Sementeiras brasileiras foram engolidas pelas multinacionais
A grande corrente de fusões e
aquisições envolvendo as empresas de sementes, defensivos agrícolas e a
indústria farmacêutica tornou-se notória durante os anos 90. No entanto, o
movimentou iniciou-se ainda no final dos anos 70, acentuando-se na década
seguinte. A consolidação desse processo acontece no final dos anos 90,
acelerado pela euforia causada pela "nova biotecnologia" - que dá
origem aos transgênicos - e atinge também as empresas de sementes brasileiras.
São esses novos grandes grupos multinacionais, oriundos da reunião de empresas
com especialidades diferentes mas com produtos que podem ser aplicados no mesmo
mercado, que têm realizado os maiores investimentos em pesquisa & desenvolvimento
(P&D) de transgênicos.
Os dois movimentos de agregação
das empresas, contudo, acontecem por motivos diferentes. O primeiro movimento
de aquisições aconteceu - segundo consta no relatório de pesquisa intitulado
Inovações Biotecnológicas e a Indústria de Sementes, coordenado por José Maia
Silveira - por três principais motivos: empresas farmacêuticas procuravam
diversificar seus negócios; empresas baseadas no comércio de commodities
procuraram diversificar suas atividades e usavam a indústria de sementes como
fonte de informação para sua atividade principal; e empresas agroquímicas viram
possibilidades de crescimento com a biotecnologia. Com isso, surgiram as
primeiras grandes empresas como a Cargill, a Ciba-Geigy, a ICI, a Dekalb, a
Rhône Poulenc, a Sandoz e a Upjohn.
O segundo, que acontece a partir
de 1994, é ainda mais radical do que o outro movimento e leva à formação de
grupos de empresas ainda maiores. Nessa etapa, consolidam-se os oito maiores
grupos de empresas na área de sementes. Entre elas está a Monsanto, que adquire
34 outras empresas, a Aventis, que adquire 18, a DowAgro Science, que adquire
13, e a Syngenta, formada pela união da Novartis (que adquiriu 18 empresas) e
da AstraZeneca (formada pela junção de mais 13 empresas). Entre essas companhias
produtoras de sementes que foram objeto de aquisição estão algumas brasileiras.
A Monsanto adquiriu cinco empresas brasileiras - entre elas a Agroceres, maior
empresa de capital nacional privado do setor -, a DowAgro Science, cinco e a
Aventis, quatro.
Segundo o professor da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, John Wilkinson, autor do livro A
Transnacionalização da Indústria de Sementes no Brasil, Monsanto, DuPont, ICI e
Ciba-Geigy (as duas últimas incorporadas depois pela Syngenta) foram empresas
que realizaram grandes investimentos em pesquisa & desenvolvimento desde a
década de 80. Ele explica o último movimento em direção às aquisições pelo
papel promissor demonstrado pelas novas biotecnologias. Os altos investimentos
em P&D feitos por essas empresas só podem ser justificados com grande
expansão dos lucros, por isso a busca do mercado de insumos agrícolas
internacional.
Além disso, a necessidade de
adequação do produto semente às condições climáticas e de solo locais e a
insuficiência do sistema de patentes no sentido de garantir os benefícios às
empresas levou-as a buscar a cooperação com produtores de sementes locais.
"As inovações vegetais não podem ser transferidas de seu país de origem
para o resto do mundo sem modificações e adaptações subsequentes", afirma
Wilkinson.
O modo como essas empresas estão
entrando no Brasil, baseia-se em uma estratégia de mercado no sentido de
participar dos setores da indústria de sementes com produtos de maior valor
agregado. Wilkinson descreve os três principais setores da indústria de
sementes brasileira: o setor de híbridos (milho); o mercado de variedades
(soja, arroz, trigo); e o mercado de hortaliças (o menor dos três).
A principal característica das
sementes híbridas é que apenas a sua primeira geração é adequada para o
plantio. Os descendentes de suas sementes de primeira geração perdem suas
características originais. Com isso, os produtores são obrigados a sempre
comprar sementes novas. O mercado de híbridos é, então, o mais lucrativo.
Wilkinson descreve esse mercado como oligopolista, internacionalizado e como o
que dá mais espaço para inovações.
O mercado de sementes de milho é
o terceiro maior do Brasil. Com as aquisições feitas no final dos anos 90 ele
deixou de ser disputado pela Agroceres e pela Cargill para ser comandado pela
Monsanto. A empresa adquiriu a subsidiária da Cargill para a América Latina, a
Agroceres - que dividiam o mercado em 1997 com 26% para cada - e a Braskalb -
que tinha 8% do mercado. Assim passou a vender 60% das sementes de milho no
Brasil. A única empresa nacional de sementes de milho é a Unimilho que, através
de um convênio com a Embrapa, ocupa 5% do mercado.
