A Questão da Ética no Meio Ambiente Urbano


A importância da paisagem
Quando se pensa numa cidade, pensa-se sempre em funcionalidade. As vias públicas, os edifícios, e todos os equipamentos que compõem o cenário urbano devem ser concebidos para o eficiente exercício de funções como moradia, trabalho, circulação e lazer. Embora a preocupação com a funcionalidade seja a mais evidente, é certo que não deve ser a única.
Não é nosso objetivo discorrer sobre o fascínio que a beleza e a formosura das coisas exercem sobre o ser humano. Interessa-nos, apenas, destacar que o culto ao belo faz parte da cultura do homem. Não é por outra razão que cerca se de ornamentos, valoriza a harmonia da forma e da cor dos objetos e suas qualidades plásticas e decorativas.
Pode-se falar, assim, numa função estética que as coisas em geral devem possuir a fim de criar uma sensação visualmente agradável às pessoas. Isso vale também para as paisagens que cercam nosso dia-a-dia, sobretudo nas cidades.
Os elementos que compõem o cenário urbano devem estar ordenados de forma harmônica, que possa ser apreciada. A função estética da paisagem urbana deve ser levada em conta pela Administração em toda e qualquer intervenção urbanística e sua proteção e garantia devem ser disciplinadas em lei. É evidente que o julgamento de padrões estéticos será sempre subjetivo, e a imposição de um padrão oficial de estética seria autoritária. Algum grau de consenso, no entanto, pode haver em relação à beleza de elementos naturais em geral (vegetação, céu, lagos, rios e praias) e até de elementos artificiais (monumentos, prédios históricos com características marcantes de determinado estilo e fachadas visualmente desobstruídas).
Aspectos culturais, ecológicos, ambientais e sociais devem também ser considerados, além do aspecto plástico, quando se pensa em paisagem. Até mesmo como recurso que favorece a atividade econômica a paisagem deve ser encarada. O potencial turístico de cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Ouro Preto está diretamente ligado à formosura de suas paisagens. A indústria do turismo, com todos seus desdobramentos econômicos, nessas e em outras cidades, depende da conservação e melhoria de seus belos panoramas.
Paisagismo como interesse ambiental e a legislação brasileira
A ideia de meio ambiente está geralmente relacionada aos recursos naturais. O discurso de ambientalistas volta-se quase sempre à necessidade de preservação de mananciais e florestas, rios e oceanos, atmosfera e até de espécies animais ameaçadas de extinção. O conceito de meio ambiente excepcionalmente está associado ao espaço urbano.
A tutela ambiental no entanto não pode desprezar os interesses urbanísticos, que são aqueles que garantem a qualidade de vida nas cidades, habitat de cerca de dois terços da  população brasileira.
O Direito Ambiental jamais dedicou à defesa da paisagem uma atenção destacada. A tutela do meio ambiente, todavia, compreende sem dúvida a proteção de interesses urbanísticos e estéticos, e por consequência, da paisagem urbana.
A Lei Federal n° 6.938/81, que "dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação" define meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas" (art. 3°, inc. I) e poluição como "a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente" (art. 3°, inc. III, letra d, grifamos).
Podemos assim destacar a paisagem como valor ambiental e, particularmente, a paisagem urbana. Podemos apontar sua importância dentre os temas urbanísticos e ambientais de relevo, sob a premissa de que a manutenção de padrões estéticos no cenário urbano encerra inegável interesse difuso por relacionar-se diretamente com a qualidade de vida e com o bem-estar da população.
É de toda a população, portanto, o interesse de morar em uma cidade ornamentada, plasticamente agradável e, por que não dizer, bela. José Afonso da Silva afirma que a paisagem urbana "é a roupagem com que as cidades se apresentam a seus habitantes e visitantes". Na sua opinião "a boa aparência das cidades surte efeitos psicológicos importantes sobre a população, equilibrando, pela visão agradável e sugestiva de conjuntos e elementos harmoniosos, a carga neurótica que a vida citadina despeja sobre as pessoas que nela hão de viver, conviver e sobreviver".
Como o Direito Brasileiro trata da proteção da paisagem e que instrumentos existem para combater a poluição visual
A Constituição Federal coloca a "garantia do bem-estar de seus habitantes" como objetivo da política de desenvolvimento urbano (art. 182, caput), preocupação que se renova na Constituição Estadual, cujo texto dedica ainda atenção à "preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano" (art. 180, inc. III).
Diversos são os dispositivos infra constitucionais que tratam do patrimônio estético.
O Decreto-lei Federal n° 25/37, que organiza a Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em seu art. 18, exige prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para colocação de anúncios ou cartazes na vizinhança da coisa tombada.
O art. 3°, inc. III, letra d, da Lei Federal n° 6.938/81, é expresso ao associar qualidade ambiental com as condições estéticas do meio ambiente, na própria definição de poluição.
O Código Eleitoral determina que "não será tolerada propaganda que prejudique a higiene e a estética urbana ou contravenha a posturas municipais ou a outra qualquer restrição de direito" (art. 243, inc. VIII).
Já o Decreto-lei nº 3.365/41, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, prevê em seu art. 5º: "Consideram-se casos de utilidade pública: ... i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais".
A Lei Federal n° 4.717/65, que regula a ação popular, considera patrimônio público "os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico" (art. 1º, § 1º).
A Lei Federal n° 9.008/95 cria o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD), atribuindo-lhe competência para "promover atividades e eventos que contribuam para a difusão da cultura, da proteção ao meio ambiente, do consumidor, da livre concorrência, do patrimônio histórico, artístico, estético, turístico, paisagístico e de outros interesses difusos e coletivos"(art. 3º, inc. VI).
Preocupação com a estética encontramos ainda na Lei Federal n° 7.347/85. Em seu art. 1°, inc. III, mencionam-se "bens e direitos de valor estético" como objeto de proteção judicial através da ação civil pública. Menção expressa sobre essa tutela está também na Lei Orgânica do Ministério Público, que refere-se a "bens e direitos de valor estético e paisagístico" (art. 25, inc. IV, letra a).
A partir da compreensão sistemática desses dispositivos é possível afirmar com certeza que a estética e a paisagem são valores que mereceram a atenção do ordenamento jurídico, sendo portanto objeto de proteção legal. Em contrapartida, é preciso identificar a existência da poluição visual como o comprometimento de valores ambientais, da mesma forma como outras formas de poluição (do ar, dos recursos hídricos, sonora, etc.), através da interferência esteticamente prejudicial ao panorama natural ou urbano.

Fonte: Prof. Dr. Issao Minami

Comentários

Postagens mais visitadas