Belo Monte – de quê? Tuíra, facões e bordunas


“Tendemos a analisar o mundo indígena com a lógica cartesiana e imediatista da posse do dinheiro e do poder que ele confere em nossa sociedade” (Ulisses Capazzoli).
Um bom número de pessoas que ouço falar sobre o assunto tende a considerar a construção de Belo Monte como um fato consumado. A despeito das considerações técnicas e das problemáticas envolvidas a usina será construída. Como dizia minha bisavó: “Não vai ter nem choro nem vela”, que impeça a fome ávida do progresso da nação. E contrariando o dito de minha bisavó, o que restará aos ambientalistas será chorar sobre o leite derramado.
Longe de um discurso derrotista, para não desanimar os que querem tomar pé da situação e lutar, ainda há muito que se possa garantir ao meio ambiente e a população indígena (principal população diretamente afetada pelo empreendimento) e ribeirinhos que vivem na região que será inundada pela barragem.
As discussões vêm de longa data. Lá pelos idos da década de 70 a região do Xingú vem sendo avaliada como potencial hidroelétrico. De lá pra cá saíram os militares, presidentes eleitos pelo voto direto e as intenções para com a região continuaram as mesmas. Embora o então Brasil democrático neste tema deixou de ouvir a população mais ameaçada, e por isso mais interessada no assunto à margem das decisões.
Contudo o desrespeito e desconsideração da opinião e das necessidades dos povos indígenas produziu cenas dramáticas que sinalizam a indignação e disposição deste povo em lutar por suas terra e sua dignidade. Foi em 1989 durante o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu que o mundo viu surgir do meio daquele grupo pintados de jenipapo e urucum, a índia kayapó Tuíra empunhando seu facão de lâmina afiada cortando o ar e firmando-o de lado no rosto do então Diretor da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes, que discursava sobre a criação de hidroelétricas na região. As discussões tomaram maior força a partir da criação do Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVS), principal e mais forte opositor a construção de Belo Monte durante a 11ª Encontro dos Povos Indígenas do Xingu no ano de 2008.
Em 2010, tendo a participação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a manifestação indígena tornou-se mais contundente. Durante audiência pública na qual o engenheiro Paulo Rezende, da Eletrobrás, tentava convencer uma platéia que lotava um ginásio em Altamira-PA, de que Belo Monte seria benéfica para todos, novo incidente. Ao fim de sua palestra, Roquivam Alves da Silva do MAB tomou a palavra: “Iremos à guerra para defender o Xingu, se isso for preciso“.
Como um chamado, a frase levou o grupo kaiapó, pintados e armados de facões e bordunas (arma típica dos kaiapó) a entoar seus cantos e a dançar. Cercaram os membros que estavam na mesa impedindo que deixassem o local. Cercaram o engenheiro e entre empurrões e safanões, numa dança que perdurou uns infindáveis 10 minutos, quando desfez-se o cerco o atordoado engenheiro exibia um profundo corte no braço direito provocado pelo golpe de um facão. Nunca se soube ou identificou-se  quem desferiu o golpe. Salvo engano a india Tuíra estava presente neste dia.
A ideia que se tem dos índios do Brasil perdeu-se ou no mínimo deformou-se no decorrer da colonização branca. Mitificado e caricaturado pela ignorância do branco colonizador. A cena que descrevi pode chocar a nós não indígenas, mas quão violentados estão estes povos que ano a ano vai sendo encurralado em redutos ínfimos de convivência com sua terra, seus costumes e cultura, lutando para preserva-las e garantir que seus descendentes tenham a chance de vive-las.
Para a ignorância e intolerância de muitos lembro de uma frase, não do autor, mas que diz mais ou menos assim: “Dizem que as corredeiras são violentas, mas o que dirão das margens que as oprimem?”
Sandro Henrique Rodrigues Menezes

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