A força do Sol
Transformar a luz do Sol
diretamente em energia elétrica parece enredo de ficção científica. Mas desde
que um satélite americano lançado em 1959 foi assim alimentado, a energia
fotovoltaica, nome dessa quase mágica, deixou de ser sonho futurista. A técnica
de usar pequenas lâminas para captar a luz do Sol e gerar eletricidade foi
lentamente saindo dos laboratórios até chegar à aplicação prática na vida
cotidiana. Hoje, a forma mais banal de energia fotovoltaica se encontra nos
relógios e calculadoras solares. A aplicação mais importante, porém, é fornecer
energia em lugares isolados, distantes das redes elétricas, o que a longo prazo
pode significar uma bela solução para países subdesenvolvidos. Energia
fotovoltaica é bem diferente de energia solar termal, que já existe até em
residências, onde o calor do Sol é usado para aquecer água. A conversão da luz
em eletricidade é feita pelas células fotovoltaicas, pequenas lâminas
circulares recobertas por uma camada de décimos de milímetro de um material
semicondutor, como o silício — o mesmo usado nos chips de computadores. Quando
as células são expostas a uma fonte de luz, nesse caso o Sol, os fótons
(partículas de luz) excitam os elétrons do semicondutor.
Com a energia absorvida dos
fótons, os elétrons passam para a banda de condução do átomo e criam corrente
elétrica, que será captada por pistas metálicas. As células são depois
agrupadas para formar os painéis solares. Essa forma de produzir energia não
causa danos ao meio ambiente, não polui e normalmente não precisa de movimentos
de máquinas para funcionar. Nem por isso é a solução para todos os problemas
energéticos do mundo. A energia fotovoltaica ainda é mais cara do que a
proveniente de petróleo, usinas nucleares ou hidrelétricas. Foi só a partir da
primeira grande crise do petróleo, no começo da década de 70, que a idéia de se
usar tal energia comercialmente ganhou corpo. Naquela época, a produção de
energia fotovoltaica custava nos Estados Unidos 60 dólares por kilowatt/hora.
Com o desenvolvimento em laboratórios e o aumento da produção, hoje custa cerca
de 30 centavos de dólar por kilowatt/hora, e mesmo assim o preço é cinco vezes
superior ao das formas de energia convencionais. Por isso, não se pensa em
substituir usinas por painéis solares, fazendo o mundo todo viver à luz do Sol.
A energia fotovoltaica simplesmente apresenta melhores soluções para problemas
que as outras fontes de energia foram menos eficientes em resolver.
A maior utilização em larga
escala acontece na Califórnia, Estados Unidos, onde foram implantadas centrais
elétricas fotovoltaicas pioneiras de grande porte. Compostas por gigantescos
painéis com milhares de células, controlados por computador para acompanhar a
trajetória do sol tal qual girassóis, elas dão suporte à rede pública fornecendo
mensalmente centenas de megawatts. Os painéis solares cobrem o aumento de
consumo justamente ao meio-dia, quando o sol é mais intenso e a demanda de
eletricidade aumenta, porque os aparelhos de ar condicionado funcionam com
potência máxima. Para substituir toda a produção de energia elétrica dos
Estados Unidos por fontes de origem fotovoltaica, seria preciso um painel solar
de 34 000 quilômetros quadrados, ou 0,37 por cento da área total do país.
Quando se domina a tecnologia, a
quantidade de aparelhos que surge é bem extensa. Com energia fotovoltaica já se
criaram um equipamento de medição de emissões radioativas, dispensando qualquer
tipo de bateria ou conexão à tomada, aparelhos de análises sanguineas e até uma
caixa de ferramentas que serve de módulo de energia fotovoltaica para a
furadeira.
Na costa americana, existem hoje
mais de 11 000 sinalizadores marítimos alimentados por energia fotovoltaica. As
vantagens são evidentes: antes, eram substituídos aproximadamente 200 quilos de
baterias por ano; com as células solares é suficiente trocar apenas 30 quilos
de bateria a cada cinco anos. Já em países subdesenvolvidos e escassamente
povoados, a energia fotovoltaica é a melhor maneira de fazer chegar
eletricidade em lugares distantes. Hoje já existem, inclusive no Brasil,
estações retransmissoras das redes de telecomunicações, em locais no meio do
mato e de difícil acesso, dotadas de células fotovoltaicas para a produção da
eletricidade necessária. É uma solução economicamente mais viável do que estender
até lá a linha de uma rede hidrelétrica. Na Índia, um projeto levou a 700
vilarejos distantes de grandes centros a energia fotovoltaica, que permite aos
povoados ter uma televisão comunitária, bombeamento de água, iluminação pública
e postos telefônicos.
No âmbito doméstico, com painéis
fotovoltaicos e baterias recarregáveis é possível contar com energia elétrica
durante as 24 horas do dia, em qualquer parte do mundo. Para eletrificar uma
casa de campo ou uma fazenda, não é necessário estender a rede elétrica,
depender de gigantescas baterias ou do funcionamento de um gerador a diesel.
Pode-se obter um equipamento completo de energia fotovoltaica para alimentar,
silenciosamente e sem necessidade de manutenção, a iluminação, a geladeira, a
TV e o sistema de radioamador. À noite, quando o sol não brilha. a energia vem
de uma bateria que foi sendo carregada durante o dia.
