Falso Verde
Em tempos de construção de imagem
verde para o mundo ver, o governo tem dito que está incluindo o econômico na
questão ambiental. Não é verdade. Se incluísse, determinaria às montadoras o
desenvolvimento de motores mais eficientes ao usar o álcool; os bancos públicos
fariam exigências de respeito às leis ambientais na concessão dos empréstimos;
os impostos seriam reduzidos para produtos e energia de fato sustentáveis.
O governo prepara pacotes de
estímulo ao crescimento como se não houvesse ligação entre o econômico e o
ambiental. Tudo é tratado em compartimentos estanques, com uma visão fraturada
da realidade. Os temas não cruzam a Esplanada dos Ministérios, com raras
exceções. Há muito tempo as mudanças climáticas uniram questões que, por
andarem separadas, criaram para a humanidade o problema que temos agora.
Foram concedidos sucessivos
benefícios às montadoras. Tantos, tão frequentes e tão extravagantes, que até o
governo começou a ficar incomodado. E nos últimos dias tem ameaçado as
montadoras caso elas não se comportem adequadamente. Quando lista o que
pretende fazer é de arrepiar: quer controlar remessas de lucros, vigiar preços,
exigir das empresas a abertura de suas contas e estrutura de custos.
Empresas de capital fechado não
são obrigadas a abrir contas e estruturas de custos, se o governo fizer isso
será uma violência. País de economia de mercado não pode impedir uma empresa de
remeter lucros e dividendos para a matriz. Vigiar preços é uma velharia sem
tamanho.
A indústria do biocombustível recebe
elogios externos, como no último relatório do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (Pnuma), por ser um dos pontos positivos do Brasil na transição
para uma economia de baixo carbono. Nós aqui dentro sabemos que o programa está
com conhecidas dificuldades. Algumas delas criadas pelo governo, que através do
sistema tributário e de subsídios beneficia o combustível fóssil, no sentido
exatamente oposto ao que deveria fazer.
Para corrigir essa política
estranha teria que retirar os incentivos à gasolina. Isso elevaria a inflação,
o que atrapalharia os planos de derrubar mais os juros para incentivar à
retomada econômica. Preso na armadilha que ele mesmo criou, o governo prepara
um pacote para ajudar o etanol como forma de compensar o setor.
Se os preparadores de pacotes e
levantadores do PIB tivessem alguma noção dos dilemas ambientais e climáticos
nos quais o mundo está mergulhado teriam unido as duas pontas e fariam um
pacote de socorro às montadoras com exigências de motores mais eficientes
quando rodados com etanol. Isso aumentaria a eficiência do álcool e eliminaria
a desvantagem do combustível. É tecnologicamente possível, economicamente
coerente e ambientalmente desejável. Por que não acontece? Porque o pensamento
econômico no governo é velho. Prefere as exigências descabidas dos anos 80.
A área econômica do governo
poderia aproveitar a Rio + 20 e atualizar o seu pensamento. Se o fizer,
entenderá que a questão ambiental não é um apêndice, mas a lógica da política.
Pode-se aumentar o crescimento econômico, a oferta de emprego e o investimento
através dos incentivos à redução das emissões dos gases de efeito estufa.
Quem não entender a crise
climática que o mundo vive não entenderá a economia dos próximos anos e
décadas. Ao contrário de alguns slogans e expressões que são moda passageira na
vida empresarial, a exigência de “sustentabilidade” veio para ficar. A palavra
tem sido mal usada e pela repetição vai perdendo a força. Mas o conceito que
ela expressa permanecerá conosco.
Como a “Folha de S. Paulo”
publicou na sexta-feira, o governo transferiu às empresas, em forma de subsídio
ao crédito, quase R$ 30 bilhões em três anos. No ano passado o Tesouro pagou
juros em média de 12,83% e emprestou a 6%. Essa diferença é custo direto. O governo
nunca divulgou o preço da diferença de taxas, mas foi obrigado agora pelo TCU.
E isso é só uma parcela do subsídio dado às empresas porque não incluem as
capitalizações e renúncias fiscais. Imagina se pelo menos uma parte dessa Bolsa
Empresa fosse concedida com exigências de eficiência de energia e
contrapartidas ambientais?
Políticas tributárias e
creditícias são armas poderosas para induzir a economia em determinada direção.
O governo poderia pensar em medidas como redução do IPI de placas solares e
componentes; redução do custo fiscal de turbinas eólicas; incentivos aos modais
de transporte, urbano e de carga, de baixo carbono; estímulo à formação de
clusters da economia verde; exigência de contrapartida ambientais. Tudo isso é
política industrial; mas na direção certa.
A área econômica avisa que vai
beneficiar empresas verdes. Fez o oposto nos últimos anos: apostou em campeões
nacionais sem ver a cor de suas práticas; concedeu empréstimo barato para
termelétrica a carvão; subsidiou empresas que descumpriram legislação
ambiental; deu estímulos para indústria de alto carbono e subsidiou o uso de
combustível fóssil. O governo não deveria improvisar nesse tema. Quem entende
do assunto não confunde maquiagem verde com transição para a economia de baixo
carbono.
Miriam Leitão
Fonte: www.ecodebate.com.br
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