Mas o interesse das indústrias
não está apenas na participação no mercado. Ao adquirir as empresas nacionais
elas buscaram também controlar o conhecimento que as empresas nacionais
detinham. A Aventis passou a deter o maior banco de germoplasma de milho
tropical do Brasil ao adquirir as empresas de sementes Mitla, Fartura e
Ribeiral e assim prepara a introdução da variação transgênica no Brasil - o
Liberty Link, resistente ao herbicida Link, também fabricado pela Aventis.
As empresas também tem procurado
se associar a Institutos de Pesquisas nacionais como a Monsanto fez com a
Embrapa. De acordo com o acordo, a Embrapa vêm desenvolvendo pesquisas para
desenvolver variedades transgênicas de soja, resistentes ao herbicida
glifosato, um produto genérico que também é vendido pela multinacional com o
nome Roundup. Por utilizar uma tecnologia registrada pela Monsanto - o gene Roundup
Ready - essa variedade de soja significará o pagamento de royalties à empresa
americana. Pelo contrato, entretanto, ficou acordado que os cultivares
pertecerão à Embrapa.
O maior mercado de sementes no
Brasil é o de soja, ocupando, em 1999, 64% do total. A soja faz parte do
mercado de variedades que possui menor margem de lucro para as empresas e, até
hoje, é dominado por uma empresa pública - a Embrapa, que detém 65% desse
mercado. A participação da Embrapa nesse mercado, entretanto, já foi maior (70%
até 1997) e a Monsanto - após adquirir a nacional FT-Pesquisas e Sementes em
1997, que detinha 12% do total - já conseguiu atingir a 18% do mercado em 1999,
ou seja, um crescimento de 6% em apenas dois anos.
Segundo Wilkinson, "a
entrada das transnacionais no mercado de variedades deve-se em parte à geração
das ´novas biotecnologias´, que tem a semente como o principal vetor de sua
aplicação". Ele afirma que a biotecnologia é genérica, ou seja, pode ser
aplicada em híbridos ou em variedades. O pesquisador ressalta também a Lei de
Proteção aos Cultivares, em vigor desde 1997, que "garante propriedade
intelectual sobre os cultivares, permitindo a cobrança de royalties pelo uso
das sementes e taxas tecnológicas dos sementeiros nacionais". "Assim,
a semente tornou-se o insumo mais importante na estratégia de ocupação do
mercado pelas transnacionais", analisa ele.
O presidente da Associação
Paulista de Produtores de Sementes, Cássio Camargo, vê, atualmente, uma
acomodação e até mesmo um refluxo no impulso das multinacionais em direção à
incorporação de empresas de sementes brasileiras. Para ele, as empresas que
vieram de setores estranhos ao de sementes - como o de defensivos agrícolas -
encontraram dificuldades iniciais. "O momento é de sedimentação desse movimento
abrupto e muito forte, que teve fusões tumultuadas e até mesmo
supervalorizadas", diz.
"As multinacionais têm
franqueado o acesso às novas tecnologias, inclusive em cooperação com os
institutos de pesquisa", diz Camargo. "É claro que mediante pagamento
de royalties às empresas detentoras", completa.
Camargo não tem medo de que as
tecnologias transgênicas, se comercializadas no Brasil, possam ser
monopolizadas pelas empresas de biotecnologia. "Existem programas nos
institutos de tecnologia brasileiros, o Brasil já apreendeu esse tipo de
tecnologia", afirma. Ele acredita que a chegada desse tipo de tecnologia
ao Brasil é irreversível. "Há muitos casos de contaminação de plantações
através sementes vindas de outros países", aponta.
Por outro lado, os pequenos
produtores rurais, através de movimentos sociais como a Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e o Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST), promovem uma dura luta contra as sementes transgênicas, antevendo
uma dependência em relação às empresas internacionais.
Wilson Campos, trabalhor rural da
Costa Rica e membro da Via Campesina, organização mundial que envolve
trabalhadores rurais, disse que a Monsanto já criou um telefone especial para
que os trabalhadores possam denunciar plantações piratas. Segundo ele, as
empresas estariam criando uma cultura de deleção entre os agricultores, algo
estranho a seus costumes originais. Os trabalhadores temem que, em função de
interações com o meio ambiente ou por contaminação da plantações originais, as
sementes transgênicas tornem-se a única alternativa. Com isso, a indústria
poderia praticar uma alta no preço das sementes, dada sua grande participação
no mercado. Isso significaria uma piora nas condições econômicas dos
agricultores, que ficariam entre os preços altos e a pirataria.
Fonte: www.comciencia.br
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