Embora cresça 25 por cento ao
ano, o mercado de energia fotovoltaica ainda é pequeno. A potência elétrica
total instalada no mundo é de 40 megawatts — uma central energética
convencional produz sozinha vinte vezes mais. Prevê-se que apenas pela virada
do século a energia do Sol possa se tomar competitiva. Um grande passo será
dado logo em 1992, quando deverá entrar em operação a primeira central solar de
50 megawatts da Califórnia, onde o Estado investe para complementar a demanda
de eletricidade diurna. Outro forte impulso virá dos laboratórios, com o
aperfeiçoamento da tecnologia. que permitirá maior eficiência e diminuição nos
custos.
A fabricação de células solares é
parecida com a produção dos chips de computadores, baseada em materiais
semicondutores. Depois de purificado, o silício é fundido num cristal
cilíndrico. Depois, esse cristal será cortado por uma serra de dentes de diamante
em fatias muito finas. Essas lâminas passam por etapas de limpeza e recozimento
em fornos de alta temperatura, quando se difunde fósforo sobre elas.
A reunião de uma camada
contaminada com fósforo ao silício puro constitui a junção semicondutora responsável
pelo funcionamento da célula fotovoltaica. O passo seguinte é a impressão das
pistas metálicas captadoras da energia elétrica liberada. A célula está pronta
para ser montada nos painéis. No princípio dos anos 80, a matéria-prima das
células fotovoltaicas, o caríssimo silício monocristalino, tinha grau de
eficiência de 10 por cento.
Ou seja, de toda a luz do Sol que
incidia sobre a célula, apenas 10 por cento viravam energia elétrica. Na
fabricação em escala industrial, esse índice subiu para 15 por cento. O grau de
eficiência máximo conseguido até agora em laboratório é de 28,5 por cento. Um
sílicio monocristalino é um cristal perfeito, com seus elementos dispostos de
forma ordenada, como os apartamentos de um prédio. Custa caro porque muita energia
é gasta para produzi-lo Existe também o silício policristalino, mais barato,
porque consome menos energia em sua produção, onde os grãos são maiores e mais
desorganizados, como se em lugar de um prédio houvesse um monte de casas
sobrepostas. O policristalino ganha no fator custo mas perde na eficiência,
pois seu rendimento máximo obtido até hoje é de 14 por cento.
Outro concorrente nessa disputa é
o silício amorfo, desenvolvido em camadas não cristalinas. Diferentes das
células solares, que têm o tamanho de um pires, os módulos amorfos são
compostos por camadas de milésimos de milímetro de espessura, depositadas, por
meio de gases, sobre lâminas de vidro ou de aço. Não há limite para o tamanho
das células de silício amorfo: usinas automatizadas podem produzi-las em metros
quadrados. As primeiras fábricas européias desses módulos fotovoltaicos estão
em Munique, na Alemanha. O silício amorfo permite a fabricação de produtos
sofisticados, como o teto solar que refrigera automóveis enquanto estão
estacionados.
Com ele, também pode se tornar
possível a produção de energia solar em grande escala. Em pouco tempo, as
centrais ou usinas elétricas fotovoltaicas, com dimensões de quilômetros
quadrados, deixarão provavelmente de ser uma utopia. Basta apenas que se
consiga baratear a fabricação desse tipo de módulo, que possibilitará um dos
projetos mais fascinantes para a aplicação da energia fotovoltaica. As fachadas
dos grandes edifícios de escritórios, com seus milhares de metros quadrados de
vidro, são ideais para receber um revestimento de silício amorfo. Assim, elas
poderiam converter a luz do dia em eletricidade e atender parte da demanda
energética do edifício. As primeiras experiências nesse sentido estão sendo
feitas em Tóquio, no Japão.
As células solares das
calculadoras de bolso nada mais são que plaquinhas de silício amorfo com um
rendimento muito baixo, de apenas 3 por cento. Esse é justamente um dos
problemas dessa tecnologia. O grau de eficiência alcançado até agora em células
de grande dimensão é de 5 por cento, muito pouco para torná-lo comercialmente
viável em demandas energéticas maiores do que uma calculadora. Outro problema é
conseguir no amorfo a mesma estabilidade do silício mono ou policristalino, que
mantém suas propriedades por vários anos. Em laboratório, a melhor marca
alcançada foi de 15,6 por cento de rendimento, numa nova mistura de silício com
cobre, índio e selênio.
A idéia que move as pesquisas e
as aplicações da energia fotovoltaica não é substituir toda fonte de energia do
mundo pela solar. Mesmo assim, os pesquisadores com olhos no futuro divisam
grandes usinas fotovoltaicas instaladas em regiões desérticas com grande
insolação. A estocagem da eletricidade produzida se daria pela produção de
hidrogênio por eletrólise — hidrogênio que poderia se tornar no próximo século
o principal combustível utilizado pelo homem. A curto prazo, a energia
fotovoltaica tem a vantagem de ser autônoma. Ela é produzida e consumida no
mesmo lugar, sem necessitar de ligação a redes de distribuição de energia. Uma
residência dotada de painéis solares poderia até vender o possível excesso de
energia que produzisse.
Fonte: www.super.abril.com.br
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