Existe ética nas experiências com animais


Os consumidores que hoje desfrutam dos avanços que ocorreram na ciência dos últimos séculos sempre se lembram das empresas e dos cientistas famosos que colaboraram para essas descobertas. Mas existem outros participantes que injustamente são pouco lembrados: os ratos, camundongos, coelhos, cães e gatos que são usados pelos laboratórios do mundo todo para experiências.
Esse esquecimento é muito conveniente para a poderosa Indústria Farmacêutica, que gasta bilhões para manter uma boa imagem perante o público. Mesmo assim, as “cobaias” são o centro de uma discussão que divide o mundo científico: é ou não ético o uso de animais nas experiências?
É indiscutível a importância das pesquisas com animais para a evolução da ciência até agora, principalmente na descoberta de medicamentos e vacinas que salvaram milhares de vidas humanas. Mas muitos críticos defendem que hoje a tecnologia possibilita outras formas de ensino e pesquisa, que dispensam a necessidade do uso de cobaias vivas. A maioria dos ativistas luta por uma diminuição no uso e não a extinção completa desse tipo de pesquisa, ao contrário de uma minoria que entende essa prática como uma tortura totalmente desnecessária.
Entre as opções que podem ser usadas para substituir os animais em alguns casos está a computação gráfica, capaz de criar estruturas muito semelhantes às cobaias, mas de forma digital, como em um filme. Além disso, o pesquisador pode testar muitas substâncias em criações de células ou bactérias semelhantes às existentes nos animais, esse tipo experiência é chamada in vitro.
Para conduzir as pesquisas com animais, é necessária uma grande infra-estrutura, além de técnicos capacitados com informações éticas sobre a criação. O Biotério de Produção e Experimentação do Instituto de Química e Farmácia da USP de São Paulo foi projetado para reduzir ao máximo a contaminação dos animais. Pelo mesmo motivo, todo visitante é obrigado a usar roupas, toucas, luvas e proteção nos pés. Para entrar em algumas áreas (as quais não tive acesso), é necessário tomar até banho. Nos corredores, só é permitido andar em uma direção, para que os materiais sujos e limpos não se cruzem no caminho. As salas são projetadas de tal forma que o ar também só circula em uma direção. No setor de limpeza, que mais se assemelha a uma lavanderia industrial, são lavados diariamente cerca de 500 gaiolas e 1000 bebedouros. Isso é importante para impedir a entrada de bactérias que poderiam influenciar negativamente as experiências.
É fundamental para as experiências que o animal fique calmo, para isso são colocados nas gaiolas, diversos “brinquedos”, como panos, algodão ou tubos de plástico que aproximam o animal de seu ambiente natural.
Toda essa estrutura é usada para a criação de 8000 animais por ano. Atualmente são conduzidos cerca de 65 experimentos, por 53 pesquisadores da faculdades de Farmácia e Química da universidade.
Segundo a diretora do biotério, Silvania M. P. Neves, os pesquisadores que utilizam as instalações seguem normas internacionais para o uso e bem-estar animal, garantindo o menor sofrimento possível, com o uso de anestésicos, sem que isso prejudique os resultados da pesquisa. A aplicação dos códigos internacionais de ética e a melhoria dos sistemas de criação são uma tentativa de adaptação da atividade científica às aspirações da sociedade e procura garantir que os animais continuem disponíveis para a pesquisa científica.
A professora Alicia J. Kowaltowski, da Comissão de Ética do Biotério, explica que, no caso da USP, sempre que possível os professores procuram outra forma de ensinar, sem usar cobaias. No entanto, em determinadas situações o uso de animais torna-se inevitável, como nas pesquisas que envolvem comportamento, reprodução, envelhecimento e atividades de órgãos específicos.
Segundo as pesquisadoras, nestes casos, todo esforço é realizado para que os estudantes atuem com ética e respeito. O Biotério oferece cursos que possibilitam aos estudantes conhecer as técnicas e o código de ética usados internacionalmente na experimentação animal.
Os resultados desse debate já começaram a aparecer. Os projetos que utilizam animais maiores, que causam maior comoção pública, como cães, gatos, macacos e coelhos, dificilmente recebem autorização. Isso é fruto da pressão da opinião pública. Por outro lado, com a criação de normas e estabelecimento de uma ética, com a procura de alternativas de ensino e a divulgação dos resultados obtidos, os cientistas conseguem resistir às constantes tentativas de proibição do uso de animais em pesquisas, e dar continuidade por exemplo, ao desenvolvimento de novos medicamentos.
Segundo as pesquisadoras consultadas, as entidades que financiam as pesquisas são as principais aliadas no combate aos abusos no uso de animais, pois elas “só financiam pesquisas consideradas relevantes, isso garante que os animais não sejam usados sem necessidade”.
No Brasil, a Lei nº 9605/98, também conhecida como Lei de Crimes Ambientais, prevê pena para quem pratica atos de abuso, maus-tratos, fere ou mutila animais e também para quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo quando houver recursos alternativos.
Deve-se considerar também que existe uma diferença entre a atividade de pesquisa em uma universidade pública, e as experiências conduzidas no setor privado. A USP, pelo seu tamanho e importância está vigiada constantemente pelas comissões de ética e pela sociedade como um todo. O mesmo não acontece com as empresas privadas. Alguns centros de pesquisa sérios certamente se adequam aos padrões e se preocupam em minimizar o sofrimento dos animais. No entanto não é tão claro o que acontece nas pequenas empresas de pesquisa, que são muitas e não podem ser facilmente fiscalizadas. 

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