Queimadas e nosso futuro comum transformado em cinzas


A tragédia das queimadas sem controle repete-se incansavelmente, ano após ano. Os criminosos são os mesmos de sempre e fazem parte da mesma sociedade abalada e prejudicada pela irresponsabilidade daqueles que sempre afirmam ”apenas” ter queimado um inocente roçado.
Todo grande incêndio florestal começa com uma ”inocente” queima de roçado, que qualquer produtor rural sabe ser o inicio dos incêndios florestais, ainda mais em época de estiagem. Sabem, mas pouco se importam. Pouco se importa que, além dos inestimáveis prejuízos ao patrimônio natural, causam sérias consequências à saúde pública, atingindo principalmente as crianças e os idosos. Crianças e idosos dos outros.
A queima é simples, fácil e barata. Mas, entenda-se como barata porque todos os custos sócio ambientais serão diretamente transferidos para a sociedade.
A fumaça e as cinzas atentam contra a saúde da população da periferia das cidades e populações indígenas. Populações com que o agronegócio e as autoridades não se preocupam. Melhor dizendo, não ligam mesmo.
A destruição tem sempre a mesma causa as queimadas ilegais por fazendeiros, pecuaristas e produtores rurais.
Apenas o Ibama e o ICMbio confiam que os produtores rurais obedecerão às portarias de proibição de queimadas controladas, como se isto existisse. Impressiona que amplas áreas e unidades de conservação estejam literalmente em chamas e nada se diga quanto aos autores deste continuado crime socioambiental. As autoridades e até mesmo as manifestações populares agem como se os autores fossem desconhecidos.
Às autoridades cabe agir em defesa da sociedade, mesmo que isto signifique reprimir um ”aliado” politicamente influente e economicamente poderoso o agronegócio, que se sente no direito de condenar a população à condição de cidadão de segunda classe. E as autoridades sabem que eles não são desconhecidos. Aliás, a sociedade afetada também sabe.
Todos os anos, incansavelmente, nossas unidades de conservação são atingidas por incêndios criminosos, com o único propósito de sua destruição. Há alguns anos, contarem-me que, no Cerrado, um modo de causar um imenso incêndio é simples: basta amarrar, com um grosso barbante, uma tocha em um animal selvagem que, em pânico, espalhará o fogo por quilômetros, até morrer e as provas (a tocha e o barbante) desaparecerão com as chamas. Perverso e eficiente.
O Inpe recebeu um merecido prêmio internacional (”Tecnologias para novos desenvolvimentos em uma sociedade sustentável”) pelo excelente trabalho de monitoramento de queimadas. O Inpe está fazendo a sua parte, mas o MMA, o Ibama e os órgãos ambientais estaduais estão muito longe de estar à altura do trabalho de monitoramento. A informação existe, mas nada acontece, porque o país continua em chamas.
Guardadas as devidas proporções, a situação assemelha-se a um paciente crônico que conta com a melhor tecnologia para o diagnóstico clínico, mas os médicos não iniciam o tratamento ou não sabem o que fazer. De fato, o monitoramento é ótimo, mas e daí?
Se as eternas campanhas educativas são inúteis, não resta à sociedade alternativa que não seja a rigorosa fiscalização. De nada adianta proibir as queimadas, se isto não significar severa fiscalização e punições exemplares. O poder público continua inoperante e sua omissão prejudica a população mais pobre e mais frágil. Como sempre.
A tragédia das queimadas sem controle é um imenso desastre socioambiental, pelas suas consequências à saúde pública, pela destruição de centenas de nascentes e olhos d’água, pela modificação do micro clima e, ao longo do tempo, por potencializar os períodos de estiagem.
Esta agro selvageria irresponsável fará com que as próximas gerações recebam, como herança, apenas as cinzas da Amazônia e do Cerrado. E não será por falta de aviso.
 

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