos
alimentos tradicionais, como mostra a tabela ao lado.
“As proteínas são nutrientes
necessários ao organismo para o crescimento, desenvolvimento e reparação dos
tecidos corporais. Além de fazerem parte de diversas estruturas do organismo,
compõem enzimas, hormônios, fazem transporte de nutrientes e compõem o sistema
imunológico”, explicou a nutricionista Lara Natacci, responsável técnica da
Dietnet Assessoria Nutricional, de São Paulo.
A orientação dos nutricionistas é
que uma pessoa consuma entre 0,8 e 1 grama diária de proteínas para cada quilo
de seu peso. Em outras palavras, quem pesa 50 kg deve ingerir entre 40 e 50
gramas de proteínas em um dia.
Embora o relatório tenha sugerido
os insetos como uma forma de combate a fome, esse não é o único objetivo da
organização. A ideia, em longo prazo, é criar o hábito e incluí-lo no cardápio
como um todo. “Inseto não é para gente pobre e desnutrida. Inseto é para ser
consumido por todos”, afirmou o especialista Eraldo Costa Neto.
Por serem ricos em proteínas, os
insetos conseguiriam suprir a mesma produção de nutrientes do gado gastando
menos recursos – água, área e alimentos. Como a tendência é que o preço da
carne bovina suba muito ao longo do século, a dieta de insetos tende a ganhar
adeptos. “É uma alternativa não só econômica, como também ecológica”, apontou
Costa Neto.
Os insetos também são muito ricos
em gordura, mas o tipo de gordura é diferente do encontrado nos bovinos, por
exemplo. “Eles têm gorduras poli-insaturadas, que não nos fazem mal,
diferentemente da picanha”, indicou o pesquisador. Esse tipo de gordura é
semelhante à encontrada em peixes e sementes oleaginosas, comumente indicada
por médicos.
Outro ponto a favor dos insetos
na tabela nutricional são os minerais – em especial o ferro, essencial para
combater a anemia. Em geral, eles têm, no mínimo, a mesma quantidade de ferro
presente na carne vermelha – que, por sua vez, já é considerada rica na
substância.
Eles têm ainda quantidades
significativas de sódio, potássio, zinco, fósforo, manganês, magnésio, cobre e
cálcio, e a quantidade varia de espécie para espécie.
Cuidados – Os defensores desse tipo de alimentação não sugerem, no
entanto, que insetos encontrados em casa sejam incluídos na dieta da noite para
o dia. “Não se devem pegar animais a torto e a direito porque eles podem ter
contaminantes”, alertou Costa Neto.
Com isso, o especialista não se
refere apenas à sujeira que eles podem trazer, mas também a toxinas naturais
que podem existir nesses organismos. Existem milhões de espécies de insetos e
muitas delas não são comestíveis em hipótese nenhuma.
“Falta ainda muita pesquisa
básica – de biologia – para saber que espécies de insetos estariam aptas para o
consumo humano”, disse o especialista.
Outro cuidado necessário para
quem tiver curiosidade em consumir os insetos tem que ter é em relação às
alergias. Os crustáceos, como o camarão e a lagosta, pertencem ao mesmo filo
que os insetos, o dos artrópodes. Assim, quem tiver alergia a um grupo
possivelmente também terá reação alérgica ao outro.
Fonte: www.ambientebrasil.com.br
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